sexta-feira, 20 de abril de 2018

MAIS UM IMPRESCINDÍVEL QUE SE VAI: PAUL SINGER. EIS UM ARTIGO QUE ELE ESCREVEU HÁ 10 ANOS E SE REVELOU PROFÉTICO – fim

(continuação deste post) 
Paul Singer (1932-2018)
A opção de politizar e ideologizar as campanhas pelo partido de esquerda implica uma mudança estratégica nas suas relações com o que chamamos de entidades de luta – movimentos sociais, ONGs, órgãos de representação de classe etc. – que são os verdadeiros protagonistas das mudanças sociais que produzem implantes socialistas nos vazios abertos pelas crises do capitalismo.

Camponeses que obtêm terra por meio de reforma agrária, trabalhadores que assumem empresas falidas para ressuscitá-las como cooperativas autogestionárias, catadores de lixo, agricultores familiares, extrativistas, garimpeiros, artesãos de muitos ramos, etc., que se associam para resistir à concorrência mortal do grande capital, integram entidades de luta que plantam sementes da sociedade pela qual luta o partido de esquerda.

O avanço das entidades de luta produz naturalmente o eleitorado consciente, que pode levar o partido de esquerda à conquista de posições de poder governamental. Logo, a luta do partido de esquerda pelo voto consciente das classes trabalhadoras não tem por que se limitar às campanhas eleitorais. Esta luta se confunde, até certo ponto, com as lutas das entidades que produzem a mudança social. Portanto, é de interesse vital para o partido que estas lutas se ampliem e fortaleçam. 

Deste modo, o objetivo maior do partido não é ganhar eleições mas apoiar e potencializar as entidades de luta. Para tanto, o partido, enquanto partido socialista, atua como braço político das entidades que se empenham na construção do socialismo.

A REFUNDAÇÃO DO PARTIDO DE ESQUERDA: UM ROTEIRO POSSÍVEL – O primeiro passo no novo rumo seria assegurar aos próprios membros do partido, assim como aos aliados e simpatizantes, que de ora em diante o partido restringiria os seus gastos ao arrecadado com as contribuições dos filiados e com a venda de publicações e outros objetos – agendas, bandeiras, broches, etc. 

O novo estatuto proibiria a aceitação de contribuições acima de determinado teto, calculado como um múltiplo da contribuição anual média dos filiados. Também poderia ser proibida a aceitação de contribuições de pessoas jurídicas, inclusive de sindicatos de trabalhadores, ONG's e semelhantes. A única exceção seria a quota do Fundo Partidário.

Uma conseqüência do anterior teria de ser a desprofissionalização das instâncias do partido. É inevitável que, a qualquer momento, o partido tenha entre seus membros um certo número que esteja profissionalizado ocupando cargos no poder legislativo e executivo. O que deveria ser evitado é que o companheiro abandone o seu trabalho, para se tornar apenas um político profissional. 

Há duas razões para isso: 
  1. o profissional da política perde sua identidade com os que representa, o que produz crescente alienação do político em relação ao setor social de que provém;
  2. o profissional da política perde sua independência política e de julgamento nas relações com as pessoas de que depende o seu emprego, que podem ser o parlamentar a quem assessora, o ministro que o nomeou para um cargo de confiança ou os dirigentes partidários que o empregam. 
Uma forma de limitar a profissionalização dos membros do partido seria admiti-la por períodos não prolongados, de modo que a pessoa tenha boas possibilidades de retomar sua atividade profissional. 

Quando a pessoa se afasta do seu trabalho por muitos anos, ela se desatualiza e, além disto, as novas habilidades aprendidas no exercício da atividade política podem lhe possibilitar o início de alguma atividade profissional de mais prestígio e melhor remuneração.

A democracia partidária exige que haja rodízio de cargos na direção do partido, no executivo e nos de representação parlamentar. 

Digamos que o prazo máximo seja de dois anos. Isto significaria que se uma direção partidária tem mandato de quatro anos; ao fim da primeira metade do mandato, os suplentes ocupariam os cargos dos titulares e estes ficariam como suplentes. O mesmo valeria para deputados, vereadores, prefeitos, governadores de estado e presidente da República.

Se esta for a regra, a escolha dos candidatos seria feita de tal forma que, para cada cargo, duas pessoas seriam escolhidas, sendo decidido por acordo ou por sorteio qual delas exerceria a primeira metade do mandato e qual a segunda. O efeito esperado destas medidas seria não somente a desprofissionalização, mas considerável achatamento da hierarquia partidária.

As finanças do partido deveriam se tornar públicas e transparentes. A cada momento, a origem das receitas e o destino das despesas deveriam ser claros, assim como o montante de reservas em dinheiro e em depósito assim como das dívidas e os prazos de seus vencimentos.

A elaboração do orçamento do partido deveria ser feita com plena participação dos membros do partido, diretamente ou por meio de representação. A prestação de contas das direções do partido em todos os níveis deveria ser pública, em audiências abertas aos membros do partido.

A composição dos órgãos deliberativos do partido deveria obedecer a algum sistema de quotas, que garantisse representação às classes e setores sociais cuja emancipação é objetivo de luta do partido. 

Poderiam estar nesta condição: mulheres, jovens, aposentados, negros, indígenas, beneficiários de programas de transferência de renda. Estes representantes deveriam integrar as diferentes chapas que concorrem aos cargos e não serem nomeados por movimentos sociais, pois é necessário preservar a autonomia, tanto do partido quanto dos movimentos sociais.

Outro cuidado seria não permitir que os representantes por quotas de gênero, raça, condição econômica, etc., sejam maioria nos órgãos deliberativos. Isto porque é preciso garantir que a composição dos órgãos deliberativos reflita, sobretudo, as disputas entre correntes de pensamento dentro do partido. Para tanto, cada corrente deve poder compor sua chapa predominantemente com pessoas que a representem politicamente, seja qual for seu gênero, raça, etc.

Finalmente, seria aconselhável limitar a menos da metade o número de membros dos órgãos deliberativos que estivessem profissionalizados. Se uma regra como esta não for adotada, será grande o perigo de que, em pouco tempo, o partido se torne semelhante aos partidos comuns, compostos quase unicamente por profissionais. 

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