quinta-feira, 8 de março de 2018

AS CAUSAS DO MEDO SOCIOFÓBICO (consequências e enfrentamentos) – 1

"Não devemos ter medo dos confrontos. Até os
planetas se chocam, e do caos nascem
as estrelas" (Charlie Chaplin)
Ouvi do crítico de teatro, cinema e teledramaturgo Gilberto Braga a afirmação de que é o medo, não o amor, o sentimento mais comum entre as pessoas, e aquele que mais as direciona no comportamento. 

Achei interessante e verdadeira a afirmação, até porque vinda de quem escreve tomando a pulsação dos sentimentos sociais como forma de obtenção de audiência.

Este artigo vai no sentido do aprofundamento dessa questão do ponto de vista social. 

O medo do novo, ainda que o presente seja caótico, é aquilo que faz com que vivamos eternamente tentando reformar o que não deve ser reformado, mas superado. Todo sentimento conservador decorre do medo e dele igualmente advém a tentativa de melhorarmos o que julgamos conhecer, mas que somente conhecemos superficialmente (o objeto da adoração social –o dinheiro– é desconhecido na sua essência pelos que o adoram).

O que é socialmente desconhecido, ainda que seja auspicioso, é amedrontador.

Há nesse componente comportamental conservador uma boa dose de medo por inconsciência sobre a essência do que temos e sua natureza negativa, até porque é diuturnamente positivada pelos formadores de opinião (pessoas, educadores, e veículos de comunicação) e dominantes econômicos e políticos, pois, se conhecêssemos coletivamente a essência do que temos, decerto não permaneceríamos tão arraigados a ele, o velho decadente.
Em primeiro lugar, a inconsciência da sociedade sobre si mesma provoca uma acomodação medrosa, ainda que a natureza injusta do nosso contrato social seja empiricamente percebida (e dolorosamente sentida) pelos pobres e até mesmo captada pelos ricos (estes, confortavelmente situados). 

Em segundo lugar a inconsciência sobre a negatividade do que temos incapacita a percepção do que podemos ter e ser. 

Muitos, por intuição e falta de alternativas, acabam buscando saídas marginais, ainda que sejam as mais inviáveis do ponto de vista coletivo. Neste contexto está inserida a questão do crime, pois os bandidos que espalham terror pela cidade e agora também nas zonas rurais são, em sua maioria, a resultante da barbárie social que os marginalizou (exceções comportamentais e de personalidade criminosa à parte). 

Eles constantemente arriscam as suas vidas e a liberdade na esperança de levarem uma existência de fausto e riqueza; é a simbiose inconsequente do medo como indução à coragem. 
Bandido se espelhando nos seus opositores de classe: Pablo Escobar e filho diante da Casa Branca
Espelham-se, por vezes de modo inconsciente, nos seus opositores de classe que têm uma vida confortável graças à pobreza da maioria; e, como não sabem ou não podem roubar por cima da mesa (o roubo legal, autorizado, proporcionado pela acumulação do capital via extração de mais-valia), passam a roubar por baixo da mesa, concorrendo no crime com os empresários e políticos ladrões do dinheiro público. 

Cumpre-nos esclarecer que é apenas contra esse último roubo não autorizado, subproduto da capitalismo na máquina estatal, qual seja a corrupção ativa e passiva com o dinheiro público, e contra o crime comum entre particulares, que a justiça se insurge, como defesa do Estado que a sustenta e da ordem patrimonial, a propriedade, um roubo em si.

Os bandidos são destemidos, impulsionados que são por um temor maior: as vicissitudes de consumo e mortes pela miséria social a que são submetidos nas suas origens. Entretanto, jamais usam o seu destemor no sentido da luta contra o status quo social que os vitimou na infância e vida familiar, pois lhes falta consciência crítica sobre o que fazer socialmente. Arriscam a vida para a obtenção de uma vida confortável, mas sem garantia nenhuma de longevidade.  
Pedrinho Matador: mais de 100 homicídios

Patologias à parte, a coragem dos bandidos é a resultante de um medo alucinado, desesperado, bárbaro, cruel, assassino, destituído de sensibilidade humana, desumanizado, injustificável. É a coragem da revolta como consequência inevitável de um medo elevado à potência máxima pela imposição da servidão social voluntária e involuntária e da miséria urbana e rural. 

É desse tipo de sentimento que se nutre o crescente número de criminosos comuns no Brasil, cujos índices de assassinatos chegam a ser maiores do que os de países em guerra civil como a Síria, e que provoca um tipo de medo coletivo da agressão física direta e dos latrocínios. 

O cidadão honesto, que nasce e vive subjugado pela mediação social do sistema produtor de mercadorias e, portanto, do capital (dinheiro, valor acumulado) cujo modelo é hoje one world, não passa de um ser amedrontado por duas formas de opressões clássicas e sub-reptícias (e cada vez menos sub-reptícias).  

O primeiro medo lhe é causado pela opressão da coerção tácita do capital. Todo cidadão é livre para ser escravo do trabalho abstrato que produz a acumulação do capital, já que tem uma só mercadoria para vender: a sua força de trabalho (cuja demanda, ainda por cima, é cada vez menor, além de ela ser desvalorizada pelo desemprego estrutural). 

Assim, o medo de deixar de ter o mínimo para a sua subsistência o faz beijar a mão do capital que lhe oferece emprego e o explora, reproduzindo um aprisionamento do pensar segundo o qual o seu malfeitor passa a ser considerado como o seu benfeitor. A saída não é a busca pelo emprego impossível, mas a sua superação.

O segundo medo lhe é causado por seu pretenso protetor o Estado. 
Sob o pretexto de proporcionar segurança ao cidadão por intermédio de uma ordem jurídica pretensamente isonômica e de uma força militar com alto custo financeiro, além de lhe prover demandas sociais tidas como serviços públicos essenciais e cuidar da conservação de bens públicos de uso coletivo, o Estado dele exige que, via impostos, banque os seus pesados (e agora insolváveis) custos operacionais.

Assim, além de ser explorado pela subtração do valor que produz nos seus postos de trabalho e que é o móvel da acumulação do capital pelo capital (o vazio fim em si do movimento tautológico do dinheiro), é ainda mais subtraído pelo pagamento de impostos que sustentam toda a pesada máquina estatal que o oprime. A saída não é a busca da proteção do Estado, mas a sua superação.

Por tudo isso, é natural que ele tenha medo, pois na hora em que precisa de atendimento médico, escola, segurança pública e outros serviços públicos essenciais, é o próprio Estado quem lhe nega tais serviços pelos quais pagou coercitivamente, sob pena de cobrança judicial e outras punições. (por Dalton Rosado)
(continua neste post)

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