sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

DALTON ROSADO ANALISA A INGOVERNABILIDADE ATUAL E AS PROPOSTAS DA ESQUERDA PARA 2018

“A pior cegueira é a mental, que faz que com
que não reconheçamos o que temos
à frente” (José Saramago)
Os governantes, de um modo geral, vivem um processo de desgaste insuperável perante a população, em face dos problemas sociais e ecológicos irresolúveis dentro da imanência capitalista. 

Assim, os eleitores rejeitam os governantes, ora de direita, ora de esquerda, votando sempre na oposição aos que governam. Supõem, ingenuamente, que seja tudo uma questão de capacidade de gestão. 

É que, no plano subjetivo, o povo é vítima da eterna crença de que as coisas podem ir bem ou mal dependendo das ações de governo. 

Tal postura decorre da crença de que a relação social feita a partir da mediação social patrocinada pelo sistema produtor de mercadorias (leia-se capitalismo) e suas instituições sejam cláusulas pétreas de um contrato social que vem sendo sedimentado desde a Antiguidade e que, na última metade de milênio, saiu do pré-capitalismo para chegar, nos últimos 150 anos, na fase desenvolvida capitalista, cujos resultados sociais e ecológicos danosos agora se manifestam de forma cada vez mais acentuada.  

A questão está presa a um aculturamento social patrocinado desde os currículos escolares básicos, que positivam as categorias capitalistas trabalho, dinheiro, mercadoria, Estado, política, etc., ensinando justamente o contrário daquilo que a verdade científica deveria ensinar. Desde muito cedo, somos submetidos à coerção tácita de uma lógica negativa e segregacionista, segundo a qual se tem de ganhar dinheiro para sobreviver. 

Os próprios professores são vitimas dessa ignorância e engessamento: e os candidatos a cargos eletivos, sob pena de cassação do registro, são proibidos de defenderem a ruptura com o modelo social sob o qual vivemos. 

Os que outrora eram mais radicais à esquerda, com o tempo foram perdendo as suas referências ideológico-geográficas (à esquerda do que?) e hoje se limitam a fazer proposições de combate ao capitalismo preservando as categorias capitalistas, numa flagrante contradição na presunção de propósitos. 

Paradoxalmente, admite-se a obviedade da existência de uma crise mundial em curso que está causando uma guerra civil generalizada (além de guerras convencionais); a formação de organizações criminosas, tanto de colarinho sujo (do tipo Comando Vermelho) quanto de colarinho branco (como o doleiro Alberto Youssef e o executivo petroleiro Paulo Roberto Costa, os mensaleiros, os demais réus da Lava Jato, etc.); e de fundamentalistas religiosos na linha da Al-Qaeda e do Estado Islâmico. 

Pari passu a um discurso político de crença na retomada do desenvolvimento econômico, com direita e esquerda parecendo não notar quão inconsistentes e falaciosas são suas premissas, a vida social segue seu curso cada vez mais acelerado rumo ao abismo. 

Se o discurso da direita é pífio, e o da esquerda é contraditório: a sua pretensa defesa dos trabalhadores omite que o próprio trabalho (hoje tornado obsoleto em sua maior parte e substituído pelas máquinas causa do desemprego estrutural) é aquilo que deve ser superado como categoria capitalista que é (não devendo ser confundido com atividade contributiva social, que é outra coisa).

Diante de tal quadro de ignorância programada pela elite e referendada pela esquerda, tudo graças a um modelo educacional e político que proíbe questionamentos e estudos sobre a gênese da miséria coletiva que se aprofunda em meio a um admirável saber tecnológico adquirido pela humanidade, está o eleitor, obrigado por lei a escolher dentre aquilo que já lhe foi previamente escolhido.

O Estado está falido, como consequência da falência do próprio capitalismo, que é de onde retira o seu sustento por meio dos impostos; a questão que se coloca, portanto, não se refere à boa ou má administração deste ou daquele partido ou pessoa, mas à necessidade da própria superação do capitalismo e seu instrumento de apoio institucional, o Estado. 

A parcela da esquerda que se diz anticapitalista e mantém um discurso de defesa social dos oprimidos dentro da institucionalidade política, pode até ser bem intencionada mas, sem o saber ou o querer, promove a afirmação do próprio capitalismo. Daí a decepção histórica provocada pela falsa dicotomia entre o ideário do discurso esquerdista e o positivista discurso capitalista da direita.

LULA FORA, O REFORMISMO CONTINUARÁ DENTRO

Agora, quando se delineia a perspectiva de inelegibilidade de Lula por condenação judicial, tenta-se formar uma frente de esquerda que pudesse conquistar a vitória eleitoral, viabilizando a implementação de um programa de governo avançado, com ênfase na defesa dos direitos sociais conquistados na fase de ascensão capitalista.
Velhas ideias, velhos slogans. Este é uma derivação do sem medo de ser feliz de 1979...
Tal pretensão da esquerda, ainda que viesse a ser eleitoralmente viável, representaria um prejuízo de curto prazo para a própria esquerda, uma vez que tal programa, na sua parte substancial, estaria fadado ao fracasso em face da crise cada vez mais perceptível da ingovernabilidade do Estado num país periférico como o Brasil.

Vivemos uma situação de caos social que beira a barbárie (a qual, vale lembrar, em muitas regiões e situações já dá plenamente o ar de sua desgraça).  

Como fugir, sob o capitalismo e mantida a administração do seu Estado nos moldes atuais: 
— da evidência da falência de pequenos empresários? 
— da falência do Estado e da ganância em achacar o cidadão comum com uma carga fiscal que lhe é proibitiva em face do baixo padrão salarial praticado?
— da taxa de desemprego que beira os 13% da população economicamente ativa? 
— da violência urbana que cria um índice de criminalidade impossível de ser coibida pelo Estado (um preso é mais caro do que um professor)? 
— do insolúvel problema habitacional, que obriga grande parte da população a morar sob péssimas condições de habitabilidade e sem infraestrutura viária e sanitária adequada, quando não em imensas favelas cujas condições de moradia todos nos conhecemos? 
— do caos na saúde pública? 
— do caos não só no sistema educacional público, como também no caro sistema educacional privado, com seu conteúdo de afirmação das categorias capitalistas e do próprio Estado do qual quer fazer parte, além da inconcebível transformação do ensino em mais uma mera mercadoria?  
— da falência do sistema eleitoral que elege um parlamento recheado de lobistas, representando desde o crime organizado e máfias de toda a espécie até corporações que se limitam a defender os interesses específicos em detrimento dos coletivos?  
— do ecocídio?
Qualquer programa de governo de esquerda que esteja inserido na governabilidade do sistema produtor de mercadorias está fadado ao fracasso e à revolta popular decorrente de sua incapacidade material de atendimento das demandas sociais essenciais, não periféricas. 

Alguém pode usar o velho argumento do voto útil num candidato de esquerda para que se evite a ascensão de um Bolsonaro ao poder (o nanico Trump tupiniquim).

Entretanto, é melhor enfrentarmos de uma vez por todas as causas que estão na base do bárbaro infortúnio social brasileiro, denunciando-as e propondo alternativas fora da imanência capitalista, de forma a demonstramos para a população (ainda que no médio prazo e sob um alto custo) a ingovernabilidade sistêmica, do que nós mesmos termos de assumir perante o povo um fracasso administrativo inevitável, bem como a própria pequenez da nossa compreensão social, igualmente inevitável a partir do engajamento político institucional.

Defender propostas emancipatórias, não imanentes ao capitalismo, não é tarefa fácil face à submissão mental a que estão todos submetidos. Mas, quem supunha que a emancipação humana fosse uma empreitada fácil? 

A eventual vitória de uma frente de esquerda num momento de insuperável falência financeira do Estado e de crise de suas instituições (provocada pela degringola irreversível, e sofrida para a maioria da população, do próprio capitalismo) representará um retrocesso em nossa difícil, mas possível, caminhada rumo à emancipação humana. (por Dalton Rosado)

3 comentários:

Valmir disse...

e como não existe outra coisa além de capitalismo...estamos ferrados não é?
agora...na Austrália, na Nova Zelândia...só para citar países não imperialistas, de existência recente e dimensões equivalentes as nossas tudo funciona..então ainda nos devem uma explicação melhor para nossa condenação ao fracasso.

SF disse...


Tranquilo.

Mar calmo não faz bom marinheiro.

Ou, como diz "evil Darwin": seleciono mesmo!

Admiro sua tenacidade em avisar as pessoas dos perigos que percebe.

Feliz de quem o entende e reflete sobre soluções viáveis.

celsolungaretti disse...

Caro Valmir,

não só existiu (antes do capitalismo a humanidade já era volumosa, pois só nas Américas viviam milhões de pessoas), como existem alternativas de vida fora do capitalismo.

É urgente que reflitamos sobre a sua superação no momento da contradição inconciliável entre a forma e o conteúdo da sociedade mediada pelo dinheiro, sob pena de sucumbirmos numa hecatombe bélica ou no ecocídio.

Quanto à Nova Zelândia e a Austrália, que podem ser incluídas nas pequenas ilhas de prosperidades mundiais, cumpre-nos informar que esses dois países somados têm uma população de 28,7 milhões que representam 0,4% da população mundial e têm PIB de 1,3 Trilhões de USD (o do Brasil, é de 1,7 trilhões de USD), ou seja, representam pouco, se considerarmos o cenário catastrófico da economia e da miséria mundial.

As cidades do mundo capitalista são como os países; os países são como o mundo: pequenas ilhas de prosperidade cercadas de pobreza por todos os lados.

Um abraço e agradeço pela oportunidade de rebater costumeiros comentários inconsistentes de quem não consegue analisar a economia capitalista e sua tragédia social de maneira global.

Dalton Rosado

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