sábado, 23 de setembro de 2017

HÁ MAIS COISAS ENTRE O 'FICA, TEMER!' E O 'FORA, TEMER!' DO QUE PODE IMAGINAR VOSSA VÃ FILOSOFIA

Entre os cidadãos de classe média com quem eu alguns bons amigos trocamos ideias por aí, há muitos que rezam pela cartilha do Fora, Temer!, mas existem também os que fazem uma análise pragmática, concluindo que a hora de derrubar o Amigo da Onça passou e um impeachment tardio causaria novos problemas ao invés de resolver os existentes.

Trapalhadas, tendenciosidades e golpismo incrustados nas denúncias do Rodrigo Janot também são percebidos por não poucos. Ao despir a toga de procurador e vestir o disfarce de provocador, ele prejudicou sobremaneira a bandeira da luta contra a corrupção, que, vale lembrar, só passou a empunhar bem depois que policiais federais e procuradores a ergueram. Os devotos da Lava-Jato deveriam é encará-lo como um vilão oportunista...

Enfim, a adesão estridente ao Fora, Temer! nas redes sociais não significa necessariamente que a classe média em peso a acompanhe; nem que os dela distanciados sejam todos antipetistas furibundos ou reacionários com carteirinha assinada. Trata-se de simplificações que cumprem uma finalidade utilitária na conservação/atração de prosélitos, mas não ajudam a entendermos o que está se passando.

André Singer, que foi porta-voz do Lula quando este era presidente, preferiu atribuir as sete vidas do Temer à ignorância dos pobretões, fazendo lembrar as discussões pós-golpe de 1964, sobre se a culpa do desastre era ou não do povo. Sua análise não deixa de ser esclarecedora, apesar desse tanto de preconceito que contém:
"A narrativa [de que Temer comanda um quadrilhão peemedebista], contudo, parece não comover a maioria dos parlamentares. Tal como na primeira ocasião, o presidente da República caminha impávido para a absolvição no plenário da Casa. 
Em 2 de agosto passado, obteve facilmente os sufrágios suficientes para bloquear as acusações oriundas do gravador-geral da República. Não apenas conseguiu o mínimo de 171 deputados contra a continuidade do processo como colocou 263 parlamentares a seu favor (contra 227). Mostrou, portanto, que dispõe de maioria (simples, é verdade) para prosseguir o desmonte do Estado.
De que maneira explicar tantos detentores de representação pública dispostos a arriscar a reeleição para sustentar um governo com 5% de popularidade? Um especialista conhecedor da política real me escreve dizendo que não arriscam nada. Nos rincões do país, o eleitor não sabe quem é o candidato a deputado no qual votará em 2018. Receberá do prefeito um número, digitará na urna, apertará o confirma e acabou. Está reeleito mais um dos que sustentou o quadrilhão.
Acrescento que os rincões são mais importantes na política do Brasil do que se costuma pensar. De acordo com o IBGE, 43% da população vive espalhada em 5.260 municípios com até 100 mil habitantes. Em particular, 16% se encontra em quase 4.000 municípios de apenas 20 mil moradores. 
E, além das características próprias do território continental, o cientista político Jairo Nicolau (Representantes de quem?, 2017), assinala que 'a história das regras de distribuição de cadeiras no Brasil é marcada, desde a Constituição de 1891, com normas que favoreceram os Estados menos populosos'. 
Talvez não seja a missa inteira, mas ajuda a entender parte do mistério da salvação".
Roraima, com 522,6 mil habitantes, tem 8 deputados federais. São Paulo, com 45,1 milhões, só 70.
Finalmente, até por eu mesmo fazer parte de tal contingente, ressalto que há também esquerdistas autênticos que são totalmente céticos com relação à democracia burguesa e aos presidentes eleitos segundo suas regras viciadas e viciosas, para quem a derrubada ou não de Temer é irrelevante, já que inexiste hoje o nível de organização popular necessário para a esquerda se apresentar como alternativa de poder.

Somos poucos, eu sei. E há quem nos considere fora da realidade, ao pretendermos a retomada da luta de classes nos moldes marxistas e anarquistas, com a revolução como objetivo supremo (estratégico) e a participação em eleições legislativas e executivas condicionada às conveniências táticas de cada momento (no atual, p. ex., a decadência e desmoralização desses Poderes é tamanha que mais vale ficarmos fora desse mar de lama, pregando o voto nulo).

Já que estamos no ano do centenário da revolução russa, vale lembrar que, quando os bolcheviques ainda eram bem minoritários na composição do Soviete de Petrogrado, um orador menchevique ou socialista-revolucionário indagou, num arroubo retórico, se havia algum partido apto para efetuar a tomada revolucionária do poder naquele instante. 

Lênin declarou que o seu estava pronto para isto e a aparente pretensão descabida foi recebida com uma explosão de gargalhadas. Alguns meses depois, os bolcheviques fariam valer a palavra do líder.
O Soviete de Petrogrado tinha mais de 3 mil membros

Ou seja, a História às vezes se arrasta com irritante lerdeza, às vezes avança aos saltos. O importante é sabermos discernir para onde ela aponta. 

E são cada vez mais evidentes os indícios de que a fase da conciliação de classes está esgotada no Brasil. Finalmente. Felizmente!

Aqueles cujos corações e mentes estão sintonizados com os ideais de liberdade e justiça social têm mais é de rejubilar-se com a perspectiva de as disputas políticas voltarem a ser decididas na praça que é do povo, como o céu é do condor.

E não na famigerada Praça dos Três (podres)  Poderes, perdida na solidão do Planalto Central.

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