terça-feira, 5 de setembro de 2017

APÓS A CARNE FRACA, A DELAÇÃO PODRE.

Desde o primeiro momento, vi com total desconfiança a ação orquestrada entre as Organizações Globo, o procurador-geral da República e um dos empresários mais encalacrados nas investigações do mar de lama brasileiro, tríplice aliança cujo objetivo claríssimo era derrubar o presidente da República.

Por quê? Primeiramente, por tratar-se de um abraço entre personagens que se afogavam.

A trajetória da Globo, invariavelmente a serviço das más causas, fala por si só (aos mais jovens, recomendo a leitura deste instrutivo artigo de Joaquim de Carvalho, publicado no Diário do Centro do Mundo). Então, quando o pior de todos os tentáculos da indústria cultural se coloca na contramão da maioria dos donos do PIB, a única explicação plausível é a de que teve interesses de grande monta contrariados, a ponto de tentar reverter o quadro com uma desesperada aposta no tudo ou nada. 

Deu nada, repetindo o fiasco do Caso Proconsult (vide aqui), em 1982, quando a Globo tentou roubar uma eleição do Leonel Brizola ao governo do Rio de Janeiro. Agora, ou trata de voltar às boas com o amigo da onça ou continuará sendo tratada a pão e água pelo governo federal nos próximos 15 meses. 

Rodrigo Janot oferecera mundos e fundos para Temer, desde que este desse um jeito de propiciar-lhe um novo mandato à frente da PGR. Tinha verdadeiro horror à perspectiva de ser sucedido por algum de seus inimigos na instituição. 

Como não foi atendido, uma mistura de compulsão de vingança e megalomania heroicista o levou a preparar uma denúncia a toque de caixa contra Temer, concedendo vantagens espúrias e inaceitáveis ao megacriminoso do colarinho branco Joesley Batista, para que este agisse como o mais reles e repulsivo provocador infiltrado, tentando induzir o presidente a fazer qualquer afirmação comprometedora. 

Obteve bem pouco, na verdade, mas a coisa foi apresentada com tamanho estardalhaço que, num primeiro momento, pareceu muito. 

Quando o rolo compressor midiático não levou Temer à renúncia nem o TSE a cassar-lhe o mandato, o complô fracassou. Estava na cara que a Câmara Federal não autorizaria a abertura do processo de impeachment. 
Mas Janot, já totalmente destrambelhado, prometeu renovar a tentativa, o que retardaria mais ainda a saída da pior fase da recessão econômica e causaria outros tantos transtornos inúteis ao país, pois:

— já se evidenciara não haver disposição nenhuma, por parte do Congresso Nacional, para aprovar mudanças nas normas constitucionais, no sentido de convocação imediata de uma eleição direta ou antecipação da que está marcada para outubro/2018;

— então, se desta vez se autorizasse o processo de impeachment, Temer só viria a ser afastado provisoriamente da presidência no primeiro trimestre de 2018, quando assumiria Rodrigo Maia (nada além de um genérico made in farmácia de fundo de quintal do dito cujo), com a incumbência de convocar a eleição para um mandato-tampão que duraria uns míseros seis meses. É difícil imaginar-se um quadro mais emblemático de muito barulho por nada.

Agora a casa ruiu de vez, com a revelação da existência de áudios altamente melindrosos para a delação premiada do grupo J&F, capazes inclusive de levarem à sua anulação. Como todos se lembram, foi tal delação premiada, criticadíssima, a base da tentativa anterior de derrubada do Temer. 

Espera-se que o STF, também colocado sob suspeição, libere tais áudios ainda hoje (3ª feira, 5). Segundo o repórter Rodrigo Rangel, da veja, eis o que passaria a ser do conhecimento do distinto público:
"A gravação de quatro horas (...) traz menções comprometedoras a quatro ministros do Supremo Tribunal Federal.
Uma dessas menções é considerada 'gravíssima' pelos procuradores – embora as demais, nas palavras de quem as ouviu, também causem embaraços aos envolvidos".
Já a Mônica Bergamo, uma jornalista da Folha de S. Paulo sempre muito bem informada sobre o que rola nos bastidores, diz existir o registro de uma conversa entre Joesley Batista e o advogado da empresa, Ricardo Saud, em que combinam atrair o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo para um encontro, sob o pretexto de contratá-lo como advogado (ele acabaria comparecendo, mas evitado comprometer-se).
"No meio da conversa, eles arrancariam do ex-ministro da Justiça informações sobre magistrados do STF. Dependendo do teor delas, entregariam o conteúdo à PGR.
Os executivos da JBS entendiam que os procuradores tinham grande desejo de que as investigações alcançassem o Supremo.
Saud diz a Joesley que teria ouvido de Cardozo que o ex-ministro teria cinco ministros do STF no bolso..."
Eis as tramoias da ralé moral que Janot contemplou com o mais generoso acordo até hoje firmado entre a Operação Lava-Jato e alcaguetes das altas rodas.

Fica claro que, nos poucos dias que lhe restam à frente da PGR, Janot pode apresentar quantas novas denúncias quiser, mas elas irão para a lixeira sem sequer arranharem Temer.

Melhor seria ele pegar todos os bambus, armar um feixe e dar-lhes outra destinação qualquer. Flechas agora não lhe servem para mais nada.

Quanto à esquerda, está mais do que na hora de admitir que não vai ser na Praça dos Três Poderes que se resolverão os problemas dos explorados, mas sim organizando-se a luta contra o capitalismo em escala nacional, ou seja, com a retomada do lento e árduo trabalho de acumulação de forças para uma ruptura revolucionária, que vem sendo cada vez mais negligenciado desde 2002.

Estamos patinando sem sair do lugar há 15 anos. Até quando?

4 comentários:

zaratustra disse...

Caro Celso no seu último parágrafo, da reportagem em questão, você elucida o que a esquerda precisa priorizar. No que concerne a reportagem fica difícil construir um raciocínio nessa conjuntura onde os três poderes gera descrença. Abraço

"Não é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário, o seu ser social que lhe determina a consciência."

Karl Marx

Anônimo disse...

"...a retomada do lento e árduo trabalho de acumulação de forças para uma ruptura revolucionária..."

A acumulação de força dos futuros bolcheviques russos demorou uns quarenta anos. Do assassinato do Czar Alexandre II até a participação catastrófica na primeira guerra mundial. Não esquecendo o apoio do Kaiser a Lenin e demais revolucionários, para que no poder assinassem um armistício e livrassem a Alemanha da frente oriental. Sem a carnificina sofrida pelos camponeses no exército imperial russo é provável que "a felicidade, com o doce de frutas enormes, amadurecerá nas flores vermelhas de Outubro." jamais ocorreria.

O caos após a derrota do Império Alemão produziu apenas o massacre dos spartakistas e propiciou a acumulação de forças dos bolsonaros arianos. A Rosa Vermelha foi lançada em um fétido canal. E o psicopata cabo infiltrado chegou ao poder supremo.

A conquista do poder na China e no Vietnã foram no início apoiados principalmente pelo desejo de libertação nacional e não ideológica. Na África os movimentos de esquerda surgiram também nesse caminho, o apoio material dos países "comunistas" à independência das metrópoles coloniais estava acima da ideologia. Prefiro esquecer o Khmer e o degenerado Pol Pot.

Em Cuba no início foi uma revolução burguesa, a morte de Camilo Cienfuegos até hoje não foi devidamente esclarecida, como também a prisão de Huber Matos. A guinada à esquerda foi movida principalmente pela necessidade dos novos comandante serem protegidos por um forte aliado, a falecida URSS. Caso contrário qualquer reforma, por mais tênue, seria abortada pela reação dos interesses imperialistas americanos firmemente implantados na ilha.

No ocidente desenvolvido o momento crucial da acumulação de forças esquerdistas foi a dos 3M, Marx, Mao, Marcuse, no fim reduzidos a protestos de ruas duramente reprimidos. Com poucos dos seus líderes mantendo o ideal que os guiou na juventude.

Os demais países que se afastaram do sistema imperial de anglos e galos o foram por botas e tanques estrangeiros.

No sistema político-econômico predominante pós segunda revolução industrial, e que ainda persiste, não tivemos nenhum país em que tal acumulação de forças levassem à ruptura com o capitalismo. E ainda pior, onde ocorreram, a realidade foi mais para um sistema de capitalismo de Estado, dominando pela nova classe econômica superior, a tal da nomenklatura. Permaneceram sociedades com profundas divisões de classes.

Na atual conjuntura nem mesmo um governo que mal chega a reformista é tolerado, amplos setores médios da população aliam-se aos seus senhores para a manutenção do status quo. Como vimos e ainda vemos nos últimos anos na Venezuela e no Brasil.

Os pobres acomodaram-se com as poucas migalhas do consumismo que lhe são cobradas em módicas e longas prestações. Não almejam a cidadania, mas a plenitude como consumidores, mesmo que de quinquilharias de baixa qualidade.

Falar em reação ao que está aí, contando com o que antigamente era chamado proletariado, em franco processo de extinção, numa sociedade com um hiato cada vez maior entre os proprietários e a maioria da população, em acelerada caminhada para o lumpesinato, é uma utopia naufragada.

Somente a mãe de todas as crises, causada pela explosão das distorções entre a economia real e a especulativa, com bolhas financeiras cada vez maiores, seria capaz de um mínimo de coesão entre os deserdados do povo. Mesmo assim seria necessário que a disputa fratricida que vemos diariamente dentre os que são verdadeiros indigentes fosse superada. Coisa que acredito extremamente difícil nesta era de doutrinação por memes, hoax e fakes disseminados pelos profissionais da doutrinação que agem com seus bots nas redes sociais.

SF disse...

Celso,
Suas análises são certeiras.
Baseado nelas falei para um amigo entusiasmado com a 1a delação que esta iria dar em nada. Na mosca!
Por estas e por outras continuo seu leitor.

celsolungaretti disse...

Jorge, você pegou o penúltimo parágrafo do meu post e quer dele derivar uma discussão que, se travada com a profundidade obrigatória, consumiria uns 10 posts iguais a esse. Haverá ocasiões melhores para travá-la e posts mais adequados para tanto (por que vc não aproveitou aquele do artigo do Paulo Francis sobre a revolução de 1917?).

Mas, desembocou no cenário que eu sempre destaco: marchamos para a pior de todas as crises econômicas capitalistas. Faltou o complemento de que tudo indica que ela ocorrerá quando as alterações climáticas estiverem causando efeitos devastadores sobre o planeta.

Então, é bem plausível que a dupla e terrível ameaça que a humanidade enfrentará a leve a unir-se nos esforços para sobreviver; e que, caso o consiga, resolva reconstruir a sociedade em bases racionais, priorizando as necessidades da maioria e não os interesses de minorias.

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