sábado, 5 de agosto de 2017

QUEM SÓ ENXERGA AS CULPAS ALHEIAS ESTÁ USANDO ANTOLHOS, POIS A PODRIDÃO É AMPLA, GERAL E IRRESTRITA!

Por Celso Lungaretti
Infelizmente, boa parte dos esquerdistas brasileiros deixou de cultivar o pensamento crítico, trocando a dialética marxista pelo mais primário maniqueísmo. 

Então, ao procurar visões alheias para trazer a este blogue, no sentido de diversificar as abordagens e propiciar discussões, tenho muita dificuldade para encontrar análises consistentes e desapaixonadas no cast dos analistas tidos como acima de qualquer suspeita por parte de leitores viciados na linha justa (ou seja, aqueles acostumados a lerem apenas textos que repisam a forma como seus partidos e forças políticas preferidos querem que os acontecimentos sejam encarados, para que pareça comprovar o acerto de suas estratégias e táticas).

Mas, hoje não tempos uma esquerda revolucionária expressiva e a hegemonia está com uma esquerda domesticada, reformista e populista, que tudo faz para manter a ilusão de que, respeitando-se os valores republicanos e a democracia burguesa, seja possível proporcionar-se uma existência digna aos explorados.

A sucessão interminável de fracassos recentes coloca em xeque as estratégias e táticas desta esquerda domesticada, que apostou todas as suas fichas na conciliação de classes e as perdeu, pois ultimamente o que vem recebendo da classe dominante são formidáveis chutes no traseiro; face a isto, as análises tendenciosas e rasteiras que ela utiliza para manter mesmerizado seus públicos-alvos também caducaram, embora continuem sendo exaustivamente repetidas pelos papagaios virtuais. Temos de procurar outras.

Demétrio Magnoli é um comentarista político que, nos bons dias, produz artigos brilhantes, acertando na mosca. Quando for este o caso, eu o continuarei publicando, independentemente das queixas que recebo, batendo na tecla de que, por outras opiniões emitidas em outras ocasiões a respeito de outros temas, ele deveria receber tratamento de pária.

Isto é ranço religioso: tudo que o herege faz é pecaminoso. Eu também tenho graves restrições ao Magnoli em alguns assuntos (principalmente seu enfoque da resistência à ditadura), mas isto não impede, p. ex., que o seu artigo deste sábado (5) seja o melhor de que tomei conhecimento sobre a rejeição da denúncia contra Michel Temer na Câmara Federal. 

Por quê? Porque ele mostra exatamente o que aconteceu: todo o espectro da política oficial concorreu para o desfecho execrado, não apenas os vilões inimigos. Quem só enxerga as culpas alheias está usando antolhos, pois a podridão é ampla, geral e irrestrita.

Os acessos à Praça dos Três Poderes deveriam conter este alerta (Dante Alighieri aprovaria): "Abandonai toda a esperança, ó vós que aqui entrais!". 
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FRUSTRAÇÃO DAS RUAS COM SISTEMA
 POLÍTICO É SALVO-CONDUTO PARA TEMER
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Por Demétrio Magnoli
No horizonte do óbvio, Temer fica pois persuadiu 263 deputados a sustentá-lo, às custas do Orçamento, de cargos e de concessões políticas vergonhosas. Dilma, porém, foi defenestrada, mesmo depois de ofertar tudo isso no altar sacrificial da Câmara. As raízes da diferença entre um caso e outro estão fincadas num horizonte mais profundo: a miséria da nossa política. Temer fica pelos seguintes motivos:

1. Janot desviou a Lava Jato para o labirinto da politicagem. A denúncia contra Temer não nasceu de uma investigação exaustiva, como a conduzida no âmbito do cartel das empreiteiras, mas de uma arapuca vulgar montada em aliança com Joesley Batista. A imunidade absoluta concedida ao corruptor-geral da República provocou asco nacional, manchou a reputação pública da Lava Jato e ofereceu um álibi político eficiente ao ocupante do Planalto. Temer deve uma caixa de charutos a Janot.

2. A economia rompeu a crosta gelada da depressão. Temer preservará o imposto sindical, pervertendo a reforma trabalhista, e substituirá a reforma previdenciária por um emplastro improvisado. Mas, ao menos, a equipe econômica representa um seguro contra calamidades. O empresariado admite quase tudo, mas não um retorno aos folguedos infantis do dilmismo. E, claro, adora uma Presidência exaurida, pronta a curvar-se à exigência de mais um refinanciamento de dívidas em benefício dos amigos dos amigos. Temer deve um vinho de origem controlada a Meirelles.

3. Nossa elite política tem pavor da Lava Jato. Temer, no Planalto, e Rodrigo Maia, na Câmara, são fusíveis que protegem os parlamentares do incêndio. A substituição do primeiro pelo segundo implicaria a remoção do duplo fio de chumbo. O Fica, Temer significa, igualmente, um Fica, Rodrigo –e um tratado de cooperação diante das investigações policiais e judiciais. A manobra de salvação do presidente assinala o início de uma contraofensiva do Planalto e do Congresso. Temer deve bombons baratos a todos os políticos situados na alça de mira da polícia.
E o decoro parlamentar? Deputado tenta destruir pixuleco com os dentes enquanto chovem notas falsas.
4. Aécio Neves alinhou uma corrente do PSDB à Santa Aliança anti-Lava Jato. Para proteger-se, o cacique tucano cindiu seu partido e atracou seu próprio futuro político ao cais do Planalto. A Lava Jato encontra-se, agora, em situação similar à da Operação Mãos Limpas, na Itália, durante os governos de centro-esquerda de Romano Prodi e Massimo D'Alema, cuja base parlamentar se uniu a Silvio Berlusconi para sabotá-la. Temer deve meia dúzia de pães de queijo a Aécio, outro amigo do peito da JBS.

5. Fica, Temer é o desejo oculto de Lula. A bandeira farsesca do Fora, Temer destina-se, exclusivamente, a consumo eleitoral. O PT e seus aliados garantiram quorum à sessão de salvação do presidente. Preservando Temer, o condottieri petista assegura para si mesmo o cenário mais favorável na disputa de 2018.

Mas, sobretudo, por essa via, o PT encontra um lugar na trincheira compartilhada pelos políticos que resistem à tempestade da Operação Lava Jato. Temer deve a Lula uma cachaça envelhecida, de alambique artesanal.

6. Nossa elite política separou-se, em conjunto, do interesse público. A crise que produziu o impeachment prossegue no governo Temer. Sob o signo da Lava Jato, vivemos o ocaso da Nova República. Contudo, nenhuma articulação partidária significativa destacou-se da paisagem cinzenta para oferecer ao país uma alternativa de reformas institucionais e políticas.

No lugar disso, em meio às ruínas, assiste-se aos espetáculos deprimentes da decomposição do PSDB, do neoqueremismo lulista e das apostas especulativas de Marina Silva, Ciro Gomes, Jair Bolsonaro, os salvadores da pátria de plantão.

A frustração das ruas com a falência geral do sistema político funciona como salvo-conduto do ocupante do Planalto. Temer deve tudo ao medo da mudança. Ele honrará sua dívida, às nossas custas.

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