segunda-feira, 7 de agosto de 2017

DO POMPOSO BRASIL LEGAL PARA O ESCULHAMBADO BRASIL REAL, HÁ UMA DIFERENÇA MONUMENTAL...

"O mais corrupto dos Estados tem o maior número
  de leis" (Tácito, político do Império Romano)

A mediação social feita a partir do capital tem regras destrutivas e autodestrutivas de funcionamento social como resultante de sua própria lógica contraditória, que ignora regras legais por mais bem intencionadas que sejam. 

É que a lei legiferada para dar azo ao capital e o bom senso andam dissociados, em razão de uma forma de relação social estabelecida a partir da forma-valor que se tornou absolutamente anacrônica e evidencia a completa incompatibilidade entre a obrigação de cumprimento social da regra e os fatos sociais empíricos de cumprimento desta mesma regra.

O legislador, pressionado pelo anseio popular (muito mais das corporações do que pela coletividade, pois esta não tem como acompanhar os seus representantes eleitos), legisla muitas vezes no sentido de concessão de alguns direitos que esbarram na capacidade econômica privada e pública do Estado cada vez mais endividado e pagando jutos altos (apenas nos países periféricos do capitalismo, pois os países ditos ricos aumentam suas dívidas, mas pagando juros baixos ou negativos, como agora ocorre).

A economia é quem dita ordens para a política e não o contrário, como se costuma pensar. Isto porque a política, nascida para dar legitimidade à ordem capitalista, não pode se voltar contra o seu senhor; então, quando a economia entra em depressão (como agora ocorre mundialmente e de modo irreversível), os políticos, em sua maioria conservadora hegemônica, correm para atender aos apelos da governabilidade econômica pública e privada, ameaçada pela crise econômica mercantil, e retiram direitos do povo. Caso das reformas trabalhista e previdenciária no Brasil.

Já não é mais possível uma guerra convencional como as deflagradas após o crack de 1929/1930, com mortes de 70 milhões de pessoas e destruição capaz de promover o crescimento econômico no pós-guerra. Agora a barbárie se torna explícita, apesar do interesse de manutenção da funcionalidade do estado na sua tarefa de contenção da insatisfação popular causada pela miséria que se alastra.    

Podemos citar exemplos claros da dicotomia entre algumas exigências benfazejas da lei e a imperiosa realidade social econômica que as inviabilizam: 

1. A lei diz que matar é crime punível com pena privativa de liberdade, mas a crise econômica que impede cerca de ¼ da população brasileira de obter seu sustento por meio do trabalho abstrato (incensado falaciosamente como fator de dignidade humana, mas agora negado aos cidadãos numa contradição explícita da ordem capitalista), impele um grande contingente populacional às estratégias de sobrevivência mais reprováveis. 

Este é um fermento da criminalidade bárbara que hoje grassa no Brasil, dando-nos a sensação de estarmos numa guerra civil não declarada. O Estado que legisla a punição penal perdeu a capacidade de processar e punir os criminosos em razão do custo cada vez mais elevado, à medida que aumentam os índices de criminalidade.
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2. As leis trabalhistas e toda a estrutura de fiscalização do cumprimento das normas de segurança no trabalho, condições de habitabilidade e exercício profissional esbarram no fato de que a concorrência de mercado entre produtores de mercadorias força a quebra do cumprimento destas leis.
Ou seja, a realidade do mercado contraria todas as medidas legais que assegurariam a dignidade das condições físicas do exercício do trabalho abstrato pelos trabalhadores; então, qualquer empresário não monopolista de produção de mercadorias que se dispuser a cumprir as exigências legais ficará em desvantagem perante os seus concorrentes. 

Resumo da ópera: a dinâmica do capital no mercado obriga ao descumprimento da lei, numa prova empírica do predomínio das leis do mercado sobre as leis juridicamente constituídas (que também são insatisfatórias, por sinal); isto quando não ocorre o trabalho escravo, cada vez mais presente entre produtores de mercadorias.
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3. Toda cidade tem um código de postura para a construção de moradias, abertura de ruas, praças, áreas verdes, áreas para equipamentos comunitários como postos de saúde, escolas, etc. Entretanto, como a terra urbana é uma mercadoria cada vez mais cara (a única que não tem dessubstancialização de valor provocada pela redução dos custos de produção) e o custo de construção de uma casa se tornou proibitivo para um trabalhador assalariado de renda baixa (a grande maioria), acabam crescendo as favelas e as ocupações desordenadas de terrenos com construções toscas, sem a mínima infraestrutura sanitária nem a qualidade necessária para uma vida urbana saudável. 

A lei, mais uma vez, discrepa da realidade da ditadura econômica que sobre ela prevalece.
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4. Todas as boas intenções das leis de diretrizes educacionais e o discurso político que atribui à melhora da educação a solução da crise do capital (um consenso falacioso, de vez que a culta União Europeia enfrenta níveis de desempregos elevados, com o desenvolvimento tecnológico da produção conspirando contra a lógica do capital), esbarram no fato de que a rede pública de países periféricos como o Brasil não dispõe de recursos econômicos para proporcionar uma educação de qualidade; assim, mais uma vez, a lei não passa de um corolário de boas intenções que nunca se viabilizam.

Só tem acesso à educação de boa qualidade uma percentagem ínfima da população, que pode pagar o custo do ensino privado com gradações de qualidades variadas, tornando o acesso à universidade e ao conhecimento técnico somente factível à elite bem situada financeiramente (exceções pontuais à parte).
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5. A legislação brasileira que instituiu o Sistema Único de Saúde intenciona a promoção de atendimento médico a todos os brasileiros. Mas, estamos carecas de saber o que significa ficar à mercê de atendimento médico hospitalar ou preventivo público. É sinônimo de sofrimento e morte, em que pese o esforço de muitos profissionais de saúde que trabalham com denodo, apesar das imensas dificuldades materiais. 

A boa intenção da lei mais uma vez esbarra na incapacidade do poder público de prover tal incumbência constitucional, por causa da tradicional escassez de recursos para a área da saúde, agora agravada pela debacle da economia..
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Seriam muitos os exemplos que poderiam ser citados, no sentido de que a desintegração social que ora enfrentamos não deriva da existência ou inexistência das leis, mas sim de uma realidade econômica que sempre foi trágica para a maioria da população e agora assume contornos de barbárie, já que encontrou o seu ponto de saturação irreversível a clama por uma transcendência de modelo. 

O quadro circense que nos proporcionam os parlamentares do Congresso Nacional, em conluio com os chefes dos poderes Executivos cujo grau de corrupção com o dinheiro público ora evidenciado é de estarrecer os brasileiros comuns, estão a clamar por uma transcendência estrutural de modelo social, tanto no nível da produção como da organização funcional, de tal forma a que a lei derivada deste processo possa ser consentânea com a realidade social consciente e efetivamente participativa. 

Está mais do que na hora de nos livrarmos da hipocrisia derivada de leis que nunca são cumpridas, justamente por darem sustentação a um modelo de produção social que contradiz a sua própria exequibilidade. (por Dalton Rosado)

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