quinta-feira, 31 de agosto de 2017

A CENSURA VESTE TOGA

Leio no noticiário desta 5ª feira (31) que o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, corrupto com carteirinha assinada que está merecidamente mofando na prisão, foi proibido de conceder entrevistas à imprensa pelo Tribunal Regional Federal do Rio.

Cabral é um exemplar paradigmático da fauna que o jurista Edwin Sutherland catalogou como criminosos do colarinho branco: trata-se de "uma pessoa respeitável, e de alta posição (status) social de Estado", que cometeu crimes "no exercício de suas ocupações". 

Evidentemente, não tenho por ele o mais remoto apreço. Discordo, contudo, de que seja tratado como cão feroz no qual se põe focinheira, pois é o primeiro passo na estrada de sua anulação como indivíduo e como cidadão; o último, claro, será abaterem-no como cão raivoso. Mesmo sendo improvável tamanho retrocesso nos dias de hoje, todo cuidado é pouco num país que passou mais de um terço do século passado sob ditaduras!

E é simplesmente chocante a justificativa do juiz Marcelo Bretas, de que não haveria "interesse público na concessão da entrevista do ora custodiado".

Ora, o verdadeiro interesse público é de que haja transparência nessas situações, caso contrário um prisioneiro poderá estar sendo silenciado apenas e tão somente para não revelar informações melindrosas que detenha. Ditaduras agem assim. O Brasil jogou sua última na lixeira da História, há mais de três décadas.

Quem delegou ao juiz Bretas a função, inexistente à luz da Constituição Brasileira, de censor? Ninguém! É inaceitável que ele se arrogue a decidir que as declarações de Cabral serão contrárias ao interesse público antes mesmo de o prisioneiro proferir uma única palavra. 

Sabe-se lá se tem bola de cristal ou, apenas, autoritarismo entranhado. O que não podemos é admitir o restabelecimento da censura prévia, uma erva daninha que acreditávamos ter extirpado para sempre!

Se é extremamente discutível o tal interesse público a que recorre o magistrado para defender o indefensável, não há dúvida nenhuma de que há interesse do público em conhecer o que Cabral tem a dizer, caso contrário veículos da grande imprensa não o estariam procurando. 

São empresas jornalísticas que conhecem muito bem as regras do jogo e certamente gravarão a entrevista, só colocando-a no ar depois que suas áreas jurídicas passarem um pente fino nas falas de Cabral, excluindo qualquer afirmação que configure incitação ao crime, difamação, calúnia, etc.

Mas, se Cabral for revelar fatos novos que impliquem outros corruptos ou, digamos, alegar ter sido feito de bode expiatório, apontando os verdadeiros responsáveis por delitos a ele imputados, o interesse público não será contemplado calando-o, mas sim permitindo que fale. 

Afinal, o mar de lama que o noticiário nos atira na cara desde 2004 nos leva a suspeitar de tudo e de todos; a mordaça em Cabral necessariamente será interpretado pela maioria das pessoas bem informadas como acobertamento. Duvido que deixar que fale, nas atuais circunstâncias, cause mais danos do que permitir que fale, meritíssimo!

Por último, é patética a alegação do relator do caso, desembargador Abel Gomes, de que a Justiça deva proteger o acusado "contra qualquer forma de sensacionalismo". 

Nem Cabral se tornou, da noite para o dia, um incapaz a ser tutelado, nem cabe a desembargadores decidirem com base em meras suposições. 

Quem lhe garante que o tratamento da entrevista será sensacionalista? Será que ele viu isto na mesma bola de cristal do juiz Bretas?

Censura nunca mais!

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

A EXTREMA MOROSIDADE ACABA FAZENDO DA JUSTIÇA DA DEMOCRACIA UMA EXTENSÃO DOS TORMENTOS DA DITADURA

Chega a hora de fazer um balanço dos meus esforços para agilizar o recebimento de uma indenização que me foi concedida pela União em 30 de setembro de 2005, quando fui declarado anistiado político por portaria do ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos. Sucintamente:

— participei da resistência à ditadura militar e sofri danos de toda espécie, desde uma lesão permanente até a imposição, sob torturas e ameaças de morte, de submeter-me a uma exposição negativa que me tornou alvo de estigmatização durante décadas;

— a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça recomendou que me fosse concedida (e o ministro concedeu) pensão vitalícia e uma indenização retroativa referente ao período transcorrido entre as arbitrariedades que sofri (meados de 1970) e o início do pagamento da reparação (que acabaria ocorrendo em janeiro de 2006);

— as normas do programa estipulavam que a indenização retroativa deveria ser paga de uma vez só, dois meses depois de publicada a portaria ministerial;
— como a União nem me pagasse o retroativo nem justificasse o não-pagamento, entrei com mandado de segurança no STJ em fevereiro/2007;

— logo em seguida, todos os anistiados com direito a tal indenização recebemos, por carta, um documento para assinarmos e enviarmos de volta ao Ministério do Planejamento, concordando com que ele nos fosse pago em parcelas mensais, que deveriam chegar ao fim no último dia de 2014, quando o que eventualmente faltasse para zerar a conta seria depositado de uma vez só;

— mantive meu mandado e não assinei o documento, por uma questão de princípios: como não havia justificativa nenhuma na correspondência que nos foi enviada, apenas uma autorização para assinarmos, aquilo só poderia ser considerado um ultimato, algo inaceitável para quem arriscou a vida, a integridade física e a própria segurança dos seus entes queridos lutando contra o arbítrio e o autoritarismo;

— a segurança foi concedida por unanimidade em abril/2011;

— a AGU entrou com um embargo de declaração, depois outro; em ambos, a minha vitória foi novamente unânime, em novembro/2014 e abril/2015;

— depois, mediante recurso extraordinário, a AGU conseguiu que meu processo fosse colocado na dependência de outro que tramitava paralelamente no STF, também desde 2007, e que, em função da repercussão geral, servirá de paradigma para todos os casos similares; 

— nele, a União utilizou era basicamente a mesma argumentação legal que o STJ rechaçou 3 vezes nos julgamentos do meu caso. E o resultado foi o mesmíssimo: derrota da AGU por unanimidade, em novembro/2016;

— Sob a presidência da ministra Carmen Lúcia, com a ausência justificada de dois ministros, os nove julgadores decidiram que o não pagamento do retroativo no prazo previsto "caracteriza ilegalidade e violação de direito líquido e certo" e que "havendo rubricas no orçamento destinadas ao pagamento das indenizações devidas aos anistiados políticos e não demonstrada a ausência de disponibilidade de caixa, a União há de promover o pagamento do valor ao anistiado no prazo de 60 dias", caso contrário "cumpre à União promover sua previsão no projeto de lei orçamentária imediatamente seguinte".

O que houve de inusual nos trâmites do meu processo foi a insistência da AGU em não aceitar o que nove ministros do STJ decidiram no julgamento do mérito da questão, no longínquo 2011. 

O habitual, face a sentenças unânimes e taxativas como aquela, é não contestá-las, para evitar novas humilhações, praticamente inevitáveis. Seguindo a mesma linha de argumentação rechaçada pelo colegiado completo, que chance haveria de a AGU conseguir que o entendimento anterior fosse mudado? Verdadeiramente, nenhuma! 

Mas, esperneou duas vezes, apenas para se ver goleada de novo: 8x0 (e um ausente) e 9x0.

AS BUROCRACIAS DO ESTADO TÊM FACILIDADE EXTREMA PARA RETALIAREM OS CIDADÃOS POR ELAS MALQUISTOS

Sou personagem polêmico e propenso a sofrer retaliações, tanto por minhas posições políticas (luto há meio século contra o capitalismo e contra as posições reformistas no seio da esquerda, o que me atrai hostilizações dos dois lados do espectro político) quanto por meu inconformismo diante da onipotência que se arrogam várias burocracias do Estado (quando enfrentei problemas para conseguir que o julgamento do meu processo fosse pautado pela Comissão de Anistia, fiz sucessivas denúncias públicas contra as "burocracias arrogantes, atrabiliárias e insensíveis", que talvez tenham deixado feridas abertas até hoje). O revanchismo, portanto, não pode ser descartado. 

Enfim, o fato de a AGU passar quatro anos embaçando o cumprimento da sentença do julgamento de mérito, inusual mas não ilegal (as leis e normas brasileiras, infelizmente, dão margem a que as burocracias do Estado tenham facilidade extrema para retaliarem os cidadãos por elas malquistos), foi o que levou o processo estar inconcluso em 2015, sofrendo, então, os efeitos da repercussão geral. Se, como tantos outros, estivesse finalizado e com a sentença cumprida, tal não aconteceria.

Outros anistiados trilharam caminhos legais diferentes e já tiveram seus créditos honrados. Então, na prática, os iguais acabaram sendo tratados desigualmente: parte haverá tido um só julgamento de mérito, eu e sei lá quantos outros teremos dependido de dois, com todas as delongas inerentes.

E a desigualdade não se dá só neste aspecto. Vale lembrar que foi oferecida a todos que já éramos anistiados no primeiro trimestre de 2007 a possibilidade de recebermos o retroativo em parcelas mensais até o último dia de 2014. A grande maioria aceitou tal imposição. 

Não consigo entender por que, a partir do dia 1º de janeiro de 2015, a AGU continuou multiplicando os esforços jurídicos para evitar meu pagamento, quando a questão perdera sua razão de ser! Mais uma vez, estabeleceu-se uma diferenciação odiosa entre iguais. Os juristas podem avaliar se o comportamento da AGU contrariou ou não a letra da Lei. Mas, salta aos olhos que o espírito de Justiça foi estuprado! 

De novembro para cá, aguarda-se que os ministros do STF entreguem seus votos para que o relator Dias Toffoli finalize o acórdão e ele seja publicado.
Possuo muitos dependentes e tão longa espera por uma quantia que tinha direito a haver recebido ainda em 2005 está me levando a uma situação financeira insustentável, próxima da insolvência. A extrema morosidade com que tramita meu mandado de segurança (instrumento que deveria, pelo contrário, garantir a rápida correção das injustiças praticadas pelo Estado) acaba fazendo da Justiça da democracia uma extensão dos tormentos da ditadura! Quanto tempo mais precisarei sobreviver para que me indenizem em vida pelo que sofri em 1970?! 

Até onde vai meu entendimento de leigo, não restam mais providências legais recomendáveis (ou seja, descartadas as contraproducentes) a tomar e há apenas dois apelos que eu posso formular às autoridades que ainda tenham a Justiça, no sentido maior do termo, como norteadora de suas ações:

— a advogada geral da União Grace Mendonça pode desistir das contestações judiciais ao julgamento de mérito do STJ, retirando a AGU do caso e permitindo que a sentença de 2011 seja finalmente cumprida;
— as diversas autoridades do STF e STJ às quais compete tomarem as providências para o encerramento desta novela que já perdura por mais de uma década, podem passar a atuar com mais presteza, inclusive por respeito à condição de idoso dos anistiados. 

Esta é a situação do momento. Peço aos companheiros de ideais e aos cidadãos justos que me deem o apoio e ajuda ao alcance de cada um, pois estão sendo muito necessários.

E também sugestões, pois, após tantas tentativas efetuadas em vão nas últimas semanas, estou inclusive sem ideias. Talvez haja possibilidade(s) que não me esteja(m) ocorrendo. 

(Celso Lungaretti)

terça-feira, 29 de agosto de 2017

ANISTIA DE 1979 COMPLETOU 38 ANOS; ELA IGUALOU AS VÍTIMAS AOS SEUS CARRASCOS.

Nesta 2ª feira, 28, a Lei da Anistia fez 38 anos. 

Foi um arranjo infame pelo qual:
  • os torturadores e genocidas da ditadura militar, já antevendo a redemocratização do país e o dia em que seus crimes lhes seriam cobrados, trataram de munir-se de um habeas corpus preventivo;
  • os oposicionistas light, cedendo à chantagem do regime, se contentaram em obter apenas a libertação de presos políticos (excluídos, num primeiro momento, os que haviam pegado em armas contra o arbítrio) e a permissão de volta dos exilados, pagando, como contrapartida, o mico de avalizarem a impunidade dos torturadores.
E a impunidade se eternizou, embora o Direito das nações civilizadas não reconheça  pseudo-anistias promulgadas durante a vigência de ditaduras, muito menos a equiparação entre cidadãos que exercem seu milenar direito de resistência à tirania e terroristas de Estado que prendem e arrebentam para prolongar a tirania.

Pois é exatamente isto que significou a anistia de 1979: a igualação das vítimas aos seus carrascos. E uma das decisões mais vergonhosas do Supremo Tribunal Federal, em todos os tempos, foi a de vetar em 2010 a revisão da Lei da Anistia, adotando uma decisão aberrante em termos jurídicos, mas conveniente em termos políticos.

Afinal, nenhum dos três Poderes queria correr riscos, embora fosse muito discutível o respaldo das tropas às bravatas de oficiais superiores em vias de se reformarem, como os do Alto Comando do Exército que peitaram Lula em 2007 e viram seu blefe recompensado com o recuo daquele que detinha a autoridade de comandante-em-chefe das Forças Armadas mas temeu exercê-la, preferindo desautorizar seus ministros Tarso Genro e Paulo Vannuchi: determinou-lhes que não mais pregassem a revisão da Lei da Anistia, passando a indicar aos inconformados com a impunidade das bestas-feras o caminho dos tribunais.

Isto até foi feito, mas sempre em vão, pois as poucas sentenças corretas das instâncias inferiores da Justiça foram anuladas pelas superiores, como era de se prever. A desmontagem da arapuca teria de partir do Executivo e do Legislativo, jamais do Judiciário.

A última grande chance de se fazer justiça e legar aos pósteros um precedente judicial menos grotesco foi a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2011, exigindo a entrega dos restos mortais dos guerrilheiros executados no Araguaia a suas famílias e a apuração dos crimes praticados pelas forças de repressão.
Dilma Rousseff simplesmente a ignorou, enquanto instituía uma Comissão da Verdade engana-trouxas, sem dar-lhe, depois, respaldo para levar suas apurações às últimas consequências.
O blog recomenda também, nesta mesma linha, o post 
Corte da OEA vai discutir o assassinato de Vladimir Herzog
e a impunidade dos torturadores homicidas (clique aqui p/ abrir)

DIZIAM QUE LULA SERIA CANDIDATO DE QUALQUER JEITO E QUE O PT NÃO TINHA NENHUM 'PLANO B' PARA 2018. AGORA TEM?

Toque do editor
Mantendo a tradição deste blogue, reproduzo uma análise sobre movimentação de bastidores que considero ser relevante para refletirmos sobre o que está para vir.

Pois, para mim, a função de um blogueiro jornalista é ajudar os leitores a descobrirem as verdades ocultas sobre o passado, entenderem o presente e perscrutarem o futuro, não a de martelar o tempo todo as visões, versões, distorções e clichês partidários, como fazem tantos blogueiros leigos e alguns blogueiros jornalistas que deixaram de portar-se como tais e hoje não passam de propagandistas.

Gostaria de possuir eu mesmo os contatos que me permitissem montar um quadro de bastidores como o do Igor Gielow em seu artigo desta 3ª feira (29), mas isto ficou para trás. Tinha lá meus informantes quando trabalhava na grande imprensa, mas agora não sou mais interessante para eles. O jeito é garimpar o que jornalistas na ativa revelam e me pareça consistente.

P. ex., Gielow diz que já caiu para Lula a ficha de que não será candidato a presidente em 2018. Ora, venho cantando esta bola há tempos. Por que os poderosos, depois de tê-lo conduzido à beira do precipício jurídico, deixariam de dar o empurrão final?

O mais comezinho exercício de lógica nos sugere que, caso insista na candidatura, ele será bloqueado pela via legal. E, se bobear, corre o risco até de ser preso. 
Terá Lula finalmente caído na real?

Daí eu inclusive já tê-lo aconselhado, em posts do semestre passado, a tentar negociar sua aposentadoria política em troca de uma garantia de permanecer em liberdade; afinal, todos sabemos que processos no Brasil tanto podem tramitar a jato quanto se arrastar nas costas de uma tartaruga...

Ou, como Gielow coloca, o Lula poderia ser condenado a uma pena que o inabilitasse eleitoralmente mas não implicasse prisão. 

Isto, claro, na hipótese de desistir de confrontos desaconselháveis na atual correlação de forças. Preservando-se agora, talvez ele possa até ressurgir das cinzas em 2022, repetindo o feito de Getúlio Vargas, que no final de 1945 se isolou em São Borja e ficou quietinho até a onda adversa passar, voltando com tudo em 1950. Se Temer assumiu aos 75 anos, o que impede Lula de o fazer com os 77 que então terá acabado de completar? 

De resto, caso se confirmem os prognósticos de uma melhora da situação econômica, o jogo, em 2018, será mesmo mais favorável para a centro-direita.

Só não vejo Fernando Haddad como competitivo o suficiente para que o PT ao menos não desapareça nacionalmente. Tende a perder mais votos petistas do povão do que os conquistará dos politicamente corretos, não mantendo sequer a fatia de 30% que o PT detinha antes de 2002. Quem viver, verá. (CL)

CANDIDATO EM PÚBLICO, LULA MIRA
O PSB EM COSTURA PARA HADDAD

Por Igor Gielow
Em público, Luiz Inácio Lula da Silva continua candidatíssimo à Presidência em 2018, como evidencia seu giro por Estados do Nordeste.

Em privado, o ex-presidente acredita em sua inabilitação pela Justiça e busca tornar o nome do ex-prefeito paulistano Fernando Haddad competitivo o suficiente para que o PT ao menos não desapareça nacionalmente.

Segundo a Folha apurou, em reuniões recentes durante a caravana nordestina, Lula deixou claro a interlocutores que considera que terá sua condenação por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá confirmada em segunda instância antes do começo da campanha eleitoral.

Em reuniões reservadas, incentiva os até aqui discretos movimentos do ex-prefeito para se viabilizar.

Haddad tem se articulado em viagens pelo país. Ele dá entrevistas quase semanais para avaliar conjuntura política e sempre diz que Lula é o candidato, mas nunca nega a possibilidade de ser lançado em seu lugar.

E invariavelmente ignora as raízes da crise econômica na política dos governo do PT, poupando o padrinho.

O que é natural: além de lhe dever a carreira, Haddad precisa de Lula caso queira alçar tal voo após ter sido trucidado no primeiro turno em 2016 pelo tucano João Doria.
Quando prefeito, Haddad implantou faixas para ciclistas...

Mesmo que Lula seja absolvido e possa concorrer, há em setores do PT a avaliação de que o jogo é mais favorável para a centro-direita, apesar do desgaste da agenda associada à gestão Michel Temer.

Nessa avaliação, os 30% que Lula pontua em pesquisas seriam um teto, e um candidato como Haddad poderia tentar partir daí para buscar votos num espectro centrista. No partido, fala-se mais em "construir 2022" do que "sonhar com 2018".

Neste momento, o plano de Lula está focado na montagem do arcabouço para o PT manter-se acima da linha d'água em 2018, trazendo o que sobrar da implosão do PSB para seu lado.

É uma operação complexa, que foi discutida durante jantar que reuniu Lula, o governador Paulo Câmara (PSB-PE), um antigo desafeto do petista, e a viúva de Eduardo Campos, Renata, na quinta (24), no Recife.

A fatia governista do PSB, que inclui a órbita do ministro Fernando Coelho Filho (Minas e Energia), está negociando com o DEM.

Para atrair o grupo mais à esquerda do partido, descontente com a adesão a Temer, Lula tem um trunfo duplo.
...e reduziu a velocidade nas marginais. Agradou a poucos.
Primeiro e mais fácil, a vaga de vice. Segundo, o apoio à candidatura de Márcio França (PSB) ao governo de São Paulo em 2018.

França é vice de Geraldo Alckmin (PSDB) e quer se candidatar ao Bandeirantes, mas foi rifado pelo governador paulista em nome de uma aliança nacional dos tucanos com o DEM e talvez o PMDB.

A questão é que ele é visto como muito próximo de Alckmin, o que dificultaria uma aliança nacional com o PT contra o padrinho, caso seja mesmo o presidenciável.

Além do PSB e de aliados naturais como o PC do B, os petistas trabalham com a hipótese de a pré-candidatura de Ciro Gomes desidratar, levando o PDT para a esfera lulista por gravidade.

Ciro sonha em ter Haddad como vice, mas no PT poucos confiam no ex-governador, visto como mercurial, para ficar em termos elegantes.

Por fim, a manutenção da candidatura de Lula serve para sua defesa, já que adensa a figura a ser julgada. A esperança no PT é a de que a pena seja reduzida, evitando a prisão ainda que o inabilite.

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

SOBRE MISTÉRIOS, PREMONIÇÕES, ACASOS, DESTINO Y OTRAS COSITAS MÁS...

Tento não ser sectário em esfera nenhuma da minha vida. Tenho convicções a que a razão me conduziu, mas evito ciosamente aferrar-me a elas quando a experiência vivida ou presenciada as desmentem. 

P. ex., já vi fenômenos inexplicáveis à luz da ciência, dando-me a certeza de que o bardo tinha razão: há mesmo mais mistérios entre o céu e a terra do que os doutos admitem. 

O difícil é nos aprofundarmos na origem e limites de tais fenômenos. São espíritos de pessoas mortas? Forças que os vivos ignoramos possuir, mais acentuadas em algumas pessoas do que nas outras? Os deuses das várias religiões em ação? Extraterrestres muito mais desenvolvidos do que nós, fazendo-nos de joguetes?

Gostaria de ter o tempo disponível e os recursos de um Houdini, que consultava os mais famosos profissionais dedicados a estabelecerem pontes com o além, na esperança de encontrar um que realmente fosse capaz de colocá-lo em contato com sua falecida mãe, acabando, contudo, por constatar que não passavam de charlatães. Desconstruir truques baratos era brincadeira de criança para o maior mágico de sua época.

Raul Seixas e Paulo Coelho tentavam adquirir conhecimentos importantes lendo obras dos grandes bruxos do passado, que chegavam a traduzir pessoalmente. Que eu saiba, o Raulzito nunca aprendeu a fazer chover ou a transformar chumbo em ouro, mas não saiu de mãos abanando: obteve inspiração para suas músicas e seu personagem, dentro do clima brincalhão que o caracterizava.
Crowley, o bruxo favorito do Raulzito 

Paulo Coelho, ao que tudo indica, idem, idem. Só que fez seus leitores levarem a sério o que não o era nem nunca foi, aplicando pela segunda vez o conto do Castañeda. [Trata-se de um antropólogo que, após estudar com muito afinco as práticas dos feiticeiros mexicanos, criou belas obras de ficção a respeito de ter sido pessoalmente iniciado naqueles cultos que, por coincidência, utilizavam o poder alucinógeno dos cogumelos, um xodó da era hippie...]

Eu detestei ter sido ludibriado pelos três primeiros livros do espertalhão. Mas, há pessoas que precisam acreditar em qualquer coisa, e estas estão sempre à cata de Castañedas e Coelhos. 

Lembro-me da minha estupefação quando promotores paulistas e o jornal O Estado de S. Paulo reduziram a pó de traque a Igreja Universal do Reino de Deus, mas o rebanho continuou a crer piamente nos seus maus pastores, atribuindo as denúncias acachapantes de exploração da fé, curandeirismo, estelionato, lavagem de dinheiro, etc., a maquinações do demo...

Algo que permanece nebuloso para mim são certos acasos que se verificaram ao longo de toda a minha vida. P. ex., os nomes que eu e as companheiras de então escolhemos para nossas três filhas (uma adotiva e duas biológicas) acabaram sendo, de certa forma, pressagos. 

Tornaram-se o que são em função da expectativa que tínhamos em relação a elas (embora evitássemos expressá-la na sua frente) ou foi algum tipo de premonição? Ou, ainda, mera coincidência? Como saber?

E por que me vi envolvido, muito depois, em situações semelhantes às de dois dos livros que mais impactaram em mim quando, lá pelos meus 13, 14 anos, começava a procurar na biblioteca circulante algo além de aventuras fantasiosas? 

Não tenho a mínima ideia do motivo de eu me sentir atraído por A tragédia de Sacco e Vanzetti, do Howard Fast; ou do porquê de a leitura me haver sensibilizado tanto. E quando, já cinquentão, comecei a interessar-me pelo Caso Battisti, nem de longe me ocorreu haver similaridade. 

Até porque ela, inicialmente, inexistia. O companheiro Laerte Braga, com melhores contatos de bastidores do que eu, garantiu-me que o Comitê Nacional para os Refugiados garantiria ao Cesare o direito de permanência no Brasil, ponto final. Tinha escrito um artigo defendendo-o, escrevi outro na véspera da decisão e estava confiante em que tudo acabaria aí.

Quando a decisão do Conare foi adversa, percebi de imediato que o episódio ganharia proporções bem maiores. E um integrante do Comitê de Solidariedade me ligou de Brasília, pedindo ajuda para a batalha de comunicação que se prenunciava. 

Previ que seria longa e difícil. E, avaliando os quadros que estavam ao lado do Cesare, constatei que não havia um comunicador com mais experiência do que eu neste tipo de luta (já havia vencido duas, a da greve de fome dos quatro de Salvador e a da minha anistia). 

Resolvi assumi-la e passaria longos anos fazendo das tripas coração para contrabalançar a tendenciosidade extrema da nossa imprensa e os recursos enormemente superiores de que dispunha o outro lado. Só no meio do caminho me dei conta de que se tornara o episódio mais próximo do Caso Sacco e Vanzetti alguma vez sucedido no Brasil.

Já O Processo, do Kafka, eu li por indicação de um grande amigo, muito jovem para entender a razão de tudo aquilo (em nenhum momento me ocorreu que fosse, de certa forma, uma antevisão do que os judeus sofreriam sob o nazismo). 

Mas, a destruição de Joseph K. por parte de uma burocracia sem face mas com poder de vida e morte sobre um cidadão comum me chocou. E, lendo os finais alternativos que foram colocados no apêndice, identifiquei-me demais com aquele em que o Kafka mostra o personagem não se resignando à execução, mas tendo um impulso derradeiro de reação e erguendo a mão para deter a arma assassina.

Ora, as minhas agruras atuais com a indenização retroativa têm muito a ver com o pesadelo kafkiano. Algum burocrata bem situado mexeu os pauzinhos para que uma questão já decidida em 2011 (quando do julgamento de mérito por parte do STJ) se tornasse uma história sem fim, com a União recorrendo a todo tipo de artifício legal para protelar um desfecho inevitável. 

E, tal qual Joseph K., reajo e ergo minha mão, mas os poderosos não dão a mínima. Denuncio verdadeiras aberrações legais e a imprensa permanece indiferente, enquanto autoridades omissas olham para o outro lado. E muitos (principalmente os ditos organizados) que deveriam encarar o episódio como parte do bom combate, parecem ter aderido ao solidariedade zero...

Felizmente, ao contrário da distopia do Kafka, há também companheiros solidários, e não são poucos. Alguns chegam a me comover, tal o desprendimento e o carinho que demonstram. Nem tudo está perdido.

Fico em dúvida se outro livro marcante dos meus verdes anos se materializou na minha vida atual porque meu interesse por ele foi de alguma forma premonitório, porque atraí tal destino com minhas obsessões ou, o que sempre parece mais provável, tudo não passou de mera coincidência.

Enfim, o Caso Sacco e Vanzetti daqui não terminou com a execução de réus inocentes, mas sim com uma das maiores vitórias da esquerda nas batalhas legais das últimas décadas. Algum dia, tenho certeza, isto será reconhecido, pouco me importando o fato de que provavelmente não estarei mais aqui para presenciar.

E tudo leva a crer que, nesta miniatura d'O Processo em que me debato, a reação de Joseph K. não terá chegado tarde demais. 

Mesmo que exista algum destino fixado para nós, temos o poder de mudá-lo; ou, na pior das hipóteses, mais vale morrer lutando contra ele do que aceitando-o passivamente.
"Se este rumo assim foi feito/ sem aprumo e sem destino/ saio fora deste 
leito/ desafio e desafino./ Mudo a sorte do meu canto/ mudo o norte
desta estrada/ que em meu povo não há santo/ não há força e não 
há forte/ não há morte e nem há nada/ que me faça sofrer tanto"

domingo, 27 de agosto de 2017

DALTON ROSADO: DUAS CONTRADIÇÕES FUNDAMENTAIS DO CAPITALISMO E UM QUESTIONAMENTO PERTINENTE.

"O capitalismo é uma contradição
em processo" (Karl Marx)

A percepção de que o capitalismo é uma forma de relação social contraditória é constatada com clareza cada vez maior a partir da desigualdade social existente e que ora se acentua como barbárie social, mas a compreensão científica de tal contradição somente pode advir do estudo elucidativo das razões pelas quais isto ocorre. 

Somente o estudo da essência dos mecanismos e fundamentos da dinâmica das relações sociais mediadas pela forma-valor (dinheiro e mercadorias) pode nos oferecer uma visão crítica e nos levar às conclusões lógicas de que não há como humanizar-se esta forma de relação social, desumana por natureza: e de que jamais poderá haver a justa distribuição do dinheiro sob qualquer forma política.  

O dinheiro precisa se acumular continuamente, reprodutivamente e de modo aumentado para ter credibilidade existencial, daí não admitir justa distribuição. Quanto mais dinheiro haja, mais ele precisa se concentrar para se reproduzir e aumentar. 

Entretanto, esta é uma fórmula matemática que tende ao infinito, enquanto a realidade da capacidade de consumo social é previamente determinada, numa proporção diferenciada para menor. Aí está o limite interno de reprodução que ora está sendo alcançado. 

Historicamente, todas as tentativas (mesmo as poucas sinceras) de se promover justiça social a partir de produção e reprodução da forma-valor fracassaram. 

É que a forma-valor é uma abstração numérica criada pela mente humana a partir da mensuração mal intencionada (ou não) do tempo de trabalho abstrato, ou seja, mensuração econômica, numérica, do tempo de força de trabalho aplicado na produção das mercadorias, sendo ela própria, a força de trabalho abstrata, uma mercadoria – ou seja, algo completamente diferente do esforço humano de produção de bens e serviços em interação com natureza. Uma coisa não é o sinônimo da outra, como costumeiramente e inadvertidamente se supõe.
A ideia de valor, abstratamente admitida, passou a existir no exato momento em que as sociedades comunais deixaram de partilhar os bens produzidos coletivamente para considerá-los como propriedade privada e individual de quem os produziu. A partir de então, a possibilidade de exercício de poder individual, decorrente da detenção privada de bens transformados em mercadorias, induziu uma parte dos seres humanos a escravizar outros seres humanos como animais de carga produtores de mercadorias. 

O trabalho abstrato, produtor da mercadoria dinheiro e remunerado parcialmente pela mesma mercadoria dinheiro (dizemos parcialmente pelo fato de que diariamente um determinado quantitativo de horas trabalhadas pelo trabalhador não é remunerada pelo capital), nada mais é do que uma forma disfarçada do antigo escravismo direto. 

Assim, a forma-valor foi um achado maldoso que os segregacionistas dos últimos milênios encontraram como forma de acumulação individualizada da riqueza abstrata, para, assim, manterem sob seu domínio a riqueza material produzida (transformada em riqueza abstrata) e o poder. 

Mas, como diz o sábio adágio popular, não há mal que sempre dure; assim, as contradições da atual e histórica forma de relação social, existente a partir da forma-valor, afloram agora como decorrência de sua evolução, e de modo tão acelerado que ela se inviabiliza, tornando bastante perceptível a sua obsolescência como instrumento eficaz de mediação social. 

O desemprego estrutural é uma tragédia social mundial; mas, ao mesmo tempo, constitui-se num indicador da necessidade de superação do próprio emprego como forma de relação social. Não há soluções socialmente viáveis dentro da forma-valor no seu estágio atual, impondo-se, portanto, a sua superação urgente.              
O capitalismo é a tradução da acumulação do valor transformado em capital que se autonomiza e domina toda a sociedade organizada a partir de sua mediação social. Os próprios capitalistas, em que pese os benefícios que detêm, são meros agentes subordinados à sua lógica autotélica. O Estado capitalista e o capitalismo de Estado também se subordinam a esta mesma dinâmica.

O valor, por sua vez, é a contagem numérica, abstrata, de horas de trabalho abstrato, simultaneamente algo concreto e abstrato enquanto mercadoria que é, e coagulado na produção de outras mercadorias (de modo a que tudo se transforme em mercadorias). 

Assim, toda a formação do capital e toda a organização social feita a partir da forma-valor deriva de um gene inicial denominado mercadoria trabalho abstrato. Não há valor válido (embora haja dinheiro sem valor, como agora ocorre com a emissão de dinheiro sem lastro pelos países mundo afora) sem que haja trabalho abstrato a lhe substanciar.   

Consequentemente, a primeira e grande contradição vivida pelo capitalismo no seu estágio desenvolvido atual é que ele elimina a sua fonte de vida: o trabalho abstrato.

O capitalismo é a fase do desenvolvimento da forma-valor na qual se estabelece uma guerra mundial de concorrência de mercado. 

Na guerra de mercado somente sobrevive quem produz mais com menor custo de produção, e só há uma forma de reduzir custos de produção: a exacerbação da extração de mais-valia relativa na qual uma hora de trabalho abstrato (ainda que seja muito bem remunerada individualmente) elimina os custos de produção de muitas outras horas de trabalho anteriormente necessárias na produção de uma mesma mercadoria (aumento do trabalho excedente, não remunerado, em contraponto com o trabalho necessário, remunerado).

Com o avanço tecnológico da terceira revolução industrial da microeletrônica, da comunicação via satélite e da racionalização cibernética, a produção de mercadorias provocou três fenômenos:

a obsolescência global e em maior parte do trabalho abstrato, único produtor de valor;

— o deslocamento da produção para áreas de trabalho abstrato barato e abundante (casos da China, Índia e outros países asiáticos); e

— a inviabilização da previdência social pública que está consumindo o orçamento estatal, em razão de que há uma desproporção entre os pensionistas e novos contribuintes previdenciários. Tal fato inviabiliza a função precípua do Estado de prover os mecanismos de sustentação do capitalismo e se torna um estorvo para a vida mercantil. 

Ainda que haja lucros individualizados empresarialmente nas empresas que conseguem automatizar a sua produção de mercadorias e com isto sobreviver na guerra de mercado, elas estão implicitamente reduzindo a massa global de valor produzido e de extração de mais-valia; isto equivale a decretar a morte do próprio capital. 

A redução do uso mundial da fonte de produção de valor, o trabalho abstrato, representa a falência do capitalismo por seus próprios fundamentos; esta contradição, a maior e mais fundamental hoje existente, foi antecipada por Karl Marx como inevitável dentro da lógica social mercantil há 160 anos.

O ESTADO É O FEITIÇO SE VOLTANDO CONTRA O FEITICEIRO

O Estado moderno, republicano, capitalista, foi pensado e juridicamente institucionalizado a partir de uma exigência do desenvolvimento do capital. A monarquia absolutista feudal na qual os monarcas eram senhores da vida e da morte, não poderia sobreviver ao interesse mercantil ascendente. A revolução iluminista burguesa, republicana, mais não é do que a adaptação política submissa a uma ordem social ditada pelo capital. 
Entretanto, como o capitalismo é mesmo uma contradição em processo, as mutações havidas na função precípua do Estado vêm se transformando em mais um empecilho ao desenvolvimento do capital do que instrumento de sua defesa.

A decomposição social que empobrece o Estado e as populações mundo afora se choca com as leis elaboradas pelo próprio Estado em vários aspectos da vida cotidiana. Vejamos alguns exemplos:

— o estado estabelece regras de ordenamento habitacional urbano que somente são factíveis a partir de determinados níveis de capacidade de consumo privado. Como tais níveis de consumo não são alcançados (construção de moradias com saneamento básico, correto abastecimento de água e luz, coleta e destinação de lixo, corretos espaçamentos urbanísticos, etc.,) a legislação estatal não pode ser obedecida por uma população exaurida economicamente, que se obriga a morar em favelas. 

Neste momento o Estado mostra a sua verdadeira face opressora: um caríssimo estamento social custeado pelo contribuinte exaurido que perde sua função social e luta apenas para precariamente cumprir as suas funções de regulamentação da coerção social manu militari patrocinada pelo capital aos seus súditos e, concomitantemente, promover o controle monetário;

— a falência das finanças públicas está endividando o Estado, que atrai investimentos de rendas capitalistas privadas para si com pagamento de juros a tal nível de insolvência que, brevemente, deverá provocar uma hecatombe no mundo financeiro com a decretação pelo sistema financeiro da incapacidade de devolução dos valores aplicados. A Grécia foi um pequeno exemplo do tsunami que está por vir (e que se tornará insustentável quando ocorrer com os países do chamado G7). As finanças públicas deficitárias estão se tornando uma arma contra o próprio capitalismo;

— evidencia-se um acentuado nível de corrupção com o dinheiro público por parte dos gestores públicos e parlamentares, como decorrência de um processo eletivo no qual se vendem candidatos como se vendem mercadorias no mercado. A embalagem se torna mais importante do que o conteúdo do produto e o processo eleitoral democrático é uma corrida financeira caríssima na qual saem vitoriosos os mais corruptos ou comprometidos com todo tipo de corporativismo e interesses escusos. 

É graças a isto que temos as bancadas da bala, do jogo do bicho, dos evangélicos, dos proprietários rurais, dos industriais e grandes comerciantes, das empreiteiras, dos sindicatos, dos traficantes e do crime organizado de colarinho branco ou sujo, etc. 

O Estado originalmente estruturado para dar sustentação ao capital e manter a opressão nele contida coercitivamente, agora se torna um instrumento ineficaz para tal função e assume sem pejo a sua carantonha opressora e economicamente insustentável e corrupta, perdendo força enquanto instrumento do capital. 

Até fornecedores de bens e serviços, sem receber as suas faturas, ficam receosos das suas relações comerciais com o Estado; funcionários públicos veem diminuídos ou atrasados os seus salários e pensões, daí sua indignação contra os gestores públicos, transformando o Estado numa fortaleza decrépita do mundo capitalista; as Forças Armadas veem seus orçamentos diminuídos, etc. o Estado definha como última fortaleza do capital.
Diante de tudo isto, cabe uma singela pergunta: é uma postura de esquerda
 participarmos e legitimarmos o parlamento, ou aceitarmos gerir esse
Estado falido, contribuindo com as tentativas de viabilizá-lo
economicamente e, assim, ajudando a dar
sobrevida ao capitalismo?
(Dalton Rosado)
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