quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

PARA ONDE QUEREMOS IR?

"Se alguma coisa é certa, é que eu não sou marxista"
(Karl Marx, sobre o mau entendimento de suas teses)
.
A definição do que queremos colocar no lugar do capitalismo deve nortear nossas ações na luta contra o dito cujo. 

Antes de tudo. precisamos ter clareza quanto àquilo que formata o capitalismo, para não cairmos na ilusão dos movimentos de esquerda que fizeram revoluções pretensamente anticapitalistas sem superar as suas categorias fundantes. 

Tais revoluções degeneraram em capitalismo de estado e, adiante, acabaram por desaguar no capitalismo liberal como resultante inevitável. 

Agora, quando caiu por terra a falsa dicotomia de conteúdo (as diferenças eram apenas cosméticas, de retórica política) entre capitalismo liberal e capitalismo de estado marxista-leninista (o chamado socialismo real), finalmente nos debruçamos sobre a necessidade de estabelecermos um novo modo de produção, sem o escravismo do trabalho abstrato e no qual os trabalhadores, ao invés de serem exaltados como sujeitos da revolução, passem a ser vistos apenas como uma etapa do processo, rumo à definitiva afirmação dos seres humanos livres e conscientes do seu papel social. 

Não podemos culpar Marx pela sua dubiedade entre a posição inicial (o jovem Marx) de ênfase na luta operária, quando o capitalismo lutava pela sua afirmação social e ainda havia longos espaços de tempo e lugar para a sua ascensão expansionista, e o autor de O Capital (o Marx mais maduro, com 40 anos), quando elaborou a tese do fetichismo da mercadoria, condenando-a como o vírus causal e célula mater da degeneração de todo o organismo social. 

Nesta última fase ele formulou conceitos que contrariavam a visão comum sobre sua obra, a ponto de afirmar que, ele próprio, não era marxista...       

Tratou-se de um aprendizado que só alguém com o brilho de sua inteligência e a firmeza do seu compromisso com a emancipação humana poderia empreender, em meio a enormes sacrifícios pessoais (perseguição política e pobreza). Como resultado, lançou as bases e prognósticos que continuam nos orientando quase 160 anos depois. 

Karl Marx, tantas vezes considerado morto pelos economistas burgueses (como Delfim Neto e inúmeros outros ao longo da História) e ignorado pelos marxistas tradicionais no que se refere à sua crítica da economia política, ressurge agora mais vivo de que nunca, para incômodo dos que não querem sepultar as categorias capitalistas em fase de decomposição orgânica.     

Mas, no momento em que explode a insatisfação popular nas suas mais variadas formas (seja pela barbárie fratricida ou pelos protestos das ruas ávidas pela volta do Estado do bem-estar social perdido), sem um norte referencial emancipatório, evidencia-se claramente a urgência da discussão sobre que tipo de sociedade nós queremos: 
  • se devemos continuar ansiando pela volta a um passado que sempre foi ruim (embora melhor do que o presente) e que não retornará jamais, ou caminharmos para o futuro luminoso da emancipação humana;
  • se devemos insistir num modo de produção que provoca o ecocídio e a possibilidade de extermínio da humanidade por artefatos nucleares, ou construirmos uma sociedade fraterna e solidária, na qual possamos alcançar a abundância material e evoluirmos no sentido da superação dos inevitáveis problemas existenciais. 
O QUE SIGNIFICA NEGAR O CAPITALISMO 
.
O capitalismo é um modo de produção social escravista que de tão contraditório na sua essência constitutiva, terminará por tragar-nos a todos na sua autofagia. 

Aí se incluem até os beneficiários do dito cujo, que são os administradores da sua lógica; os capitalistas também acabarão por ser atingidos pela barbárie social (assaltos, homicídios, insegurança patrimonial e jurídica), pela crise ecológica ou explosão radiativa.   

O itinerário da história social da humanidade pode ser dividido em três fases: 
  1. a das sociedades primitivas comunais, que apesar da sua quase completa ignorância sobre os saberes adquiridos posteriormente pela humanidade, guardavam um sentido de gregariedade e solidariedade que lhes permitia um convívio fraterno entre seus membros, ainda que guerreassem com outras comunidades por territórios dos quais extraiam o seu sustento (mas sem nunca escravizarem seus semelhantes);
  2. a da troca quantificada (o escambo), gênese do conceito da forma-valor e dos seus derivados primários (dinheiro e mercadorias), e da escravização pela guerra ou por dívidas, bem como por estatutos jurídicos teocrático-militares ou democráticos (entenda-se como democracia o governo dos demos, uma casta social privilegiada na Grécia antiga), que evoluiu por cerca de 2.500 anos, até o fim do feudalismo;
  3. a do capitalismo e suas revoluções industriais e ordenamentos jurídico-institucionais condizentes com os seus interesses (o iluminismo republicano), bem como suas experiências estatizantes, que se caracterizam pelo escravismo indireto, no qual todos são livres para a submissão à coerção impositiva (leia-se chantagem social) do trabalho assalariado. 
Como previu Marx, chegamos ao esgotamento de um modelo que se exaure por suas próprias contradições lógicas, e no qual se elimina a galinha dos ovos de ouro: o trabalho abstrato, que é a fonte e o mecanismo da escravização indireta, proporcionado pelo uso preponderante da tecnologia aplicada à produção de mercadorias. 

Com isto, todos os construtos imanentes à forma valor (dinheiro, mercadoria, mercado, trabalho abstrato, estado, política, partidos políticos, socialismo, democracia, etc.) têm de ser superados, sob pena de nos mantermos na mesmice e sob o mesmo jugo de sempre. 
  
Ora, se quisermos superar o capitalismo temos que negar as suas categorias fundantes, e não clamarmos pelo atendimento de reivindicações que se constituem como afirmação do capitalismo decadente, e que, obviamente, não serão atendidas na sua integralidade por absoluta incapacidade financeira. 

Tais reivindicações podem servir para pressionarmos os capitalistas e seus representantes políticos estatais, acumulando forças para os embates maiores. Mas, se estiverem desacompanhadas de uma consciência clara sobre onde queremos chegar, acarretarão um eterno retorno ao ponto de partida (como no mito de Sísifo) e se constituirão num engodo perante a população carente. Este tem sido o grande problema da esquerda dita anticapitalista, que, sem o saber ou mesmo sabendo, elabora postulações ilusórias do ponto de vista da emancipação humana, e termina por cair no descrédito. 
     
Reivindicar melhores salários e mais empregos significa pedir mais exploração capitalista.

Reivindicar partidos políticos engajados verdadeiramente na luta do povo significa pedir mais Estado, que sempre foi e será a expressão do poder opressor.

Reivindicar mais verbas para as escolas significa pedir mais Estado, mais impostos e uma educação alienante no seu conteúdo curricular;

Reivindicar regulamentação do sistema financeiro e fim dos abusos e manipulações de Wall Street significa ignorar a natureza das relações do sistema financeiro e sua (des)função social.

Reivindicar a presença da polícia e do Estado como forma de solução para a guerra urbana instalada significa fortalecer a lógica do capital e sua força de opressão e de coerção estatal. 

Diante de tudo isso, cabe-nos conciliar os instrumentos de pressão que denunciam a debacle e insubsistência material e moral capitalistas, ao mesmo tempo em que se canalizem as insatisfações para a verdadeira emancipação popular. Esta é a tarefa mais difícil e, ao mesmo tempo, a mais imprescindível. (por Dalton Rosado)

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails