quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

A VELHA ÁRVORE E O VELHO HOMEM

"A tragédia da vida é que ficamos velhos cedo demais. E sábios, tarde demais"
(Benjamim Franklin)
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De repente o carro estacionou no engarrafamento do trânsito e ali estava ele olhando para aquela árvore. Uma árvore retorcida no seu tronco enrugado, mas ainda frondosa, mesmo com aquele aspecto de quem já estava na idade madura, ou até passando dela. 

O velho teve a estranha sensação de que ela o olhava como alguém da mesma idade pedindo algum tipo de carinho; e se perguntou como poderia ser aquela vida vegetal inerte, apesar dos galhos que balançavam ligeiramente ao vento, indefesa, mas com a vantagem de se nutrir do solo, sem ter de brigar por uma mísera aposentadoria cada vez menor, sob a ameaça de colapso de um sistema previdenciário cada vez mais imprevidente. 

Será que ela sentiria a aflição de não poder se defender diante da possível agressão de uma moto-serra, ou da possibilidade de sofrer o choque violento de um carro desgovernado, ou mesmo de uma tempestade com ventos fortes? 

Aquela era uma árvore urbana e, por isto mesmo, isolada, longe da companhia de outras árvores que. habitando as florestas, ficam menos expostas (pelo menos enquanto não há desmatamento predatório). Sentirá falta de companhia? Sentirá saudade, palavra cara ao idioma português e que expressa tão bem o sentimento de ausência daquilo que se quer ter por perto e não se tem?

Será que, ao contrário da possível angústia de sua inércia e solidão, ela compartilha a alegria dos pássaros que, em todos os fins de tarde e começo das manhãs, a ela se juntam numa algazarra de felicidade, comemorando a liberdade? 

A primeira impressão do velho é que, tal como todos os seres da vida animal, aquele ser vegetal tinha consciência da sua efemeridade e finitude;
– que parecia agradecer à natureza por ter crescido e chegado à velhice; e
– que, como uma pessoa velha e satisfeita com a sua própria história, não tinha medo da morte. 

Encarava-a com serenidade, porque os momentos de turbulência, quando ainda era frágil e temia ser arrancada da vida com facilidade, prematuramente e sem vivê-la e compreendê-la na sua plenitude, agora já eram coisa do passado. 

As suas raízes e tronco, de tão bem fincados na terra, já não podiam ser arrancados por qualquer atitude inconsequente (para arrancá-la teria de haver um ato de força, como uma violenta tempestade tropical destes tempos de aquecimento global que muda o clima!), embora tivesse também a consciência da fragilidade decorrente do processo de falência e decomposição orgânica própria do inevitável ciclo de nascimento, vida e morte. 

O velho compreendeu que esse era e é o interminável ciclo da vida: começamos frágeis, ficamos fortes, e depois voltamos a ser frágeis. Voltamos a ser filhos dos nossos filhos, daqueles mesmos filhos que um dia carregamos pelas nossas mãos fortes, e dos quais agora somos dependentes para coisas elementares como subir uma escada mais íngreme ou pular uma pequena poça d’água. E isto quando os temos, e quando os temos solidários.
Será que a maturidade tem o dom de nos aguçar a sensibilidade? É o que o velho perguntou a si mesmo diante da velha árvore.

Será que tem a capacidade de nos fazer ver as coisas a partir de um olhar sentimental que busca o verdadeiro sentido de tudo?

Será que agora, ao final, podemos ver as coisas com um olhar mais profundo, captando todos os detalhes e nuances pelos quais a pressa da juventude nos fazia passarmos batidos? 

Será que a maturidade nos fornece o dom de compreendermos nossa imensa responsabilidade, de sermos pais de todos os filhos da humanidade, para que possamos nos habilitar a sermos os filhos de todos os filhos dessa mesma humanidade?

Será que poderemos incluir, agora e sempre, à nossa própria vida, todos os seres humanos e todas as árvores, num conceito de perpetuação e proteção da espécie e da vida comum aos animais racionais, irracionais e aos vegetais? 

Afinal, não é isto o que representa o sentido de solidariedade e a emancipação humana?
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(por Dalton Rosado)

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