sábado, 18 de fevereiro de 2017

A ÉPOCA DE OURO DA MPB (3ª parte)

MATANDO A GALINHA DOS OVOS DE OURO
(continuação deste post)
sucesso de O Fino fez brotarem os concorrentes, paradoxalmente quase todos também da TV Record;  a exceção ficou por conta de Ensaio Geral, da TV Excelsior, com Gil, Bethânia, Marília Medalha e outros, que durou uns quatro meses, no início de 1967.

A emissora do Aeroporto, mais ambiciosa, diversificou sua linha de produtos a ponto de, praticamente, apresentar um show a cada dia da semana: 
  • Bossaudade, que reunia a  velha guarda, sob o comando de Elizeth Cardoso;
  • Elza Soares e Germano Mathias (samba do morro e do asfalto);
  • Pra ver a banda passar, com Chico Buarque e Nara Leão;
  • Show em Si-monal (com os expoentes da chamada  pilantragem; e
  • Disparada, com Geraldo Vandré.
Edu Lobo: premiado  por um tema que criou para o cinema.
O resultado foi o enfraquecimento d' O Fino, privado de várias atrações, sem que os outros programas decolassem.

Na última fase, O Fino ainda tentou sobreviver numa linha mais descontraída, com Juca Chaves, humoristas, conjuntos regionais e outras fórmulas desencontradas que os novos produtores, Miéle e Bôscoli, testaram. A audiência continuou despencando.

De certa forma, era o fim da fase ecumênica da MPB. Os artistas de classe média, em conjunto, ocuparam o espaço que se lhes ofereceu no mercado e expandiram-no ao máximo. Os objetivos comuns terminaram aí.

Seguir-se-ia uma diversificação de propostas e interesses, inicialmente polarizada no confronto entre engajados  e tropicalistas, depois explodindo em dezenas de grupelhos com identidades precárias.

Enquanto os teóricos, como Gil, formulavam explicações confusas, colocando a culpa no colonialismo cultural, falta de novas músicas, má divulgação, exclusivismo dos cantores (que faziam questão de ser os únicos a gravar cada canção) e crise de intérpretes, a intempestiva Elis Regina encontrou logo seu bode expiatório para as desgraças d'O Fino: a Jovem Guarda.
Gilberto Gil e sua canção convencional + Mutantes + guitarras

Então, no Show do Dia 7 do mês de junho, deitou falação contra o programa de RC.

Na sequência (e como provável consequência), a direção da Record resolveu extinguir O Fino, alegando "dados do Ibope que acusaram queda de audiência", como explicou na nota distribuída à imprensa.

O último programa, gravado no dia 19, foi ao ar em 21 de junho (25 meses após a estréia). Os convidados foram Vandré, Gil, Jair Rodrigues, Trio Maraiá, Quarteto Novo e Maria Odette.

O Teatro Paramount (recém-alugado pela Record) ficou lotado e uma multidão permaneceu na calçada da av. Brigadeiro Luiz Antônio, sem conseguir entrar.

Colheram-se assinaturas em protesto contra sua extinção.

Elis Regina encerrou com um comovente "sem ter vocês, sem ver vocês, eu não sou ninguém".

Durante dois meses, a Record ainda levou ao ar um programa na mesma linha, só que comandado a cada semana por apresentadores diferentes.
Chico Buarque logo entraria mesmo numa roda-viva...
Revezavam-se nessa função Elis Regina/Jair Rodrigues, Geraldo Vandré, Chico Buarque/Nara Leão e Gilberto Gil.

Havia quatro equipes de produção, para darem conta de quatro propostas distintas, respectivamente calcadas nos finados O FinoDisparadaPra ver a banda passar e Ensaio Geral.

Inicialmente Noite da Música Popular Brasileira, passou depois a intitular-se Frente Única da Música Popular Brasileira.

Trocou de dia (da 2ª para a 3ª feira) e de horário (das 20h para as 21h30), sem que nada alterasse a tendência decrescente na pontuação do Ibope.

Enfim, após um desentendimento público entre Paulinho Machado de Carvalho e Vandré (que acusava a Record de não investir suficientemente na MPB e de censurar seu programa), a Frente Única se desfez discretamente em setembro.

Caminhando contra o vento, sob muitas vaias – O 3º Festival da Música Popular Brasileira se iniciou em setembro de 1967, quando ninguém adivinhava que nos recônditos daquela pasmaceira que dominava as ruas e só era sacudida nas manifestações artísticas estava sendo incubado o grande ano da contestação no Brasil (e no mundo). 

Eis o documentário com todas as finalistas do Festival da Record de 67...

Era a calmaria que antecede as tempestades.

O certame da Record foi marcado por um dos episódios mais deprimentes de toda a história dos festivais: o público pespegou monumental vaia numa composição que abordava com muita propriedade o fenômeno futebol.

Sérgio Ricardo, compositor idealista e talentoso, autor de clássicos como "Zelão" e "Esse mundo é meu", além de haver dado magnífica contribuição musical para duas obras-primas de Glauber Rocha (Deus e o diabo na terra do sol e Terra em transe), cansou de tentar interpretar sua "Beto bom de bola". Que não era nem de longe alienada, tratando-se, isto sim, de uma veemente denúncia da engrenagem esportiva que tritura ingênuos como Garrincha.

Afinal, o artista explodiu: "Vocês são uns animais!". E, arrebentando seu violão, atirou-o contra os espectadores. [A manchete jocosa de um jornal sensacionalista foi "Violada no palco"...]

...menos uma, a do Vandré, cujo sumiço foi pra lá de suspeito!
.
O festival da Record de 1967 trouxe à tona, ainda, uma aguda cisão no front da música popular:
  • de um lado os defensores dos ritmos genuinamente brasileiros e das canções engajadas às lutas sociais; e
  • do outro, os adeptos do  som universal, da liberdade temática e das experiências formais.
Em teoria, a posição dos tropicalistas era inatacável: as raízes culturais só se mantêm vivas e puras em comunidades fechadas, não no Brasil de 1967, com sua economia integrada ao bloco ocidental e as informações chegando de todos os lados.

Na prática, entretanto, a contestação ao autoritarismo das lideranças políticas foi, para muitos, um pretexto conveniente para delas se afastarem, servindo-lhes, portanto, como justificativa de sua omissão num período crítico da vida brasileira.
Músicos protestando contra as guitarras elétricas dos colegas

A derrota, sabemos hoje, custou-nos seis anos de trevas absolutas. Mas, seria um exagero imputá-la apenas aos jovens que se desgarraram do rebanho ao verem o lobo se aproximando...


O próprio tropicalismo foi, por sinal, contraditório, ora pregando a revolta jovem ("É proibido proibir") e fazendo a apologia da guerrilha ("Soy loco por ti, América", "Questão de Ordem"), ora se embasbacando com as vitrines e outros signos da sociedade de consumo.

Em tempos normais, seria uma mistura de Semana de 1922 com psicodelismo à Beatles.

Em meio ao transe brasileiro, assumiu posturas às vezes mais radicais que  a daqueles (os puros) que faziam passeatas contra as guitarras elétricas.

E, no final, acabaram todos vítimas dos mesmos algozes, frequentando as mesmas prisões e amargando o mesmo exílio.
Caetano Veloso foi quem trouxe a canção mais inovadora
A canção-manifesto do tropicalismo foi "Alegria, alegria", de Caetano, que ele interpretou acompanhado pelos Beat Boys, conjunto de iê-iê-iê cujos integrantes ostentavam enormes e desgrenhadas cabeleiras.

[Um deles era o guitarrista e cantor Tony Osanah, que parecia não saber exatamente em qual América se encontravam suas raíces, daí seguir pulando de galho em galho...]

Flagra o estado de perplexidade resultante do bombardeio de informações, contrapondo-lhe o descompromisso de caminhar "contra o vento, sem lenço, sem documento". Ficou em 4º lugar.

"Domingo no Parque" é uma música descritiva, propondo imagens cinematográficas e nada mais. Gil, aliás, já fizera coisa semelhante em "Água de Meninos". O que ela teve de tropicalista foram as guitarras elétricas dos Mutantes.

Numa total inversão de valores, o júri atribuiu-lhe a 2ª colocação, à frente da incomparavelmente superior "Alegria, alegria".

A vitória coube a "Ponteio", de Edu Lobo e Capinam, um dos temas da trilha musical do filme A Vida Provisória, de Maurício Gomes Leite.
"Água de Meninos": quase um rascunho da "Domingo no Parque".
.
Metafórica (a viola a cujo ponteio os versos aludem é a metralhadora guerrilheira), correta, com ótimo arranjo e as presenças simpáticas de Edu Lobo e Marília Medalha, foi a solução encontrada para não se premiar a sensação tropicalista; em termos criativos, não avançou um milímetro em relação ao que já se fazia.

Em 3º lugar, Chico Buarque com "Roda Viva", composta para a peça homônima (aquela cuja encenação foi vandalizada por uma horda do CCC) e defendida pelo autor com o MPB-4.

No 5º, a xaroposa "Maria, carnaval e cinzas", de Luís Carlos Paraná, por Roberto Carlos e O Grupo.

Como melhor letra, prêmio merecidíssimo para "A Estrada e o Violeiro", do precocemente falecido Sidney Muller.

Finalmente, é muito estranho que este seja o festival do qual se conservaram mais e melhores gravações, com a única exceção de "Ventania", de Geraldo Vandré, cujo sumiço pode ter sido imposição dos militares, mas também uma mera pirraça dos mandachuvas da TV Record (vide aqui).
A fútil "Margarida". Melhor do que "Travessia"? Jamais!

O ano teve ainda o 2º Festival Internacional da Canção, em outubro. 

Era um certame que teimava em não esquentar. Mas, quando isto finalmente ocorreu, o calor gerado seria suficiente para incandescer toda uma cidade – que era maravilhosa, mas estava raivosa com os excessos bestiais da ditadura – e devorar em suas chamas um dos maiores talentos da música brasileira em todos os tempos (mas, esta história contaremos depois).

Em 1967, valeu apenas pela revelação de Milton Nascimento, que classificou e defendeu "Travessia" (dele e Fernando Brant, 2ª colocada), "Morro velho" (7ª) e "Maria, minha fé",

A vencedora foi a pueril "Margarida", de Gutemberg Guarabyra, por ele e o Grupo Manifesto.

Em 3º, a xaroposa "Carolina", de Chico Buarque, por Cynara e Cybele.
O 2º FIC injustiçou esta obra-prima de Milton Nascimento
(continua neste post)

Um comentário:

João Luiz Pereira Tavares disse...

Bom...
Um comentário à parte. Sobre o Brasil:

Há, por outro lado, o estilo PT (e de seus satélites, como o PCdoB). O jeito petista de ser. Eis:

A Cultura é tão importante quanto a "vida material" do dia-a-dia. Pois está vinculada à Educação e ao "gôsto"...

"Os Comitês petistas & a Rede Globo:
sedes de cultura do mesmo estilo."

Tudo a ver com a truculência do Petismo [e seus satélites como o PCdoB], somado com toda a breguice do PT.

Falo é de uma contradição. O GÔSTO da Globo é o GÔSTO do PT, são iguais. Semelhantes.

A Globo é o PT. O PT é a GLOBO (gôsto e estilo).

O PT odeia a Globo. Mas são um a cara do outro.


O problema é que sempre vai sobrar os COMITÊS PETISTAS, com sua doutrinação cultural tão decadente e bregaça como a Globo.


O PT detesta o elitismo (Shakespeare, Truffaut, Beethoven, Machado de Assis, Villa-Lobos, Bach).


O PT é a Globo. A Globo é o PT. Estilo Globo.

Gostam é de cancioneiro. De Chico Buarque. Musiquinha. Jamais Buxtehude.


Pixação (em Sampa, petistas afirmam que é ""arte"". rsss), funk, oba-oba, Anitta [abriu a OLIMPÍADA] etc., cinema estilo a cineasta petista Anna MUYLAERT com filminho brega. Enormemente brega.

Procure OUVIR música INSTRUMENTAL.

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