domingo, 1 de janeiro de 2017

PROTECIONISMO DE TRUMP VAI ACELERAR O DECLÍNIO DO IMPÉRIO AMERICANO?

"O domínio do capital é o pressuposto da livre concorrência,
exatamente como o despotismo dos césares era o 
pressuposto do livre direito privado 
romano" (Karl Marx) 
O regime concorrencial de livre mercado atingiu o seu nível máximo com a globalização. 

O capital, tal qual a água face à lei da gravidade, procura acomodação em áreas possíveis. Assim, o regime de concorrência obriga os produtores que necessitam de reprodução aumentada do capital a reduzirem seus custos de produção como forma de sobrevivência, migrando para lugares onde isto seja possível.  

Podemos concluir, portanto, que a concorrência mundial de mercado corresponde a um estágio superior da guerra canibalesca que os capitais travam com outros capitais, em busca da hegemonia.  

O discurso protecionista de Donald Trump contra a economia chinesa contradiz esta lei da concorrência de mercado. A dúvida é se o dito cujo não passava de retórica eleitoral ou é para valer. 

Qualquer das duas posições político-administrativas, protecionista ou não, vai enfrentar muitas dificuldades.

Caso Trump crie barreiras alfandegárias para a entrada dos produtos chineses, a produção mercantil estadunidense, com seus elevados custos, ficará fora da realidade da concorrência de mercado mundial; isto fará crescer de tal forma o contrabando de mercadorias que os EUA entrarão numa guerra fiscal de fazer inveja à dos tempos da lei seca (1920/1933). 

Confirmadas as medidas protecionistas, elas simplesmente provocarão a falência do sistema financeiro, pois vão acarretar a inadimplência da monstruosa dívida privada chinesa (254% do PIB daquele país), atingindo em cheio as instituições bancárias estadunidenses. Tudo está catastroficamente interligado.     

Por outro lado, se Trump mantiver a política de déficit comercial graças ao sistema de compra de mercadorias chinesas e de outros países com moeda podre (o dólar dos EUA), mais cedo ou mais tarde evidenciar-se-á a insustentabilidade de tal procedimento.

É que, em economia, tudo tem um efeito colateral irracionalmente ignorado, pois, como dizia Adam Smith, “o homem tem uma tendência universal de colher o que não plantou”. A riqueza estadunidense é falsa na dimensão de poder que imaginamos, pois, ainda que se trate do maior produtor de grãos do planeta e do maior parque industrial mundial, a economia dos EUA sobrevive à custa de artifícios financeiros facultados por sua condição de emissor de moeda mundial.   
O atual estágio mundial do livre comércio, a globalização da economia, representa o último momento do desenvolvimento do capitalismo. 

Atingido tal estágio, o capital, que vive uma disputa entre detentores de capitais pela hegemonia (daí as intermináveis guerras que sempre têm um interesse econômico não declarado), começa um processo de canibalismo no qual ele passa a sofrer do que chamo de síndrome de tucunaré. Aprofundarei este aspecto no tópico final. 

 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA x 
ADMINISTRAÇÃO EMPRESARIAL PRIVADA

Quando se administram as finanças públicas, ainda que elas existam para dar sustentação à dinâmica e desenvolvimento do capital, os parâmetros de governabilidade são substancialmente diferentes da administração empresarial privada. A primeira tem uma dimensão populacional abrangente (mormente num país que se constitui na meca do capitalismo), ao passo que na segunda os objetivos são circunscritos ao lucro empresarial localizado, sem qualquer preocupação com os efeitos colaterais das suas ações.

A capitalista investe em capital fixo que dispensa capital variável para aumentar o lucro, ainda que isto represente um decréscimo da massa global de valor. O administrador público tem de se virar nos trinta para manter as aparências diante da ingovernabilidade estatal atual, resultante da incompatibilidade entre os custos das demandas sociais e a arrecadação fiscal minguante. Este é um exemplo fácil de entender sobre as diferenças da administração pública e privada.                        

Vivemos o estágio da livre concorrência e das suas leis inflexíveis de mercado.

Segundo Marx, “tão logo o capital começa a sentir a si próprio como obstáculo ao desenvolvimento e a tomar consciência disso, ele busca refúgio em formas que, parecendo aperfeiçoar o domínio do capital pela contenção da livre concorrência, são ao mesmo tempo os prenúncios da sua dissolução e da dissolução do modo de produção baseado nele”. Nada mais adequado como contestação ao discurso eleitoral de Donald Trump do que esta conclusão marxiana. 

Atingido o estágio da globalização sob a lógica do capital, estabelecem-se pela primeira vez as suas leis contraditórias.

Donald Trump, pessoalmente, ignora tais leis do capital, e não está interessado em ouvir os seus assessores capacitados que as conhecem. Afinal, como administrador privado empresarial (além de dublê de apresentador de TV), ele é escravo do paradigma sob o qual se tornou bilionário. 

Mas o mundo não é uma empresa capitalista, nem um reality show ou concurso de misses na tevê. A administração pública é algo muito mais complexo, pois mexe com a vida de milhões de pessoas que acham equivocadamente que o Estado seja uma esfera social isonômica e defensora da cidadania (esta última tida, também de forma equivocada, como um direito civil a ser preservado). 

As impossíveis soluções substanciosas dos problemas sociais no atual estágio do sistema produtor de mercadorias em fase de livre concorrência de mercado são incompatíveis com os arroubos sectários conservadores de um Donald Trump. Cedo os seus eleitores constatarão a farsa do discurso salvador da pátria.   

É esperar pra ver. 
A SÍNDROME DE TUCUNARÉ

O tucunaré é um peixe de água doce que tem um apetite voraz. Quando introduzido em açude cresce com mais rapidez do que outras espécies, acabando por devorá-las a todas; por último, come os alevinos da própria espécie. Assim, necessita de cada vez mais alimentos para continuar crescendo e, na falta destes, entra em colapso existencial.   

Havia na minha cidade do interior o Raimundo Farmacêutico, que durante décadas tirou de sua farmácia o próprio sustento e o de seus familiares . Lá se comprava fiado sem maiores problemas de modo que nenhum morador mais conhecido deixava de se medicar com a urgência devida por falta de dinheiro no momento da necessidade. 

Hoje tal farmácia não existe mais, substituída pela filial de uma grande rede farmacêutica espalhada pelo Brasil inteiro. Mas, a coisa não ficou por aí. 

Perguntei pelo dono da loja de calçados A majestosa e me disseram que há muito o estabelecimento tinha fechado. Mas, sapatos continuavam sendo vendidos... por filiais de uma grande rede nacional, instaladas num shopping recém-inaugurado. 

Meio saudoso, resolvi tomar uma cerveja gelada e o garçom me perguntou se eu preferia da Brahma ou da Antártica, não sem antes me explicar que agora eram do mesmo fabricante [a Ambev], pois ambas se fundiram [em 1999] numa só.   

Foi aí que eu me lembrei do canibalismo do tucunaré: assim como este peixe que somente cresce ao custo da morte dos outros, o capitalismo também se autodestruirá numa autofagia existencial. 

Hoje, somente as lojas de serviços (lanchonetes, padarias, cabeleireiros, chaveiros, gráficas rápidas, etc.) escapam das garras dos grandes monopólios, com o comércio individual se restringindo a uns poucos negócios autônomos. 

E, ao mesmo tempo em diminuem os pequenos comerciantes, fazendeiros e industriais em razão da concentração de capitais gerada pela concorrência de mercado, decresce também a massa global de lucros, de valor e de mais-valia, opondo uma barreira intransponível à expansão capitalista. 

A tecnologia aplicada à produção provoca o desemprego estrutural, e o nível de emprego decresce mundialmente (atualmente, cai inclusive nos países recentemente chamados de emergentes, como China e Brasil, que pagam baixos salários). 

Tudo somado, provoca a crise da economia (real e financeira) e, por decorrência, a crise da política e do Estado, esferas de regulamentação que lhe são dependentes e imanentes.

O capitalismo sofre da síndrome do tucunaré(por Dalton Rosado)
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Aproveitando o embalo, assista aqui ao filme famoso de Denys Arcand.

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