quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

APOLLO NATALI: "VIDA, PAIXÃO E AGONIA DOS JORNAIS IMPRESSOS"

Há muito se profetiza o fim dos jornais impressos. 

Um apressadinho trombeteou que, nos Estados Unidos, eles baixariam à sepultura em 2017. Bem, o ano começou e eles continuam lá, só que nem firmes nem fortes: Wall Street Journal, New York Times, The Boston Globe, os mais prestigiosos e influentes veículos da terra do Cidadão Kane sofrem contínuas quedas na tiragem. 

Foi no final da década passada que Francis Gurry, então cabeça da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, lançou a previsão furada do parágrafo acima. E também esta: “Os jornais no formato como os conhecemos hoje, vão desaparecer até 2040. Até essa data, todos os países do mundo devem fazer a transição do papel para o meio digital”. Gurry dizia que os sinais da mudança já se vislumbravam, como no fato de que as vendas de versões digitais de jornais superavam as registradas em bancas.

Outro necrólogo dos jornais, Philip Meyer, professor da Universidade da Carolina do Norte, em seu livro The Vanishing Newspaper,  concedeu uns bons aninhos a mais para os jornais em papel nos EUA, antes de expirarem inapelavelmente.

Segundo ele, de todos os meios antigos, são os jornais impressos os que mais espaço vêm perdendo para a internet, daí terem um encontro marcado com a morte no primeiro trimestre de 2043, “quando o último leitor estiver cansado e colocar de lado a última edição amarrotada”.

Chutes de datas à parte, a tendência é inequívoca. Tanto que, no último mês de março, The Independent se tornou o primeiro jornal britânico a ser publicado apenas em versão digital.

Na ocasião, El País, o jornal mais global em língua espanhola, anunciou que também preparava a transição para se tornar um veículo estritamente digital (o que não ocorreu até agora). E grandes jornais do mundo inteiro priorizavam em seus investimentos as melhoras nas edições digitais, sinal inequívoco de que não veem futuro nas edições impressas. 

Até porque o modelo de negócios dos ditos cujos está implodindo, à medida que os leitores jovens vão atrás de notícias nos tabloides gratuitos e na mídia eletrônica. A internet, com sua vastidão, energia e imediatismo, deixa pra trás, ofegantes, os sonolentos dinossauros de papel.

"ABAIXO A DITABRANDA!"

No Brasil, à parte jornais influentes assassinados pela ditadura militar implantada em 1964, como o sólido Correio da Manhã, a mortandade impressa por motivos naturais já chegou. 
Assim morre um jornal

Um dos outrora mais importantes do país, o Jornal do Brasil, antes de estrebuchar de uma vez por todas promoveu, inutilmente, uma radical reforma gráfica, que trouxe como grande novidade um novo formato, o berliner (veja mais sobre isto no antepenúltimo parágrafo).

Seguia receita usada por tradicionais periódicos europeus. Prático de manusear e carregar, mais agradável aos olhos das novas gerações, tal tratamento intensivo ao paciente terminal não deu, contudo, sobrevida nem a jornais bicentenários pelo mundo, que acabaram fechando.

Outro cadáver, o do Jornal da Tarde, do Grupo Estado, em São Paulo, foi sepultado no final de 2012. O motivo do falecimento, segundo seu criador Mino Carta, foi ter perdido a própria razão de ser:
"Toda a imprensa brasileira decaiu, mas a morte do jornal há de ser vista como conseqüência fatal da decadência do jornalismo impresso, cercado por forças novas, encaradas com perplexidade por este velho profissional, incapaz de imaginar o desfecho disso tudo".
Uma das forças novas (por enquanto ainda imperceptível) a cercar o jornalismo impresso e a minar suas forças, não é digital e sim ideológica. O saudoso professor Perseu Abramo avaliou, em Padrões de Manipulação da Grande Imprensa, que o jornalismo precisa se libertar de seu pior inimigo, que é a própria imprensa tal como ela existe hoje. 

O que é um jornal? Um punhado de cidadãos com dinheiro para comprar impressoras e montar infraestrutura de redação e distribuição para publicar o que eles querem que o público leia e não publicar o que eles não querem que o público leia, para o bem de seus próprios interesses econômicos, políticos e ideológicos. Numa palavra, manipulação das consciências. Perfeitamente democrático. Perfeitamente amoral.

Abramo foi além, captando outra tendência que, vampirescamente, drenaria o sangue das jugulares dos jornais: a de que as classes dominadas não mais teriam motivos para acreditar ou confiar na imprensa, em papel ou digital, muito menos para seguir suas orientações:
"Passariam a intensificar sua postura crítica, sua análise de conteúdo e forma, diante dos órgãos de comunicação. Por meio de seus setores mais organizados, contestariam as informações jornalísticas, fariam a comparação militante entre o real acontecido e o irreal comunicado, fariam a denúncia sistemática da manipulação e da distorção. Tomariam como uma de suas principais tarefas de luta a desmistificação organizada da imprensa e das empresas de comunicação". 
Um episódio emblemático neste sentido foi o contundente e abrangente repúdio, nas redes sociais e em manifestação de rua, a um editorial da Folha de S. Paulo que, em fevereiro de 2009, minimizou os horrores do regime militar, afirmando ter havido no Brasil uma mera ditabranda
 
UMA HISTÓRIA DE 2 MILÊNIOS

Enquanto isto, ao redor das tumbas dos jornais finados, ecoam os sussurros da fascinante história da imprensa escrita.
Acta Diurna, a vovó dos jornais
O primeiro jornal de que se tem notícia no mundo foi criado pelo imperador romano Júlio César em 59 a.C., para divulgar suas conquistas militares e informar o povo da expansão do Império, fazendo embutir, como bom marqueteiro que era, muita propaganda pessoal nos relatos.

Tratava-se da chamada Acta Diurna, publicado em grandes placas brancas de papel e madeira, que eram expostas nas principais praças das grandes cidades a fim de que as pessoas lessem de graça. Para escrevê-lo, surgiram os primeiros jornalistas, com a denominação de correspondentes imperais.

O formato, semelhante ao dos outdoors atuais, foi adotado porque a fabricação do papel era muito onerosa utilizando-se a tecnologia então conhecida em Roma (desde 105 a.C. já se fabricava papel a partir de fibras vegetais na China, mas a novidade ainda não havia chegado no Mediterrâneo).

Passamos então pela prensa de Gutenberg, inventada em 1438; e tivemos na Revolução Francesa o maior impulso de um dos mais antigos métodos de impressão, a tipografia, com a publicação de 1.500 títulos na época, duas vezes mais que no século e meio anterior a 1789. 

Inventamos, nestes 578 anos transcorridos desde o surgimento da prensa, velocíssimos, nítidos e econômicos métodos de impressão em superfícies lisas ou não, chamados, entre outros, de off-set, flexografia, rotogravura, litografia, tampografia, xerografia.

Ao chegarmos no ano de 2006, resolvemos diminuir o tamanho do velho jornalão, que ora xingamos de mastodonte. Os primeiros de menor tamanho circularam e ainda circulam pelo mundo e também no Brasil, denominados padrão berliner, imagens e textos curtos pipocando em seu formato de 47 x 37,5 centímetros, um pouco menor do que o tabloide.
Jornal  de Marat, o mais emblemático da Revolução Francesa

Ingressamos na era do plasma, um pedaço de papel eletrônico, espécie de plástico dobrável, para pôr no bolso. Uma tela portátil, denominada e-reader, de 12,2 por 16,3 centímetros. Impresso e alimentado via internet sem fio, a rotatividade das notícias é monitorada via digital. Encostamos a ponta da unha e pronto, temos sempre novas e novas notícias.

Não há jornal impresso que resista ao furacão de avanços tecnológicos a que chegamos neste século 21 e das tempestades eletrônicas que se avizinham. 

E os avanços ideológicos nas classes dominadas, estes igualmente carregam a alça do esquife dos jornais impressos rumo ao cemitério. (por Apollo Natali)

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