domingo, 8 de janeiro de 2017

10 ANOS COMO BLOGUEIRO: FIZ O MELHOR QUE PUDE, MAS FOI INSUFICIENTE PARA EVITAR A ATUAL DERROCADA DA ESQUERDA.

Protesto contra a ditabranda (2009)
Há cerca de 10 anos iniciei minha trajetória de blogueiro. Antes, postava textos no Orkut e os espalhava por e-mails. Havia portais, sites e blogues que publicavam um ou outro amiúde; O Rebate, do guerreiro José Milbs, foi o primeiro a me receber como colaborador fixo.

E foi do Milbs a ideia de criar blogues para os colaboradores, no qual ficavam armazenados os textos que seu jornal eletrônico publicara daquele autor específico.

O meu completará 10 anos no próximo sábado (*). Escolhi como textos inaugurais, contudo, os melhores que eu divulgara n'O Rebate durante o ano anterior, fazendo uma espécie de recapitulação do passado recente, antes de entrar na nova rotina. 

O primeiro, que está reproduzido após esta introdução, foi um firme posicionamento com relação ao Partido dos Trabalhadores, que eu divulgara dez meses antes. 

Não me recordo o que me movera a escrevê-lo em março de 2006, mas foi uma opção apropriada para abrir a nova fase: já naquele tempo o que havia de mais importante para a esquerda avaliar (e contra o qual reagir) era a presença no poder de um PT domesticado e apodrecido, que acarretaria enorme descrédito e desmoralização para todos os lutadores por uma sociedade mais justa. 

Sem falsa modéstia, considero até profético este meu alerta, pois o pesadelo que eu temia e tanto me esforçava para evitar acabou se tornando mesmo realidade, da pior maneira possível, no segundo mandato de Dilma Rousseff.
Debate numa noite de autógrafos de livro do Cesare
Depois, em julho de 2008, divulguei o meu primeiro texto em defesa de Cesare Battisti, ao qual se seguiriam centenas de outros. Assim que o Conare recusou seu pedido de extradição e o quadro se tornou muito perigoso para o Cesare, passei a encarar o papel que eu desempenhava, de principal porta-voz informal do Comitê de Solidariedade, como minha prioridade máxima.

Aí, tomei uma decisão que muitos criticaram, mas do qual não me arrependo: passei a pegar leve com o PT até o caso ficar totalmente decidido, em junho de 2011, com uma vitória histórica dos defensores brasileiros dos direitos humanos e da solidariedade revolucionária: depois de nosso país ter vergonhosamente entregado Olga Benário para morrer nas garras dos nazistas, era fundamental conseguirmos escrever uma história diferente, resistindo à fortíssima pressão italiana e de nossa imprensa canalha para oferecer a cabeça de Battisti numa bandeja a Silvio Berlusconi.

Evidentemente, repugnava-me ver o PT cada vez mais limitado a gerenciar o capitalismo para os capitalistas e recorrendo a práticas imorais sob o pretexto de que seriam necessárias à governabilidade do País, tendo, contudo, de sufocar minha indignação. Mas, refleti que a onda era forte demais para eu detê-la sozinho, ao passo que poderia fazer a diferença no Caso Battisti, por ter travado e me saído bem em algumas batalhas de opinião semelhantes (embora nenhuma tão grande).
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Foi uma mobilização inesquecível. Era uma vitória tida como impossível.
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Consolo-me também com a certeza de nunca haver feito uma média explícita com o PT: jamais elogiei aquilo de que discordava, apenas deixei, estrategicamente, de abordar certos assuntos. A postura dos escribas de aluguel da rede chapa branca era infinitamente pior, capazes até de levantar a bola dos Reinaldos Azevedos e Delfins Nettos da vida quando isto convinha aos interesses eleitoeiros do PT (e, mais tarde, às vãs tentativas de salvarem o mandato da Dilma).

Garantida a permanência do Cesare no Brasil e, portanto, novamente com as mãos livres, decidi que seria incoerente eu passar a fazer críticas sistemáticas à forma de governar do PT, já que, para mim, a salvação do nosso povo nunca esteve na Praça dos Três Poderes, mas sim numa revolução anticapitalista. Então, de que adiantaria ficar combatendo esta ou aquela medida administrativa específica, se a minha real discordância não estava no varejo, mas sim no atacado?
Chance perdida de punirmos os torturadores

Quando, no entanto, se tratava de alguma heresia com relação aos valores mais sagrados dos revolucionários, aí eu nunca me omiti. Casos, p. ex.:
– do não cumprimento, por parte da Dilma, da decisão do Conselho Interamericano de Direitos Humanos sobre o extermínio da guerrilha do Araguaia, tendo ela preferido constituir uma Comissão da Verdade com função principalmente propagandística e que, por conta de graves recuos durante sua atuação, acabaria se revelando, ademais, inócua; 
– de haver vergonhosamente voltado as costas ao Edward Snowden quando este pediu abrigo no Brasil; 
– de ter combatido na eleição de 2014 uma adversária do campo da esquerda apelando para a divulgação massacrante de falácias por meio de um esquema de comunicação nazistoide, algo que seria repulsivo até mesmo se praticado contra inimigos de classes: 
– de haver cometido o estelionato eleitoral mais clamoroso da história política brasileira, rendendo-se incondicionalmente ao neoliberalismo (apesar das solenes promessas de dele proteger o povo brasileiro) tão logo o pleito se encerrou.
Com Dilma, ministro foi indicado pelo dono do Bradesco.
Talvez os meus alertas não tenham servido de grande coisa em termos concretos. Mas, quem se der ao trabalho de relê-los perceberá que, em quase todos os momentos, eu fui um dos poucos a ter uma visão clara do rumo dos acontecimentos e coragem para ir contra a corrente, colocando o dedo na ferida enquanto ainda havia tempo para a esquerda adotar linhas de ação melhores.

[Durante a campanha presidencial de 2014, eu estava certíssimo ao advertir que Dilma incubara uma grave recessão e não estava à altura de administrá-la no olho do furacão; e que melhor seria ela desistir da reeleição, como tanto pediam os adeptos do Volta Lula!. Depois, mal iniciado o novo mandato, lembrei que partidos de esquerda que tentam aplicar políticas econômicas intrinsecamente de direita (como os arrochos fiscais) acabam sempre fracassando e, ainda por cima, destruindo a si próprios.]

Enfim, fiz o melhor que pude mas, por várias razões, o que eu podia era insuficiente (salvo quanto à minha contribuição para o bom desfecho do Caso Battisti, da qual me orgulharei até o fim dos meus dias). 

É o balanço que faço destes 10 anos.

De resto, no clima de efeméride, eis o primeiro artigo que postei como blogueiro. Nem que seja apenas como curiosidade.
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NÃO À POLÍTICA CRAPULOSA!.
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O PT diz que está fazendo a mesma coisa que outros faziam – e está certo. Alega não haver inventado o exercício crapuloso do poder – e está certo.

No entanto, faltou-lhe sensibilidade para perceber que não recebeu um cheque em branco do eleitorado, mas sim um mandato para efetuar as mudanças de que o País carecia, inclusive a de moralizar as práticas políticas.

Em vez disso, sob a batuta do Zé Dirceu, decidiu ser mais eficiente do que seus antecessores na prática da política crapulosa. Levá-la ao perfeccionismo, na vã suposição de que assim se perpetuaria no poder. E, no mau sentido, conseguiu superar até os concorrentes mais fortes, como o Collor e o Maluf.

Da mesma forma que Hitler, o Zé quis construir um reich de mil anos – e colheu o mesmo resultado, deixando uma terra arrasada sob os escombros do seu sonho ensandecido.

O PT também não se deu conta de que não representava somente a si próprio, mas era o coroamento de uma longa e sofrida trajetória da esquerda.

Muitos morreram, muitos foram perseguidos e torturados para que a esquerda chegasse um dia ao poder. O PT simplesmente dilapidou em pouco mais de três anos o capital moral que a esquerda acumulou em duas décadas de resistência à ditadura militar e em todo o processo de redemocratização do País.
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Quem viveu, nunca esqueceu. Hoje só nos resta o desencanto....
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É esse também o erro de enfoque do Lula, que pensa haver sido eleito apenas por seus méritos, não tendo a humildade de reconhecer que foi no símbolo que o povo votou.

Era o humilde metalúrgico que os poderosos tinham de engolir. O sapo barbudo enfiado na goela dos capitalistas. O nordestino que conquistou o Sul-Maravilha.

Em sua ilusão de grandeza, Lula não se deu conta do que representava para seus eleitores. E acabou frustrando miseravelmente as esperanças que despertou.

É por isso que nós, verdadeiros revolucionários, temos hoje de combater o PT e Lula como uma praga. A prioridade maior, neste instante, é evitar que o povo continue vendo isso que está aí (o mar de lama) como o que a esquerda faz quando chega ao poder.

Porque não é verdade. Porque nem todos trocamos nossos ideais por cargos, mensalões, Land Rovers ou garotas de programa. Porque nem todos vendemos a alma aos banqueiros. Porque nem todos estamos dispostos a abandonar a defesa do povo humilhado e ofendido, passando a comprar seus votos com assistencialismo em vez de dar-lhe condições de sobrevivência altaneira. Porque nem todos colocamos nossos interesses mesquinhos à frente de valores muito maiores, criando condições para uma nova Redentora ao ferir de morte as instituições democráticas.

Então, temos a tarefa sagrada de construir uma nova esquerda, para que o povo não continue confundindo a luta por um Brasil melhor com a ganância e ambição de poder que caracterizam a atuação do PT. E defender essa democracia imperfeita, na esperança de que possamos adiante aperfeiçoá-la e tendo bem claro que a alternativa autoritária é muito pior.
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* já este Náufrago da Utopia nasceu em agosto de 2008, quando meus textos começaram a ser boicotados em vários espaços da web, seja pelos obscurantistas da direita, seja por macartistas de esquerda. Reagi lançando um blogue propriamente dito (o inicial era mais um depósito de textos), com postagens diárias, no qual os internautas pudessem encontrar o meu trabalho sem qualquer tipo de restrição ou censura. Em pouco tempo ele se tornou minha principal vitrine.

3 comentários:

Unknown disse...

Acompanho de forma aleatória suas postagens, e por diversas vezes discordei das suas "previsões" sobre o governo Dilma, inclusive sobre os motivos que levariam a sua queda pois como sabemos não foi de fato um motivo causado por ela que que a derrubaram mas sim um golpe com tentataculos, braços e mão que vieram desde o judiciario, imoprensa, e conflitos politicos Porem admito que suas postagens, claro sob sua ótica e percepção da conjutura politica sempre foram coerentes e com embasamento sustentavel.

Parabens. Abraços companheiro.

Anônimo disse...

Parabéns por toda sua luta, Celso. Em época de distorções de informações vindas de tantos lados de acordo com os interesses de determinados grupos, suas análises sempre prezam pela veracidade dos fatos e nos remete a pensar sobre seus desdobramentos.
Quanto ao PT, penso aqui o quanto os caciques do partido não foram simpáticos a ideia do impeachment, afinal, preferível deixar a presidência e insistir neste discurso de golpe fazendo-se de vítima de uma perversa trama da elite, do que ter que por em prática durante um governo petista essa mesmas medidas tomadas por Temer -pois, ao meu ver, era isso que iria acontecer. A sangria da imagem do PT, nesta segunda hipótese, seria muito maior para o partido. E mesmo a patética forma como ocorreu a defesa de Dilma, meio que sugere a vontade implícita de abrir mão da presidência naquele momento. Ou seja, PT e PSDB, no atual contexto político, seguem uma mesma linha de auto-preservação diante do pacote de "malvadezas" que, inevitavelmente, teria que ser colocado em prática. O Pt, abdicando da presidência, enquanto o PSDB, espera apenas o Temer terminar o servicinho sujo para vestir a faixa presidencial. Ambos, porém, assim como o PMDB, com as mãos "sujas de sangue"


Abraços !

Marcelo Roque

celsolungaretti disse...

Marcelo, a Dilma caiu porque desistiu de governar e passou os últimos meses apenas tentando escapar do impeachment, enquanto a recessão se agravava dia após dia. Governo nenhum se mantém numa situação dessas.

Tramas existem o tempo todo. Só vingam quando o alvo da trama, por atos e/ou omissões, concorre para o seu êxito. A Dilma conseguiu ser mais desastrada ainda do que o João Goulart, daí ter caído de uma forma mais vexatória ainda (os tanques desta vez nem precisaram sair à rua).

Um forte abraço!

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