sexta-feira, 7 de outubro de 2016

LINHAS MESTRAS PARA A ESQUERDA PÓS-PT

Lançamento do movimento Mais, no final de julho.
Se ainda havia dúvidas quanto ao fato de o Partido dos Trabalhadores ter-se descredenciado para o papel de força hegemônica da esquerda brasileira, as últimas eleições municipais as dissiparam. A derrota acachapante provou que a narrativa do golpe não convenceu a opinião pública nem levou o eleitorado a absolver o PT. Pelo contrário, a condenação foi inequívoca.

Emblematicamente, um dos agrupamentos que se propõem a ocupar o vazio deixado pelo PT marcou para este sábado (8) encontros municipais que pretende realizar em várias cidades: a Nova Esquerda.

No final de julho, já fora fundado o Mais - Movimento por uma Alternativa Independente e Socialista (vide aqui). Iniciativas semelhantes pipocam pelo País.  

Sentindo-me um pouco como pai dessas crianças, encaro com simpatia todas as tentativas de recolocar a esquerda nos trilhos. 

Foi no terceiro trimestre de 2014 que me dei conta, simultaneamente, da iminência de uma grave crise econômica e do esgotamento do papel positivo do PT, que já não era capaz de formular propostas que empolgassem os explorados, apontando-lhes objetivos e direcionando suas lutas. Em desespero de causa, tentava sobreviver à custa da satanização dos adversários e do mais primário e falacioso alarmismo, já não mais pretendendo ser o melhor partido, mas sim martelando que "os outros são piores".
A Nova Esquerda inicia sua trajetória

Percebi que a decadência do PT era irreversível e que a recessão vindoura criaria um caldo de cultura muito perigoso, pois poderia até propiciar um golpe como o de 1964, mergulhando o país numa nova ditadura.

Hoje admito ter superestimado a força que ainda restava ao partido. 

Conseguiu reeleger Dilma Rousseff na bacia das almas, à custa do pior estelionato eleitoral até hoje cometido num pleito presidencial em nosso país, mas foi praticamente destruído pela insistência em tentar corrigir os erros até então cometidos na condução da política econômica rendendo-se incondicionalmente ao inimigo em 2015. 

Como eu também alertara, caiu na mesma armadilha de João Goulart: governo de esquerda que encampa o receituário econômico da direita acaba não conquistando a confiança do grande capital nem convencendo suas próprias hostes, que passam a alvejá-lo com um desmoralizante fogo amigo. Resultado: bastou um piparote do Congresso para encerrar o segundo mandato de Dilma. Caiu de podre.
O QUE FAZER?

Agora, só nos resta juntarmos os cacos, começando de novo a empurrar a pedra para o topo da montanha.

Após o fiasco no pleito municipal, salta aos olhos que não adianta continuarmos questionando a legalidade do Governo Temer, pois ele já se consolidou.

Nem combatermos furiosamente suas propostas, antes mesmo de implantadas, pois é o outro lado que detém o poder de mídia e nos apresentará como inimigos do Brasil, sabotadores da recuperação do país (a ditadura militar utilizou amplamente tal lengalenga e a maioria da população engoliu a patranha, pelo menos até o milagre econômico começar a fazer água).

Em vez de darmos murros em ponta de faca numa conjuntura que nos é desfavorável, temos mais é de limparmos e reformarmos nossa casa, reagrupando-nos, fazendo rigorosa autocrítica dos erros cometidos, discutindo o que deve ser mudado, atualizando estratégias e táticas, depurando nossas fileiras (quem utilizou a causa para obter benefícios pessoais de forma ilícita não pode nelas permanecer, caso contrário o povo jamais voltará a acreditar em nós), criando novas forças, dando oportunidade à afirmação de outras lideranças, etc.

Não será num passe de mágica que vão surgir movimentos com propostas totalmente satisfatórias e incontroversas, há um caminho a percorrermos até tal estágio ser atingido. Até lá, convém sermos tolerantes com algumas inconsistências e impropriedades, na esperança de que sejam corrigidas adiante (vale, contudo, criticá-las francamente, como fez o Dalton Rosado, pois este é o momento em que tudo deve ser colocado em xeque, questionado e discutido).

Quanto às linhas mestras para nossa atuação neste novo momento das lutas sociais, a minha visão é de que:
  • ruíram as ilusões reformistas, não fazendo mais sentido acreditarmos que o capitalismo possa ser maquilado ou humanizado (ou seja, contentarmo-nos em dele arrancar pequenas concessões, que acabam sendo esvaziadas num momento posterior, como hoje ocorre com a volta da nova classe de remediados à velha pindaíba);
  • ruíram as ilusões eleitorais, não compensando mais coonestarmos uma democracia flagrantemente a serviço da classe dominante mediante nossa participação no Executivo e Legislativo, pois o poder político hoje não passa de um patético fantoche do poder econômico;
  • o foco principal de nossa atuação tem de voltar a ser a sociedade, com empenho total em recuperarmos as ruas, pois a praça que é do povo como o céu e do condor (Castro Alves) não tem nada a ver com a Praça dos Três Poderes;
  • temos de travar de novo as lutas do povo ao lado do povo, pois é assim que acumularemos força para voos maiores, evitando a violência que só dará pretextos para nossa criminalização e deixando sempre claro que todas as vitórias obtidas sob o capitalismo são transitórias e a solução definitiva só virá quando o primado da competição canibalesca e da ganância desenfreada der lugar à livre cooperação dos homens em prol do bem comum.

6 comentários:

Valmir disse...

véi..na boa?? se eu ganhasse um real cada vez que a esquerda resolve se "renovar" e "buscar novos rumos"...tava mais rico que o tio patinhas, só pra usar um personagem que é a cara da esquerda de hoje em dia...

celsolungaretti disse...

A esquerda, pelo menos, tem como se renovar. Já o capitalismo não tem mais escapatória, está condenado e a humanidade vai pagar por seus pecados, se não se livrar dele bem depressa.

Quanto aos tio Patinhas da esquerda, no meu artigo eu deixo claro que devem ser afastados urgentemente das nossas fileiras. A menos que o Moro faça tal serviço por nós.

valcides disse...

celso.tenho pouco conhecimento perto seu. mais voce acha possível um gonverno de esquerda do jeito que voce fala em um pais que tem a impotancia do brasil no mundo os poderosos la de fora aceitariam

celsolungaretti disse...

Valcides,

em circunstâncias normais, não. Mas, a crise capitalista é insolúvel e deverá agravar-se cada vez mais, até conduzir o mundo a uma depressão pior ainda que a da década de 1930; e as alterações climáticas prenunciam catástrofes ecológicas para as próximas décadas.

Graças a tais crises, que poderão inclusive alimentar-se mutuamente, o capitalismo terá seu momento de vulnerabilidade adiante, como teve em 1917 (revolução soviética) e em 1949 (revolução chinesa).

Mas, as "janelas de oportunidades" só são aproveitadas por quem conta com quadros capacitados, que saibam como proceder em momentos caóticos, assumindo a liderança das massas atônitas. Temos de formá-los. É nas lutas diárias que iremos forjando tal vanguarda e acumulando forças, até que possamos alçar voos maiores.

Abs.

SF disse...

Celso,
Sua visão está bem a frente e sua postura construtiva.
Vc é um estrategista nato.
Traça cenários muito verossímeis.
Até assusta essa expertise.
Coincidentemente, um dos maiores furacões de todos os tempos fustiga caribe e e USA.

Valmir disse...

"Agora, só nos resta juntarmos os cacos, começando de novo a empurrar a pedra para o topo da montanha." essa sim é a metáfora perfeita...pq sabemos bem o que acontece com a pedra né????

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