sábado, 3 de setembro de 2016

PEDRO CARDOSO: "UM COICE NA CONSTITUIÇÃO".

De novo, uma manobra do Senado Federal reitera a cultura nacional de aplicar a lei conforme o interesse do momento. Em função dessa maneira fugaz de fazer política, o julgamento do impeachment da presidente Dilma Rousseff foi fragmentado, para lhe tirar o mandato mas preservar seus direitos políticos.

Reserve-se a interpretação da Constituição ao Supremo Tribunal Federal, a quem compete dar a última palavra sobre a validade da fragmentação do julgamento e punição.

No deferimento do pedido de separação do julgamento, o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, considerou o que determinava o regimento interno do Senado. Aliás, os ditos cujos, meras normas instrutivas de procedimentos internos, estão sendo encarados como verdadeiras normas legais e têm acarretado enormes prejuízos e confusão aos julgamentos realizados em todo o País. 

O certo é que a Constituição Federal ficou em segundo plano, quando, na verdade, as normas constitucionais penetram em qualquer ambiente. Costuma-se levar tal distorção ao extremo nas convenções gerais de condomínios, nas quais as decisões são consideradas absolutas, sem obediência a nenhuma regra extramuros.

Mais: a referência jurisprudencial deste impeachment foi definida pelo STF como sendo o do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Caso o entendimento da fragmentação seja mantido, a posição do STF também teria sido obedecida de forma fracionada. Como o próprio Collor lembrou, naquele julgamento nem o ato unilateral da renúncia salvou seus direitos políticos.
Não viemos pra explicar, viemos pra confundir...

Direitos não são dados ou retirados ao bel-prazer de órgãos ou de pessoas. São definidos previamente em normas legais. Fosse o contrário, não haveria necessidade de direito positivado. No caso em questão, a Carta Magna define a perda de mandato e a inabilitação para funções públicas por oito anos. Não se lê nenhuma condicionante “e, se, caso o Senado queira"...

Se não pretendiam tornar a presidenta inabilitada, que não lhe tivessem retirado o mandato. Simples assim. Agora, parece que retornaram ao tempo do poder absoluto dos reinados quando, se quisessem, inabilitava-se alguém; se não quisessem, permaneceria habilitado.

No campo político, a incoerência é que os senadores apregoaram tanto a necessidade de melhorar o modus operandi de fazer política, mas, em cinco minutos, 19 deles – guardem bem os nomes - votaram pela cassação do mandato e depois adocicaram seu gesto com a manutenção dos direitos políticos.

No julgamento dos embargos infringentes relativos a uma das decisões do mensalão, o STF tomou uma decisão para lá de polêmica. Espera-se que não se repita o entendimento do presidente da sessão de julgamento, de que a Constituição Federal não entra onde a porta estiver fechada.

As feridas deste coice na Carta Magna precisam ser curadas rapidamente, para, com isto, restabelecer-se a certeza de que as regras precisam ser respeitadas, mesmo queimando o açúcar que alguns senadores pretenderam armazenar para combater a amargura que se avizinhava sobre a própria pele. 

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