sábado, 10 de setembro de 2016

DALTON ROSADO COMPARA OS ABANDONADOS PELO CAPITALISMO AOS NÁUFRAGOS DA FRAGATA MEDUSA

"Quando o México manda o seu povo aos Estados 
Unidos, manda pessoas que têm um monte de 
problemas, que trazem as drogas, o crime, 
são estupradores. alguns deles, eu 
confesso, são pessoas boas." 
(Donald Trump) 
Corria o ano de 1816. Com a restauração da monarquia francesa e entronização de Luis XVIII, restabeleceram-se as alianças internacionais de colonizações monarquistas. 

Assim, a França retomou o controle do Senegal, na costa ocidental da África. Para lá foi enviado um contingente variado de dirigentes colonizadores e marinheiros a bordo da fragata Medusa, cuja função seria tomar posse e controle daquelas possessões, que haviam passado para o domínio francês. 

A embarcação levava mais de 500 pessoas de classes sociais distintas (nobres, áulicos membros da corte e seus servos, marinheiros, etc.). A 160 km da costa africana, a fragata Medusa encalhou num banco de areia por incompetência de um comandante monarquista. 

Havia a bordo apenas algumas pequenas embarcações a remo, com capacidade para levar ao porto de St. Louis parte dos passageiros. Os escolhidos, como sempre acontece, foram os passageiros de primeira classe, que, em número de 233, couberam apertados nos botes lotados. 

Alguns poucos marinheiros ficaram na fragata aguardando resgate e guardando o ouro por ela transportado (a maior parte deles terminaria morrendo). 
Quando o barco afunda...

149 marinheiros e soldados improvisaram uma balsa amarrada por cordas a quatro canoas e barcos a remo, e nela se lançaram ao mar. Devido aos fortes ventos logo as marras se arrebentaram e a balsa improvisada ficou à deriva mar adentro com apenas um pacote de biscoitos, dois barris de água e seis barris de vinho, que cedo foram consumidos.
     
Os tripulantes da balsa improvisada, após dias e dias à deriva, abandonados à própria sorte, passaram a conviver com o desespero e as mortes por inanição. Ao cabo de sete dias, somente restavam 27 pessoas dos 149 iniciais, em meio a assassinatos, fome, acessos de raiva, desilusão, delírio etílico e até a prática de canibalismo. Finalmente, sobreviveram apenas 15, socorridas pelo barco Argus, que viera resgatar o ouro da fragata Medusa.  

Esta tragédia provocou grande comoção na França dividida entre republicanos e monarquistas, pois representou o exemplo explícito daquilo que os republicanos afirmavam ser a divisão social entre nobres e plebeus: o desprezo o feudalismo monárquico decadente tinha por estes últimos, em contraposição ao capitalismo ascendente de então, que proclamava a liberdade, igualdade e fraternidade. O abandono dos náufragos da fragata Medusa pelos dignitários franceses serviu de argumento político dos republicanos defensores do iluminismo contra o tratamento cruel dado aos súditos pela monarquia feudal.  

As duas partes não adivinhavam que o capitalismo ascendente reservava para os seus súditos do trabalho abstrato o mesmo comportamento. Os que agora não produzem valor, porque a eles não é dado mais sequer o direito de serem explorados, transformam-se em passageiros da balsa da Medusa da modernidade, abandonados à própria sorte por absoluta impossibilidade deles serem explorados pelo capital em fase de naufrágio proporcionado pelo encalhe no banco de areia do limite interno do sistema produtor de mercadorias. 
...quem mais sofre são os coitadezas... 
O capitalismo, decadente por seus próprios fundamentos, já passa e passará cada vez mais por uma agonia lenta que nos arrastará a todos, tal como ocorreu com a grande maioria dos passageiros da balsa da fragata medusa; ou, se quisermos fazer uma análise mais próxima no tempo e decorrente da crise da segunda revolução industrial e do crash de 1929/1930, podemos dizer que grande parte da população morrerá ou sobreviverá como os prisioneiros dos campos de concentração nazistas da 2ª guerra mundial, que somente foram libertados graças a uma ação externa.     

Uso estas fortes metáforas para dizer que não podemos assistir impassíveis à barbárie mundial em curso, sem nos rebelarmos contra ela! 

Trata-se da nossa indispensável e urgente ação externa consciente. Os milhões de refugiados dos países periféricos do capitalismo, vitimados por guerras e/ou marginalizados do processo produtivo por falta de competitividade nos atuais níveis tecnológicos dos grandes centros produtores de mercadorias, além de submetidos a diferenciadas situações creditícias e financeiras (juros altos e empréstimos de curto prazo), merecem a nossa solidariedade ativa, ao invés de receberem o repúdio de acomodados nacionalistas burgueses, como vimos agora nas eleições alemãs. 

As denúncias da desigualdade das relações capitalistas internacionais em depressão, que salvam somente os passageiros de primeira classe, são tão importantes quanto as daquelas que horrorizaram a França quando da tragédia da fragata Medusa ou as dos massacres de judeus, poloneses, soviéticos, homossexuais, maçons, testemunhas de jeová e ciganos no final da 2ª guerra mundial.
...ontem como hoje.

A primeira ministra da Alemanha Angela Merkel já está adaptando o seu discurso pró-imigrante ao nacionalismo alemão excludente para sobreviver eleitoralmente. A lógica burguesa adaptada à política transforma os indivíduos socais em viúvos saudosos dos direitos adquiridos quando do estado do bem-estar social  ora perdido. Então, que se danem os seus semelhantes! 

O avanço dos pensamentos conservadores nacionalistas burgueses (que foi o caldo de cultura para o surgimento do nazi-fascismo) demonstra que a barbárie capitalista, por si só, não é instrumento de libertação, mas, pelo contrário, pode se transformar em perigoso canibalismo social; e que somente a consciência dos perdedores sociais mundo afora, aliada a uma práxis social emancipatória, pode promover a sua superação.  

O nosso acolhimento aos imigrantes desesperados da moderna balsa da medusa do capitalismo não se deve dar apenas por sentimento humanitário (a qual deve existir, obviamente), mas pela compreensão de que vivemos sob uma forma de mediação social que se tornou anacrônica, e que há de ser superada sob pena da maioria de nós sucumbirmos à barbárie social que torna os humanos feras brutais, algozes do seu semelhante.

A saída não é mendigar por mais empregos que não virão; não é o aeroporto para jovens cultos e desempregados; não são as fronteiras do México ou as fronteiras amazônicas do Brasil; não é o mar mediterrâneo recheado de embarcações precárias tal qual a antiga balsa da medusa, mas uma ação consciente dos autóctones no sentido de proverem os seus sustentos nos lugares onde vivem e a partir do abandono dos critérios e regras capitalistas de produção e propriedade. (por Dalton Rosado)

Um comentário:

SF disse...

"A saída não é mendigar por mais empregos que não virão; não é o aeroporto para jovens cultos e desempregados; não são as fronteiras do México ou as fronteiras amazônicas do Brasil; não é o mar mediterrâneo recheado de embarcações precárias tal qual a antiga balsa da medusa, mas uma ação consciente dos autóctones no sentido de proverem os seus sustentos nos lugares onde vivem e a partir do abandono dos critérios e regras capitalistas de produção e propriedade".

Brilhante Dalton,
Acresço que, provavelvelmente, estarão desempregados cérebros privilegiados que certamente saberão formatar o projeto acima esboçado e executá-lo.
O fato é que os caras ainda não venceram e, na cegueira egoísta que os move, talvez joguem fora talentos preciosos em nome de reegenharias.

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