quinta-feira, 4 de agosto de 2016

ELOGIO À ALEGRIA COMO CONTRAPONTO À ELEGIA DA TRISTEZA

"Sem lenço, sem documento,
nada no bolso ou nas mãos,
eu quero seguir vivendo, 
amor, eu vou.
Por que não? Por que não?"
(Caetano Veloso, Alegria, Alegria)
Que bom se a alegria habitasse em nossos sentimentos de modo mais permanente do que a tristeza, e se esta última somente existisse de maneira fugaz! 

Como é bom poder dar um testemunho da existência da alegria como, por exemplo, daquela que invadiu a alma do compositor Paulo Soledade ao sair do hospital aos 40 anos, curado de uma tuberculose, e que em 15 minutos de alegria incontida compôs o clássico da música popular brasileira Estão voltando as flores, gravada na voz belíssima de Helena de Lima, e que evoca a alegria de viver, nas suas frases:
"Vê, estão voltando as flores;  
Vê, nesta manhã tão linda;   
Vê, como é bonita a vida;  
Vê, há esperança ainda.
  
Vê, as nuvens vão passando;   
Vê, o novo céu se abrindo;   
Vê, o sol iluminando;   
Por onde nós vamos indo." 
Que bom poder falar da alegria! Porque, afinal, como diz a conhecida, repetida e bela metáfora: "ainda que o sistema insista em roubar as rosas dos nossos jardins, ele não pode impedir a chegada da primavera". 

Que bom poder falar da alegria! Porque, afinal, a nossa denúncia do mal não é para exaltar a miséria social, a ignomínia, o egoísmo, a prepotência do poder político e econômico, a mesquinhez, mas o seu contrário, ou seja, a esperança e a crença no ser humano.  

Quero falar de alegria, porque o revolucionário é um ser que vive um milhão de anos de felicidade no momento fugaz em que se recusa a se ajoelhar diante da injustiça, ainda que isso lhe custe caro, pois, afinal, o amor e a solidariedade moram nos corações revolucionários, e não o ódio e a ambição. 

Quero falar da alegria simplesmente porque ela somente é integralmente possível numa consciência em paz.

Quero falar da alegria porque existem pessoas que conseguem enxergar beleza num gesto simples de fraternidade e se emocionar com ele. 

Quero lembrar com alegria que a bomba de Hiroshima formou uma rosa de fogo como a nos avisar que a vida é mais importante do que a morte, e que a morte, após uma vida fraternalmente bem vivida, é suave, e o é exatamente pelo exemplo que encerra e fica.
O lendário jornal alternativo Sol

Quero falar da beleza da alegria do menino negro e de origem humilde que vai superar todas as dificuldades e chorar de alegria com a conquista da medalha de ouro nos jogos olímpicos, pois no esporte (ainda que transformado em mercadoria e com o uso desonesto do doping) pode prevalecer a capacidade física de um filho do povo sobre o poder instituído, tal qual o do jamaicano Usain Bolt.

Quero falar da alegria tropicalista preguiçosa, do jornal Sol em que trabalhava a namorada do Caetano Veloso, vivo contraste com a caretice dos que só traziam amargas bem comportadas, enquanto o sol, astro-rei, batia em cheio nas bancas de revistas...

Quero falar da alegria do riso sarcástico da música
A banca do distinto, de Billy Blanco para Dolores Duran, sua namorada de então, ironizando o ricaço arrogante que sempre a tratava com injúria racista durante o show, e sob o beneplácito do dono da boate, e que sequer percebeu a crítica que lhe fora feita nos versos ferinos:
"Não fala com pobre, não dá mão a preto
Não carrega embrulho
Pra que tanta pose, doutor
Pra que esse orgulho
A bruxa que é cega esbarra na gente
E a vida estanca
O enfarte lhe pega, doutor
E acaba essa banca
  
A vaidade é assim, põe o bobo no alto
E retira a escada
Mas fica por perto esperando sentada
Mais cedo ou mais tarde ele acaba no chão
Mais alto o coqueiro, maior é o tombo do coco afinal
Todo mundo é igual quando a vida termina
Com terra em cima e na horizontal" 
Quero dizer que a alegria é riqueza sensível à alma, imaterial, a exemplo do conteúdo da letra da música Testamento de Vinícius de Morais na qual ele ironiza a avareza da riqueza abstrata e real dizendo: 
"Você que só ganha pra juntar
O que é que há, diz pra mim, o que é que há?
Você vai ver um dia
Em que fria você vai entrar

Por cima uma laje 
Embaixo a escuridão 
É fogo, irmão! É fogo, irmão! 

(...) Você que não pára pra pensar
Que o tempo é curto e não pára de passar
Você vai ver um dia, que remorso! 

Como é bom parar
Ver um sol se pôr
Ou ver um sol raiar
E desligar, e desligar
  
Você que só faz usufruir 
E tem mulher pra usar ou pra exibir 
Você vai ver um dia 
Em que toca você foi bulir!
A mulher foi feita
Pro amor e pro perdão
Cai nessa não, cai nessa não

(...) Você que não gosta de gostar 
Pra não sofrer, não sorrir e não chorar 
Você vai ver um dia 
Em que fria você vai entrar!

Por cima uma laje 
Embaixo a escuridão 
É fogo, irmão! É fogo, irmão!"
Quero que a alegria seja perene na sua eterna capacidade de ser retomada, transformando a sua inevitável finitude num breve lapso de tempo apenas para nos mostrar que existe, e contrariando o poeta, que não nos seja breve como "a gota de orvalho numa pétala de flor que brilha tranquila, e depois de leve oscila e cai como uma lágrima de amor".  

Quero, por fim, que a alegria seja um estado de permanência, ainda que entremeada de momentos de tristeza, e que da mesma forma como o grande só existe como referência do pequeno, que a tristeza seja apenas o perecedouro tempero existencial da própria alegria e da felicidade! (por Dalton Rosado).

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