quarta-feira, 17 de agosto de 2016

CONCORDAMOS NO FUNDAMENTAL: O CAPITALISMO ESTÁ NOS ESTERTORES E TEM DE SER ENTERRADO ANTES DE NOS ARRASAR

O (ainda mais) jovem Marx...
O companheiro Dalton Rosado, neste post, considerou que haveria ganho para os leitores do blogue se tornássemos públicas algumas ideias que vínhamos trocando por e-mail. Não creio que seja o caso de falarmos num debate, pois se trata mais de nuances do que, propriamente, de visões diferentes dentro do campo revolucionário. Mas, vamos lá.

Há um sem-número de polêmicas de schoolars marxistas sobre os méritos relativos do jovem Marx e do Marx amadurecido (eis um exemplo característico dessas pendengas de doutos acadêmicos, que mais parecem teólogos medievais discutindo o sexo dos anjos...).  

Temo que, por eu haver feito uma referência um tanto imprecisa a jovem Marx, o Dalton tenha pensado que eu estivesse tomando partido na discussão bizantina acima referida. E, como as posições defendidas pelo grupo Crítica Radical e pelo Dalton em particular se baseiam nos textos de Marx conhecidos como Grundrisse, de 1857/8 (portanto, do Marx amadurecido), seria este o motivo de sua delicada reprimenda.

Ocorre que, mesmo na minha longínqua fase de aprendizado marxista, quando deglutia cada frase do meu novo ídolo como se  estivesse ajoelhado diante da tábua dos dez mandamentos, o único livro marxista importante que não me passou pela garganta foi O capital. Até do igualmente complexo A ideologia alemã consegui terminar a leitura. Mas, depois de umas 50 páginas daquele monumental tratado de economia política, conclui era simplesmente intragável para o meu gosto. 

Na minha opinião de leigo assumido no assunto, contudo, nada enxergo de substancialmente errado na leitura que o filósofo e ensaísta alemão Robert Kurz fez de alguns trechos das Grundisse, deles derivando sua crítica do valor.  
...e em 1882, um ano antes da morte.

Nem sequer me pareceram uma grande novidade, pois a antevisão que eu tinha do ponto de chegada da longa marcha revolucionária era exatamente a de uma sociedade sem governo nem Estado e muito menos patrões, na qual se produzisse coletivamente o realmente necessário (não o suntuário e o supérfluo) e se distribuíssem equitativamente os frutos do trabalho para as pessoas, atendendo sempre às suas reais necessidades e  deixando-as com tempo livre para buscarem individualmente outras satisfações, de forma a poderem realizar-se plenamente como seres humanos. Valor, preço e dinheiro não teriam lugar numa sociedade dessas.

A minha ressalva ao Marx amadurecido é outra: depois de haver, tanto quanto os anarquistas, acreditado que uma onda revolucionária varreria o mundo, priorizando, portanto, a organização internacional dos trabalhadores, ele foi sendo seduzido aos poucos pela ideia da ditadura do proletariado, lançada pelo jornalista comunista Joseph Weydemeyer em 1852.

Até que o brutal esmagamento da Comuna de Paris (1871) pelos invasores alemães, em conluio com reacionários franceses, impactou profundamente em Marx e ele, quatro anos depois, em sua Crítica ao Programa de Gotha, extraiu conclusões autoritárias do ocorrido. Passou a admitir que a revolução eventualmente ocorresse num só país e tivesse de tomar as medidas necessárias para defender a sua existência.

Engels foi mais explícito ainda nos exageros e radicalismos desta nova visão, ao rebater críticas:
Comuna de Paris esmagada: banho de sangue.
"Uma revolução é certamente a coisa mais autoritária que existe; é o ato pelo qual uma parte da população impõe a sua vontade à outra parte por meio de espingardas, baionetas e canhões – meios autoritários, caso estes existam em tudo; e se o grupo vitorioso não quiser ter lutado em vão, deve manter esta regra por meio do terror que as suas armas inspiram aos reacionários. Será que a Comuna de Paris teria durado um único dia se não tivesse feito uso da autoridade armada do povo contra os burgueses?"
Idem Lênin, que, no seu O Estado e a Revolução (vide aqui), foi buscar em frases trovejantes de Marx sobre a tragédia dos communards a justificativa para a ditadura do proletariado – afinal, o velho barbudo colocara que "quebrar a máquina burocrática e militar do Estado" era "condição prévia de qualquer revolução verdadeiramente popular". 

Ora, após tal quebra, se faria, evidentemente, necessária a construção de outra máquina burocrática e militar do Estado, para o novo governo resistir aos inimigos internos e externos. Lênin fez a ressalva que a missão do tal governo seria preparar as condições para sua progressiva obsolescência, até a extinção, com as funções da máquina burocrática sendo assumidas pelos cidadãos comuns como parte de sua rotina e a máquina militar sendo desmontada à medida em que não houvesse mais inimigos contra os quais se defender, pois o socialismo aos poucos se estabeleceria no conjunto das principais nações, tal qual ocorrera com o capitalismo.
Estátua do Stalin derrubada pelos húngaros em 1956 

Como anarquistas e até o jovem Trotsky profetizaram, foi por tal caminho que se chegou ao pesadelo stalinista, pois ao invés de o Estado ir minguando aos poucos, cresceu desmesuradamente, sob a égide da nomenklatura que gerou. A previsão sinistra de Trotsky em 1903, quando de sua ruptura com Lênin, acabaria se confirmando integralmente: primeiro, o partido substitui o proletariado; depois, o Comitê Central substitui o partido; finalmente, um tirano substitui o Comitê Central.

Para não nos alongarmos em demasia, Marx abriu uma fresta para o autoritarismo, Lênin a tornou uma porta e por ela Stalin entrou, arrombando-a com um pontapé, para impor um totalitarismo assustador, que tornaria execrável a imagem da revolução para o proletariado das nações cujas forças produtivas estavam mais desenvolvidas – o sujeito revolucionário por excelência, na visão de Marx. 

A partir daí, as tomadas de poder se deram em países de desenvolvimento econômico tardio e/ou incipiente, acabando todas essas experiências por fracassarem de uma ou outra maneira (ora resvalando para a barbárie como o Camboja sob Pol Pot, ora esmagadas a ferro e fogo como Allende no Chile, ora se descaracterizando e aburguesando como os governos petistas no Brasil). Marx nisto tinha total razão: são as nações economicamente mais pujantes que determinam para onde o mundo marchará, não as miseráveis e/ou periféricas.
Derrocada petista destruiu ilusões reformistas 

A minha visão é inspirada em livros trotskistas como A revolução traída (do próprio) e a trilogia dos profetas (além de várias outras obras) do historiador Isaac Deutscher; Marxismo soviético, do Marcuse; O fantasma de Stalin, do Sartre; Autobiografia de Federico Sánchez, do Jorge Semprún, dentre outros.

Meu enfoque predominantemente político e o predominantemente econômico do Dalton convergem no principal: o capitalismo está nos estertores, devendo ser levado de roldão pelo sinergia da megacrise econômica global que vem engendrando com os desastres ambientais aos quais sua ganância incontrolável nos está arrastando.

Acredito que, em termos imediatos, não devamos participar desse Estado que está podre até a medula, mas sim atacá-lo de fora  – até porque não existem esperanças de aperfeiçoá-lo, corrigi-lo ou atenuar sua perniciosidade (isso é impossível, como os petistas acabaram de comprovar). 

Não estão dadas, claro, as condições para tentarmos o assalto aos céus neste instante, mas precisamos acumular forças e preparar líderes que, nos momentos cruciais que teremos pela frente, saibam unir os homens para  a sobrevivência e, depois, para a reconstrução da sociedade sob o primado do bem comum. [Janelas revolucionárias inevitavelmente surgirão. Precisamos aproveitá-las, como em 1917 e 1949, ao invés de deixarmos as chances escaparem entre os dedos, como em 1968.]
 Crítica Radical foi muito atuante na luta por Battisti 

Também é mais ou menos o que já faz o Crítica Radical, ao lançar propostas como o fim do trabalho e o Não vote!, bandeiras que por enquanto ainda não têm chances de empolgarem contingentes mais amplos, mas são sementes plantadas para o futuro e servem para o aprendizado na prática daqueles que terão um papel a desempenhar na construção de tal futuro.

Então, mais premente do que discutirmos qual foi o pecado original (se a definição de valores para medir o trabalho humano ou a emasculação do ideal revolucionário pela concepção autoritária de ditadura do proletariado) é somarmos forças para salvarmos a humanidade do capitalismo.

Daí a colaboração do Dalton ter caído como uma luva neste blogue.

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