quarta-feira, 20 de julho de 2016

DALTON ROSADO: "A PAIXÃO PELO FUTEBOL E O FETICHE DA TAÇA".

Gerson e a Taça Guanabara de 1967
"A um passe de Didi, Garrincha avança; colado o 
couro aos pés, o olhar atento; dribla um, dribla 
dois, depois descansa como a medir o lance do 
momento. Vem-lhe o pressentimento; ele se 
lança mais rápido que o próprio pensamento."
(O Anjo das Pernas Tortas, Vinícius de Moraes)
Por que será que me constrange ver o Botafogo perder? Por que será que me invade a alma uma alegria de regozijo ao ver o botafogo ganhar após os minutos finais de tensão e sofrimento, temendo o gol adversário que nos tiraria a conquista, e transbordar de euforia por ser campeão? 

Será que é porque, como todos os deserdados da sorte, as suas conquistas são mais raras do que aquelas que já se tornaram corriqueiras para os que estão acostumados a ganhar? 

Por que será que às vezes tenho a vontade de escrever para o Túlio Maravilha para lhe agradecer por aquele gol em impedimento contra o time do Santos, que deu ao Botafogo o título de campeão brasileiro em 1995, agora, passados 21 anos e os momentos dos tapinhas nas costas do grande artilheiro? Por que será? 

De onde vem essa paixão que Vinicius de Morais, com sua fina ironia poética, a ela se referia, perguntando ao magnata do petróleo: “Será que ganhar dinheiro é mais belo e prazeroso do que um chorinho do Pixinguinha ou torcer pelo Botafogo” (seu time)? 

De onde vem essa incomensurável paixão que nos faz tomar como nossa, pessoalmente nossa, a vitória de um time de futebol, como uma conquista da qual nos sentimos parte indissociável? 
        
Falar da paixão pelo Botafogo como psicanálise de comportamento social é algo impossível, porque torcer pelo botafogo transcende a racionalidade obsessiva dos cientistas sociais que consideram o futebol como mais um dos muitos modos de ópio do povo
Garrincha, símbolo da fase mais vitoriosa do Botafogo.

Gostar do Botafogo é tão gostosamente irracional como o era a loucura de Heleno de Freitas ou a ingenuidade de Garrincha, o anjo de pernas tortas, que ajudou o Brasil a se livrar do complexo de vira-latas (Nelson Rodrigues) ao conquistar as Copas do Mundo de 1958 e 1962. 

É falar de Carvalho Leite, Patesko, Paulo Valentim, Didi, Zagalo, Nilton Santos, Rildo, Manga, Quarentinha, Amarildo, Jairzinho, Roberto Miranda, Zequinha, Rogério, Leônidas, Paulo César Caju, Gérson e tantos outros heróis do povo, que, com a sua arte de jogar futebol, amenizaram a dor diária de uma gente que secularmente sofre com a injustiça da gritante desigualdade social. 

Como, então, rejeitar o Botafogo e o futebol como alegria fugaz, mesmo sabendo que ele se tornou mercadoria e instrumento de anestesia contra a opressão?
A racionalidade fria costuma dizer que sofrer pela derrota do seu time é algo ingênuo. Mas, como evitar este sentimento e compreendê-lo na sua grandeza emocional e igualmente ingênua? 

É melhor não tentarmos nos imiscuir nas complexas buscas de entendimento psicanalítico e chorar de alegria como o gol feito aos 49 minutos, na prorrogação, e que deu o campeonato ao Botafogo. Não é preciso explicar o inexplicável da emoção; basta senti-la e viver o êxtase confortável do momento ritual simbólico da conquista: o levantamento da taça. 

Aliás, levantar a taça ao alto é um gesto inventado por nós, pois imortalizado por Bellini em 1958 após a conquista da nossa seleção, sem que ele ali dimensionasse o seu significado, e que passou a ser imitado mundialmente. A psicanálise deve explicar cientificamente a adoração à taça conquistada, como símbolo de supremacia, mas não nós, torcedores apaixonados (tenha dó...). 
A bola, a grama e um mar de lama.

Uma análise teórica e circunspecta diria que a homenagem prestada pelos jogadores da seleção de futebol germânica aos índios pataxós na Bahia, logo após a conquista do campeonato mundial de futebol de 2104, tem um relevante grau de simbolismo. E tem. 

A cena dos campeões dançando num rito tribal em torno da taça colocada no centro de uma roda representou a adoração ao objeto da conquista desportiva – a taça do mundo – numa simbiose entre o arcaico e o moderno. 

É que o simbolismo do brilho do ouro contido no troféu se mistura ao culto subjetivo afirmador da capacidade desportiva alemã (resultados políticos e financeiros que advêm de uma conquista como essa à parte). 

Pode-se fazer uma analogia daquela cena em torno do troféu com o culto fetichista normalmente feito ao móvel da sociedade moderna – a produção de mercadorias. Mas, a quem isto interessa? 

A quem interessa saber dos valores econômico-financeiros que envolvem o futebol (e a corrupção nele entranhada), atividade esportiva mais popular do mundo? Eles atingem bilhões de reais em ganhos diretos e em merchandising, tendo, certamente, um significado expressivo numa sociedade que necessita cada vez mais de criar artifícios que impulsionem o seu decadente mundo mercantil. Mas, ter consciência disto não reduz em nós a paixão pelo nosso time ou seleção, nem nos impede de tê-la. E daí? 

A quem interessa a analogia da paixão pelo futebol com a adoração ao totem da modernidade, o dinheiro, objeto teleológico da vida social, mas vazio de sentido virtuoso, e que se consubstancia num fetichismo pelo qual todos nós sofremos as consequências, mas do qual não conseguimos nos desapegar por dependência ao seu comando opressivo? 

A quem interessa saber que o futebol é, hoje, uma mercadoria, e instrumento de venda de outras mercadorias pelos garotos-propaganda campeões que tudo venderão por meio da grande mídia, movimentando bilhões em dinheiro? Trata-se, certamente, da atividade esportiva mais cultuada no mundo pela indústria cultural, com grande importância na economia e na política, daí a presença de chefes de estado nas arenas romanas do panis et circenses da modernidade.
Com os pataxós: a dança dos 7 passos para cá e 1 para lá.

A quem interessa saber que o rito de adoração alemã à conquista da taça, num gesto de boa-vontade para com os índios pataxós, simboliza, por analogia, a permanência do fetichismo das sociedades primitivas na pós-moderna sociedade produtora de mercadorias, sob uma forma midiática global? 

Mas, pedindo desculpas aos conscientes críticos do fanatismo aos totens da modernidade, deixemos que nós, os vitoriosos, curtamos a nossa vitória. Devemos nos dar esse direito em nome da fugaz alegria.  

Mais do que o interesse das análises psico-sociológicas da paixão pelo futebol (no meu caso, pelo Botafogo; no do Lungaretti, pelo Corinthians), o importante é dar um abraço emocionado na arquibancada no torcedor desconhecido que está ao nosso lado na hora do gol da conquista do campeonato, e da taça, com a intimidade de um velho conhecido. 

Que me desculpe Guy Debord e sua crítica metafórica a nossa paixão pelos fetiches mercadológicos que transformam a arte e o esporte em mercadorias aptas a anestesiar a consciência coletiva, mas o pecado da inconsciência apaixonada pelo futebol deve ser perdoado.    

Em tempo: além do gol e da taça, é bonita, também, a cena da criança portuguesa que, ao ver o francês chorando no final da Eurocopa, lhe deu um abraço fraterno de consolo e solidariedade, mostrando que nem tudo estava perdido. (por Dalton Rosado)
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Fim de 1962: canto do cisne de Garrincha no Botafogo.

2 comentários:

william Orth disse...

Celso, posso estar falando besteira mas Toquinho, parceiro de Vinicius uma vez comentou algo assim " se estivesse vivo Vinicius perguntaria: E o Corinthians ? esta ganhando? ". Deu a entender que Vinicius seria Corinthiano e Carioca. Abraço Fiel.

celsolungaretti disse...

Poderia também ser o segundo time dele, sei lá.

Eu não torço propriamente pelas equipes de outros estados, mas me identifico mais com os times do povo, como Flamengo, Inter e Atlético Mineiro.

E tenho enorme antipatia pelo Fluminense, pela sacanagem que aprontou com a pobre Portuguesa.

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