quinta-feira, 23 de junho de 2016

É ASSIM? ASSIM É.

Fábio Seixas (dir.) e Flávio Gomes, outro que perdeu tribunas
Qualquer jornalista apaixonado pela profissão amarga alguma tristeza com a crônica de despedida de Fábio Seixas de sua coluna da Fórmula-1 na Folha de S. Paulo. Depois de mais de duas décadas de histórias, reportagens, viagens, seu feudo acabou. Sabe o que é?

É que a coluna de Fábio, que já não saia no papel impresso, acabou também no on-line. Adeus para os seus mais de 600 textos, durante 22 anos no impresso e dois no on-line. 

Motivo: a cobertura da F-1 não dá mais lucro e sim atemorizantes custos. Pela internet a cobertura fica de graça para um órgão de comunicação. Diz Fábio que eram mais de 20 jornalistas brasileiros a cobrir a F-1 na era Senna. Hoje apenas quatro seguem viajando. Já se fala em zero corridas em Interlagos, em São Paulo. O que não dá lucro, sepulta-se. É assim.

Tudo termina nas canseiras dos mortais. Imaginem sempre esta palavra: finitude.

Paixões flamejantes viram cinzas. As casas dos colecionadores de moedas vivem repletas de tesouros que serviram a milhões e cujos donos desapareceram. Os museus estão abarrotados de mantos de reis e de outros cadáveres de vantagens mortas.

A beleza é efêmera. A flor azuladinha princesinha passa breve.
GP Brasil de F-1, 1975, vencido por José Carlos Pace. 

Não são mais atração as vibrantes corridas de bigas de dois mil anos atrás dos antigos romanos.  

Antes do computador, o coração de uma corrida de carro não era o piloto, nem o trabalho aflito dos mecânicos nos boxes, nem a força de uma equipe, nem os mitológicos preparadores de motores. O coração da corrida eram os cronometristas, os pilotos das canetas.  Sem eles, ninguém saberia quem é quem na prova.

O trabalho de cronometragem era feito no dedo e o uso manual do reloginho chegou a provocar muita briga, descontentamento e injustiças. Embora os erros não fossem propositados, derrubavam em frações de segundos longos esforços de uma equipe. Depois surgiu a fotocélula, que, na pista, registra a passagem e o tempo dos carros, mas não descartou a atuação dos pilotos das canetas.

Fim da era manual da cronometragem. Chegada da cronometragem informatizada.

O computador dá instantaneamente os tempos individuais de cada carro, faz a conta para apontar a melhor volta e a média horária, diz o tempo até de um determinado carro. Mostra a velocidade no fornecimento dos resultados e até esnoba, imprimindo bonito no papel, com tipos sofisticados.

Quando criança, eu trabalhava numa lucrativa indústria de buzinas de bicicletas, aqueles antigos cones prateados com uma bola de borracha de apertar o fon-fon triunfante.  Fim das buzinas, do emprego, do lucro.
Técnicos da Ferrari em ação

Hilariante finitude: daqui a uns 100 anos nossos longínquos descendentes perguntarão: papai, o que é futebol?

Vão querer saber como se vivia quando existia o  sistema capitalista. Ouvirão que na ânsia de lucro o capitalismo oferecia espetáculos cada vez mais impactantes, atrações violentíssimas mesmo, descartando as que já não traziam grandes surpresas nem lucros. Assim era, filhinhos, naqueles tempos.

Redação do extinto Jornal da Tarde (SP): de pé, a figura sempre doce do meu editor de esportes Alberto Helena. Surpreso, braços erguidos, suspensos, parados no ar, pergunta por que  não aceito seu generoso convite para eu cobrir a Fórmula-1. É um prêmio! Não entendo!

Expliquei, entendeu. Não me distanciaria dos meus pais, já idosos. Quando eles partissem, queria estar ao lado deles e não entre gringos desconhecidos e o roncar de motores em pistas de nomes retumbantes mundo afora. Juntei lucros afetivos eternos em companhia de meus pais em troca de apenas uma perda temporária. O tempo se desfaz como fumaça. A finitude deles não me pegou desprevenido. Pode abaixar os braços, Alberto Helena.

Assim foi.

Nesse meio tempo, grudado em minha bendita mãe e em meu bendito pai, trabalhei durante 20 anos na Agência Estado, desde a sua fase embrionária.
Última edição do Jornal da Tarde

O então disciplinado jovem Reginaldo Leme foi o escolhido para abraçar a aventura de cobrir a F-1. Quarenta anos depois ele já não escreve sobre Fórmula-1 para o Grupo Estado. E ouve-se dizer que a F-1 tem os dias contados na aberta TV Globo, devendo migrar para o fechado SporTV. Êta finitude!

No meu tempo, nos meus mais de trinta anos de vacas gordas do jornalismo no Grupo Estado, transitei pela Rádio Eldorado, Estadão, Jornal da Tarde e Agência Estado. Havia sete mil funcionários e uma extensíssima rede de sucursais  e correspondentes no Brasil e no exterior. Havia. Fala outra vez: finitude.

Os mais bem informados que viverão no ano de Nosso Senhor de 3.016 dirão aos seus filhotes que a vulgaridade e a bestialidade das atrações da indústria cultural de mil anos atrás, em substituição às antigas que não davam lucro, desferiam tiros de canhão de finitude em espetáculos belos mas não lucrativos, como alguns esportes,  cinema,  teatro,  outras artes.

Na roda de conversas do quarto milênio as crianças ouvirão a história do maior pugilista de mil anos atrás, Muhammad Ali. Quando morreu era o símbolo do próprio boxe.  Faz mil anos  que colocaram o boxe nas cordas e o nocautearam,  dirão para as crianças.  Ate tu, boxe?

Golpe militar de 1964: torturas inimagináveis. Assassinatos. Estupros. Confisco do direito de abrir a boca. Proibição para se ver teatro. Fazer músicas. Cantar. Criar. Abrir os olhos.  Olhar em frente. Respirar. Ei, ei, ei, é proibido! Onde estão eles todos?  Já não  sufocam a vida.  Bendita finitude.

E você aí, cadê a mulher da tua mocidade? Cabelos escorridos chicoteando o ar, gazela graciosa, corça de amores, por onde anda?

Ela, que te faz tremer as pernas? Que te provoca fenômenos fisiológicos que até hoje você não consegue explicar? Coração batendo acelerado, lembra? Por onde anda?  Está bem aí, perto de você!

Por Apollo Natali
Subindo essa ladeira devagarinho devagarinho, cabelos brancos, pele enrugada, cheia de filhos, netos, marido careca, honesto. A patética finitude de uma paixão.

A explicar, a  finitude dos cemitérios, a mãe das finitudes.

É assim? Assim é.
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