terça-feira, 31 de maio de 2016

VAZADO E EXCLUSIVO! LEIA A TRADUÇÃO DE UMA CONVERSA TELEFÔNICA ENTRE O MADURO E A DILMA!

— Alô, Dilma!

— Alô, Maduro!

— Como vai?

— Não muito bem. Leva um tempinho pra passar a dor do chute. Ainda dói quando eu sento.

— Foi exatamente por isso que eu te liguei. Como você está mesmo sem nada pra fazer, por que não me dá umas dicas?

— Quer nome de analgésicos para ir comprando desde já?

— Não, quero saber o que você fez de errado no governo, assim evitarei cometer as mesmas lambanças.

— Ué, você já não fez todas que podia e mais algumas? O caos na economia, o racionamento de energia, as prateleiras vazias, tudo faltando e tudo parando. Nem voo para fora da Venezuela existe mais...

— Bem, se é para colocar nesses termos, pelo menos ainda não empossei economista neoliberal nenhum no meu ministério.

— É, o Levy foi mesmo dose de elefante. Eu não devia ter escutado o Trabuco (*).

— Você recebia maus conselhos e eu nenhum: todo mundo tem paúra de me aconselhar, sei lá por quê...

— E o Chávez? Ele não vinha falar com você encarnado num passarinho?

— Regrediu. Agora ele só pia. Estou procurando um ornitólogo que traduza.

— Eu também estou tendo problema com as aves. Os urubus não param de me sobrevoar.

— Tem gente ruim do lado de lá querendo falar contigo?

— Não, eu nem cheguei a conhecer o Brilhante Ustra. O Bolsonaro só diz besteira.

— Então, qual é o motivo?

— É que eu não consigo fazer os urubus entenderem que morte política é diferente de morte física. Acham que já estou virando carniça. São aves muito estúpidas, parecem até meus eleitores de 2014.

— Aqueles que acreditavam que você ainda fosse de esquerda?

— Esses mesmos! Eu e a Kátia, por dentro, morríamos de rir da cara deles. Às vezes tínhamos de nos beliscar, se não iam acabar notando.

— Ah, isso não é comigo. Não sou homem de fazer ninguém de otário.

— Homem?! Não foi bem isso que li. Tinha até foto sua.

— Aquilo foi uma montagem, Dilma. Você já devia saber que rola muito jogo sujo na internet. Lembra quantas mentiras cabeludas o João Santana utilizou pra te reeleger? 

— Eu nunca notei. É uma injustiça quererem me envolver com todas as safadezas que ocorreram ao meu redor. Se eu não percebia, não cometi crime de responsabilidade nenhum. E torno a repetir: a usina de Pasadena foi um ótimo negócio para a Petrobrás!

— Bem, o que passou, passou. Está mais calminha agora?

— Sem dúvida. Já nem tenho mais pesadelos com o Cunha.

— Sortuda! Eu é que não estou conseguindo dormir direito. Sonho que serei você amanhã.

— Eu não queria te dizer isso, mas você está mesmo maduro para ser derrubado.

— Você acha? Então devo aproveitar melhor o tempo que me resta. Passar bem! (bate o telefone)
* Luís Carlos Trabuco, presidente do Bradesco.

O QUE MUDOU NO BRASIL FOI ISTO: ACABOU A CONCILIAÇÃO DE CLASSES.

Os governos de Lula corresponderam a um momento da história do neoliberalismo no Brasil em que foi possível a conciliação entre as classes sociais: um período de prosperidade econômica, que provia crédito e benefícios aos trabalhadores, assim como dividendos astronômicos aos banqueiros, de uma maneira bastante funcional, com todo o mundo ficando satisfeito.

A economia do País parecia extremamente sólida, mas isto não passava de ilusão, como todos agora sabemos.

Com a crise internacional (queda dos preços de matérias primas), associada à deficiência produtiva que um país subdesenvolvido como o Brasil tem e terá durante muito tempo ainda, a conciliação entre as classes sociais deixou de ser viável; então, a burguesia financeira reconstitui o poder executivo da República, que jamais deixou de pertencer a ela, de um jeito ou de outro.

Em outras palavras, no ano de 2002 a burguesia financeira permitiu que o PT gerenciasse os seus negócios, com lucros para ela própria e com benefícios para os despossuídos, num momento favorável do ponto de vista econômico, viabilizado em grande parte pelo comércio internacional. 

Os banqueiros enriqueceram como nunca dantes neste país, até que as vacas emagreceram e a fonte secou; chegara a crise.

Então a burguesia financeira pegou a bola (que era sua) e o jogo da conciliação de classes acabou. Quem jogou, jogou. Para quem não jogou, resta aquela ridícula Doutrina Temer: “Não fale em crise; trabalhe!”

Por estes tão essenciais motivos, e por outros além destes, devemos assumir que o que houve por aqui, com a substituição de Dilma por Temer, não foi um golpe de estado, mas tão somente um ajuste, um dos muitos ajustes neoliberais, para que o sistema propriamente dito (incluído o seu aspecto político, é claro) não sofresse nenhuma alteração significativa, nem mesmo um arranhão.

Tal empreitada conta, como seria de esperar-se, com os préstimos do medíocre Temer e sua incomparável trupe de ministros. O neoliberalismo, todos sabemos, é feito de ajustes, efetuados sempre que há necessidade de adequação a novas condições econômicas, administrativas, geopolíticas, etc.

O PT compreendeu desde cedo as regras do jogo político da burguesia, nesta democracia de barganhas e enganações; e a elas aderiu como coadjuvante solícito, chegando ao ponto de gerir os interesses daqueles que conduzem o poder financeiro, certamente o maior e mais pesado poder que se tem visto. 

De 2002 em diante, é como se os banqueiros tivessem dito: "Vocês, petistas, podem exercer a presidência, mas a vice-presidência será sempre nossa, sempre de direita", como um dispositivo de segurança à disposição dos reais donos do País. 

Uma olhada nos vice-presidentes de Lula e Dilma confirmará isto. Homens de direita, mas não muito —o suficiente para restabelecerem a normalidade caso o velho PT tentasse extravagâncias como reforma agrária, reforma urbana, revitalização educacional, essas coisas de comunista...

Portanto, por mais que em alguns aspectos a coisa vá piorar bastante para os trabalhadores e para o povo (as vítimas de sempre), o sistema capitalista neoliberal brasileiro, que vigora sem interrupções desde 1990, permanecerá exatamente o mesmo, com a estabilidade de que goza qualquer sistema social vitorioso. 

Quanto ao pacote econômico anunciado por Temer em maio, trata-se, real e concretamente, do famoso ajuste fiscal, aquele que o Joaquim Levy tentou mas não conseguiu nos impor, um tanto agudizado para compensar o atraso na sua implementação.

Com desemprego, com violência urbana crescente, com crise política, com todo o subdesenvolvimento do Brasil, o sistema continua vigoroso, voraz, imenso, total, quase sem oposição e, principalmente, sem grandes alterações. (por Eduardo Rodrigues Vianna)

segunda-feira, 30 de maio de 2016

NOTÍCIA URGENTE: VENEZUELA REVOGA A CONSTITUIÇÃO E ADOTA O ESTATUTO DA GAFIEIRA!

A Latam, empresa resultante da fusão entre a Lan chilena e a Tam brasileira, acaba de anunciar que está suspendendo "temporariamente e por tempo indeterminado" seus voos para Caracas, em função do caos econômico reinante na Venezuela. Medidas semelhantes já haviam sido adotadas pela Gol e pela Lufthansa.

Ao que tudo indica, passará a vigorar na Venezuela o estatuto da gafieira:
"Quem está fora não entra, quem está dentro não sai!"

domingo, 29 de maio de 2016

STILL CRAZY AFTER ALL THESE YEARS

Por André Mauro...
Sou o antigo crítico de rock André Mauro. Quer dizer, o ex-guerrilheiro Celso Lungaretti. Melhor ainda: ambos (1).

Dupla identidade é um ingrediente fascinante nas artes populares, desde Dr. Jeckyll/Mr. Hide até Clark Kent/Super-Homem. Houve quem dissesse que o George W. Bush era um clone do Hitler com o bigode raspado...

O próprio Maluco Beleza deu uma tacada certeira nessa direção: “Raul Seixas e Raulzito/ Sempre foram o mesmo homem/ Mas pra aprender o jogo dos ratos/ Transou com Deus e com o lobisomem” (As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor).

Mas, não foi por amor à arte que eu, Celso Lungaretti, vivi minha fase André Mauro. Foi por necessidade, mesmo.

Em 1979, eu tinha atrás de mim uma trajetória de metamorfose ambulante: zé mané de baixa classe média até os 16 anos, líder secundarista aos 17, comandante guerrilheiro aos 18 (o mais jovem da época), preso político aos 19, bicho-grilo dos 20 aos 22, jornalista obrigado a manter-se tão anônimo quanto possível dos 23 aos 28.

Trabalhava em chatérrimas assessorias de imprensa, botando frases inteligentes na boca de empresários burros. Preferiria, claro, os grandes jornais e revistas, mas as portas estavam fechadas por causa do meu passado subversivo.
...aliás, Celso Lungaretti.

Aí, recomendado por um amigo, fiz no final daquele ano a crítica do álbum The Wall, do Pink Floyd, para a revista Música, que era a segunda principal publicação do gênero, atrás apenas da Som 3, do Maurício Kubrusly.

Para passar despercebido aos censores da ditadura, assinei como André Mauro. Os três sócios-editores gostaram, pediram mais. Logo em seguida, ofereceram-me duas páginas por edição para falar sobre rock; criei a seção Rock Stars.

Que logo pulou para quatro páginas. E passou a existir também como uma revistinha independente, homônima, de atrações diversificadas, inteiramente escrita por meu ersatz André Mauro.

E me entregaram também a Internacional-Extra, na qual eu contava a história de bandas e artistas. E criei a Rock Show, de variedades roqueiras; e a Rock Passion, puxada para o heavy-metal.

Oh, how we danced!, como disse outro talento da minha geração, o Jim Capaldi. Nunca me diverti tanto no jornalismo (e poucas vezes ganhei tão pouco, mas faturava uns trocados extras vendendo aos sebos a tonelada de discos que as gravadoras me mandavam).

Meu sucesso periférico se deveu a um pequeno detalhe: naquele estagnado final da década de 1970, a MPB e o pop monopolizavam as paradas de sucesso e os espaços na grande imprensa, mas o público da Editora Imprima era diferente, mais pobre e mais roqueiro. Então, fazia falta quem falasse do rock com força e devoção. Fui o homem certo, na hora certa.

Até por serem minoritários, os roqueiros ainda cultivavam a mística contestadora, vendo a si próprios como antagonistas da caretice ambiente. E era exatamente o enfoque contestatório e alternativo o que  eu lhes oferecia, como remanescente da geração das flores, fã de Joe Cocker, Janis Joplin, Jimi Hendrix e Jim Morrison. Mantinha vivo o rock das catacumbas.

Enquanto isso, na superfície, Peter Frampton, Elton John e Abba eram grandes atrações, enquanto o Queen colocava o Brasil na era dos grandes espetáculos em estádios de futebol.

[Aliás, quando a banda de Freddie Mercury andou por aqui, botei na minha matéria que seu nome aludia a uma das gírias para designar homossexuais. O fã-clube paulistano do Queen, incrivelmente, ignorava esse fato. Quis até tirar satisfações. Macaco velho, marquei a reunião na minha editora e os injuriados, como peixes fora d’água, acabaram se comportando bem...]

Uma das minhas sacações: perceber que o estreante Iron Maiden iria longe. Fomos os primeiros a dar capa de revista para o simpático esqueleto  Eddie, aproveitando o gancho  do rock macabro (a edição enfocava também Black Sabbath, Alice Cooper, Uriah Heep e não me lembro mais quem).

Creio ter sido o último dos críticos roqueiros a seguir os padrões do Pasquim, da Rolling Stone brasileira e outras publicações underground, fazendo uma leitura aberta do rock. Em vez de ficar só no óbvio, enriquecia as análises com informações políticas, literárias, históricas, filosóficas, etc.

Um exemplo: os diretores decidiram fazer a enésima revista para faturarem em cima da nostalgia pelos Beatles, mas eu não tinha saco para repetir a ladainha de sempre. Então, botando a cabeça pra funcionar, acabei notando que o quarteto já estava na estrada há algum tempo, mas só veio a estourar logo depois da crise dos mísseis cubanos, em outubro de 1962.

Então, comecei meu texto contando a história daqueles 13 dias em que todos pensaram que o mundo fosse acabar numa guerra atômica e do imenso alívio que sobreveio quando a crise foi superada, com as pessoas cantando e abraçando-se nas ruas, embriagando-se nos pubs, transando adoidadas.

Elucubrei que, depois de estarem tão próximas da morte, precisavam extravasar, botar pra quebrar, daí terem embarcado imediatamente na alegria e na desrepressão personificada pelos Beatles.

Meio forçado? Talvez. Mas, levava os jovens a olharem para outro lado, a ampliarem seus horizontes. Daí ter mexido com a cabeça de muita gente. Até hoje encontro meus velhos textos copiados em blogs por aí. Como este sobre rock alemão, do qual reproduzo um trecho que dá uma boa ideia de como era o estilo André Mauro:
"Que tal ser jovem num país que vive em ritmo de usina e se assemelha a um paiol, onde o fósforo aceso descuidadamente pode mandar tudo pelos ares? Os alemães respondem com sua arte: discos e filmes, o que mais nos chega, têm como ponto comum uma frieza de enregelar. A sociedade que se adivinha por trás deles é extremamente tecnológica, espantosamente robotizada e miseravelmente desumana. 
Neles não há piadas. Há uma total falta de perspectivas, mitigada pelas drogas e por remotos sonhos de evasão. A estrada é um símbolo primordial -- escapar para longe, onde não existem fronteiras nem muros (vide os filmes de Wim Wenders; vide o LP Autobahn, que popularizou o Kraftwerk)."
Pileques com o Raul Seixas - Minha lembrança mais grata dessa fase é a breve amizade com o Raul Seixas. Tudo começou quando cobri a coletiva que ele deu ao lançar seu primeiro disco pela CBS, Abre-te Sésamo.

Talvez por causa do horário matinal, amaldiçoado pelos boêmios, o maluco não estava brilhante, só disse o previsível. Mas, circo desmontado, o assessor de imprensa da gravadora armou um almoço de nós três mais a Kika (também funcionária da CBS), que acabaria sendo a última namorada da vida do Raul.

Fomos num restaurante chinês da rua Theodoro Sampaio e aí, sim, o  Raulzito  aflorou, turbinado pelo saquê que chamou e pela garrafinha metálica de uísque que carregava no bolso. Caprichou nos gracejos, non-sense e brincadeiras. Disse grandes frases e pequenas amenidades (tipo, tal artista "não canta nada, mas que coxas ela tem!”). 

Finalmente, foi embora quase arrastado pelo pessoal da CBS, pois estava atrasado para a entrevista que daria à Folha de S. Paulo. Não adiantou. No trajeto caiu em sono profundo e, quando finalmente conseguiram acordá-lo, preferiu ir pra casa descansar...

Ao escrever minha matéria, matei a coletiva com cinco linhas e dediquei umas 40 ao que rolou no almoço, num estilo apropriadamente etílico. Qualifiquei Raul de “admirável guerreiro que insiste em manter a loucura dos anos 60 em meio ao marasmo e calculismo dos 80” e incluí uma confissão: escutar Cachorro Urubu, com seus versos alusivos à rebelião jovem de Paris (“E todo jornal que eu leio/ Me diz que a gente já era/ Que já não é mais primavera/ Oh, baby, a gente ainda nem começou”), lavava minha alma naqueles tempos depressivos em que todos repudiavam a anarquia e a porra-louquice de 1968.

Mal leu a revista, o Raul ligou para a redação, convidando-me para um happy-hour da CBS, que queria mostrar o novo vídeo promocional do Police. A boca-livre era numa casa noturna chiquérrima, mas não incluía os itens do cardápio, só o serviço padronizado. Quem queria mais, pedia por sua própria conta e a despesa era lançada numa comanda.
Batemos bons papos até ele ficar  alto. Quando eu estava saindo de fininho, o Fred Jorge (letrista do Roberto Carlos no tempo da Jovem Guarda e diretor da CBS por exigência do rei), disse:
— Oh, Celso, o Raul bebeu demais e vai acabar dando vexame. Você não mora no Centro? Então, leva ele até o hotel, você não vai sair muito do seu caminho...
Não adiantou, o vexame acabou mesmo acontecendo. O Raul perdera a comanda, que poderia ter sido utilizada por outro convidado para pedir uísque importado de montão. Então, os funcionários  não queriam deixá-lo ir embora. E ele gritava, furioso:
— Quer dizer que estou preso? Eu estou preso?!
O Fred Jorge acabou se responsabilizando, em nome da CBS, por qualquer gasto mandrake que aparecesse. E eu levei o Raul desacordado até um hotel na av. Duque de Caxias, defronte a antiga Rodoviária. Precisei da ajuda do porteiro para tirá-lo do carro.

Depois, ainda o visitei algumas vezes na casa onde passou a morar, em Pinheiros, se bem me lembro. Uma delas foi quando trocou a CBS pelo Estúdio Eldorado. Conversávamos e bebíamos muito. Fiquei sabendo que ele e o Paulo Coelho interessavam-se por ocultismo, traduzindo livros obscuros, não lançados no Brasil, para próprio uso. Os do Aleister Crowley em primeiro lugar, evidentemente.
Crowley, ídolo do Raulzito e do Paulo Coelho

[Ou seja, Paulo Coelho, que de mago não tem nada, apenas montou um personagem em cima do que ele e o Raul andaram lendo e pesquisando na década de 1970...]

Até que não pintou mais nenhuma oportunidade e deixamos de nos ver (2)

Depois, em dezembro de 1984, fui obrigado a deixar a Editora Imprima, encerrando a fase de crítico roqueiro.

É que a crise do papel encarecera muito as revistas, de forma que os donos decidiram cortar metade dos títulos sob minha responsabilidade. Com o que sobrava, eu não conseguiria sobreviver.

Saí para fazer o que detestava: trabalhar por dinheiro, sem prazer. Foi o que fiz, como jornalista, durante quase duas décadas.

Nova batalha, já cinquentão - Corta para dezembro de 2003. Crise econômica fustigando o mercado jornalístico, fiquei desempregado. Já cinquentão, endividado até o último fio de cabelo, passei dois anos de dificuldades e penúria. Tive de vender CDs, discos, livros, fitas de vídeo, gibis, tudo que colecionara durante minha vida inteira.

E, como tábua de salvação, fui lutar publicamente pela reparação a que tinha direito como ex-preso político com lesão permanente decorrente de torturas em instalações militares. É que a anistia federal atendia primeiramente os amigos do rei  e eu precisava de uma solução urgente, não podia ficar esperando enquanto me passavam para trás.
Comissão de Anistia: palco de uma dramática batalha.
Transcorreram exatos 50 meses, entre a entrada do meu pedido e a primeira grana depositada. Mesmo assim, foi o que me salvou, permitindo-me reconstruir a vida, mais uma vez.

A repercussão de minha luta abriu caminho para o lançamento de um livro, pela Geração Editorial: Náufrago da Utopia. E, desde 2006, venho, principalmente, espalhando artigos pela internet e disponibilizando meus textos em blogues, com alguma repercussão. Inclusive alguns escritos da fase André Mauro que ainda considero válidos.

Pois essas vivências me definem. Fui vários personagens e não nego nenhum; são facetas da mesma recusa de uma sociedade inaceitável e da mesma procura de alternativas individuais e coletivas.

Como o rapazote que pegou em armas contra a ditadura, continuo inimigo do capitalismo; os meios são outros, o inconformismo permanece.

E, como o hippie e o roqueiro, acredito que a concretização dos ideais de justiça social e liberdade plena se dará nos marcos de 1968: construindo-nos como homens novos paralelamente à construção da sociedade nova, ao invés de tomarmos o governo para tentarmos transformar a realidade de cima para baixo.

Mesmo porque o sistema está podre até a medula. Quem tenta modificá-lo de dentro, acaba, isto sim, sendo modificado por ele: vai se tornando cada vez mais parecido com os inimigos que antes combatia.


NOTAS

1.
Tendo abandonado a crítica de rock em dezembro/1984, fui surpreendido em 2008 com o convite para fazer uma seção fixa na revista MP3 World. A colaboração, efêmera, começou com o texto que reproduzi integralmente acima, publicado na edição nº 3. Achei interessante, na reestreia, explorar o fato, desconhecido para alguns roqueiros que ainda se lembravam do meu trabalho, de que o
quase guru André Mauro ninguém mais era do que o revolucionário Celso Lungaretti (ou talvez tenha sido apenas por falta de coisa melhor para escrever, depois de passar tanto tempo distante da crítica de rock...).


2. Curiosamente, acabo de encontrar na internet uma tese universitária (!) sobre a revista Música, que reproduziu até a pitoresca defesa que fiz da decisão do Raulzito de assinar contrato com o Estúdio Eldorado. Dá sempre uma sensação estranha relermos, após décadas, o que já nem lembrávamos de haver um dia escrito:
"
Depois de manter acesa a chama do rock durante tantos anos, Raul percebeu que oportunistas estavam tirando uma de roqueiros, sob os auspícios globais. Daí se enfureceu: se voltava o rock, era ele, Raul, quem deveria colher os frutos de sua persistência. Então, para expulsar os malandros otários de seu pedaço, teve que transar com o Diabo, aceitando uma maçã bichada, que valia apenas pelo ouro de Eldorado.
 
 
"Afinal, naquela hora crucial, só Mephisto/Mesquita apostou nele. Tratava-se de algo assim como uma última chance, com a velhice chegando, o fígado em frangalhos, as multinacionais de disco fechando-lhe as portas depois das tempestuosas passagens pela Philips, WEA e CBS. Apesar da teimosia braba, o guerreiro compreendeu que chegara a hora do repouso. Afinal, rendendo dez por cento do que pode, ele já afugenta Dusek para o canil e a Blitz para a ponte que a partiu. Deu certo, Raul está aí, na crista da onda".

PARA DALTON ROSADO, OS POLÍTICOS DEVEM SER BANIDOS JUNTAMENTE COM O CAPITALISMO.

O FIM DOS FINS DA POLÍTICA
Bastou a descoberta de um instrumento de coerção (prisão) concomitante à possibilidade de anistia parcial da prática de crimes (por meio da delação premiada) para que os políticos demonstrassem duas coisas: 
  • a podridão generalizada que caracteriza historicamente as relações do poder político; 
  • o caráter dos delatores.  
Como sabemos, o dinheiro do Estado, falaciosamente tido como coisa pública (res publicae), é na verdade tratado como coisa de ninguém (res nullius), desde o império romano, e tem a função estratégica de financiar a manutenção da opressão sistêmica perante aquele que sustenta o próprio Estado: o oprimido contribuinte, já espoliado pela extração de mais-valia capitalista, e ainda chamado ao pagamento dos impostos que financiam a máquina estatal. 

Dentro desse contexto de me engana que eu gosto, não é de se admirar que os políticos usem a máquina estatal em benefício próprio particular de enriquecimento, ou de financiamento do caríssimo processo eleitoral (no qual o próprio eleitor, percebendo intuitivamente o que está por trás de tudo, infelizmente, também se corrompe).
A Operação Lava Jato, ao instituir a prisão e posterior mecanismo de delação, encontrou uma forma de explicitar publicamente aquilo que todos nós já sabemos há muito tempo: que o processo político é uma corrupção só. Mas, também, trouxe ao lume uma novidade: o caráter oportunista e canalha dos políticos, quando demonstram ser meros alcaguetes de seus companheiros de roubalheira. 

Eles todos estão denunciando-se uns aos outros, num efeito dominó que parece atingir a torto e a direito, sem sobrar ninguém. Aí a farsa republicana da isonomia de suas práticas sociais se desmancha como um castelo de cartas carcomidas pelo cupim. 

Nesse sentido, lembro-me dos bravos militantes que lutaram em extrema inferioridade de correlação de forças contra a ditadura militar e dos muitos que, mesmo sob as cruéis torturas, padeceram sem delatar os seus companheiros de luta. A esses minha homenagem pelo heroísmo. 
 
A corrupção na política nada mais é do que uma correia de transmissão da corrupção própria ao poder econômico do capitalismo, modo de relação social no qual o princípio funcional teleológico não é a satisfação das necessidades sociais, mas a acumulação autotélica do próprio capital, vazia de sentido virtuoso, posto que, é um mecanismo de corrupção subtrativo da riqueza de quem a produz (o trabalhador), e que apenas faz uso, utilitariamente, das necessidades de consumo para atingir o seu objetivo tautológico negativo, destrutivo, e por fim autodestrutivo. 

Assim, a política, como canal de acesso ao poder institucional (autolegitimadora de sua nefasta função e legitimadora das instâncias institucionais, como construto jurídico de uma lógica social perversa, qual seja o capitalismo), não poderia mesmo ser boa coisa, e sucumbe juntamente com a depressão econômica, numa relação de causa e efeito imanente. 

A crítica à política corresponde à crítica radical à democracia de mercado, ao mesmo tempo em que a defesa de seus postulados corresponde à manutenção do sistema de exploração, ainda que isso não seja muitas vezes assim compreendido por seus incautos (alguns até bem intencionados) atores. 

Há quem considere, equivocadamente, que a política é um mal menor ou necessário, pois sem ela viveríamos sob um autoritarismo explícito; algo assim como se admitíssemos que não existisse nenhuma saída para a humanidade fora da política. 

Na verdade, a política tem um caráter submisso perante o capital; a sua incapacidade atual de regulação institucional da economia (via controle monetário, indução ao desenvolvimento mercantil, legislação, etc.), em franco processo de depressão mundial, augura-lhe o fim, simultaneamente ao fim do sistema produtor de mercadorias. 

Infelizmente, isto não significa, ipso facto, a emancipação humana, pois pode representar o recrudescimento do retrocesso civilizatório hoje existente mundo afora. A superação da política implica a necessária construção de uma forma de relação social horizontalizada, direta, e correspondente a um modo de produção natural, concreto, no qual os produtores tenham consciência do que estão produzindo e para quê. 
   
Agora, reunidos no Japão, os países membros do G7 elegeram politicamente, como prioridade absoluta, o retomada do desenvolvimento econômico, sem quererem compreender o limite interno absoluto do sistema produtor de mercadorias. 

Os países capitalistas mundialmente hegemônicos sob o ponto de vista político-econômico preferem, dentro de seus mesquinhos interesses, admitir que o capitalismo, é um sistema que pode crescer ad infinitum, e assim, intentam submeter toda a humanidade à continuidade de uma lógica socialmente decadente e ecologicamente suicida, ao invés de buscarem alternativas transcendentes. Destarte, caberá ao mundo inteiro a compreensão de que somente a negação dos postulados político-econômicos que se constituem como amarras à emancipação da humanidade poderá nos salvar a todos. 

Mas o que agora ocorre no Brasil tem uma virtude colateral: mostrar que a grande maioria dos políticos brasileiros, de tão incompetente, gananciosa e canalha, se constitui como vanguarda mundial da explicitação do verdadeiro caráter da política. 

Então, lembrando a frase ferina  do poeta português Eça de Queiroz ("Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente, pela mesma razão”), ousarei propor uma ligeira correção, embora sem a mesma verve humorística: eles devem ser banidos juntamente com o objeto a que servem, a vida mercantil. (por Dalton Rosado)

sábado, 28 de maio de 2016

DALTON ROSADO CRITICA A REFORMA AGRÁRIA PROPOSTA PELO MST: "A TERRA AINDA É ENCARADA COMO MERCADORIA".

Por Dalton Rosado
"A terra não pertence 
ao homem; o homem 
pertence à terra"
(trecho da carta do cacique da tribo 
Seattle ao presidente dos EUA, que 
queria comprar as terras indígenas) 
A terra é um bem do qual tiramos o nosso sustento; ninguém deveria ser dono da terra com direito de propriedade (especialmente a terra agricultável), senão com direito de uso e dentro de um sentido coletivo de habitabilidade e utilidade racional de produção. Sob a lógica mercantil capitalista, contudo, a terra é uma mercadoria sensível, a única que não pode ser reproduzida nem consumida, daí a sua constante valorização especulativa intrínseca.  

Mas, como tudo na lógica mercantil obedece aos seus critérios ditatoriais (e ilógicos do ponto de vista de sua função natural), eis que, agora, contraditoriamente ao que pensam os latifundiários proprietários de terras e os sertanejos delas desprovidos mas desejosos de as possuírem, as terras que não oferecem nível de produtividade compatível com a concorrência de mercado na produção de alimentos estão sendo abandonadas, no Brasil e no mundo. 

No nosso Nordeste, p. ex., é muito comum, quando se adentra o Interior, vermos casas e terras abandonadas; em Cuba também.  

Este breve preâmbulo sobre a natureza da terra e o significado de sua transformação em mercadoria, serve com referencial para avaliarmos o conteúdo do que representa a reforma agrária e, consequentemente, a essência da luta do Movimento dos Sem Terra
Área abandonada em Santa Izabel do Pará.

Começamos por dizer que a reforma agrária, muito diferentemente do que pensam as múmias dos sepulcros caiados da vida, é uma bandeira que se circunscreve no universo da lógica capitalista. Se incomoda aos grandes latifúndios rurais do Brasil, é porque conservam mentalidade feudal. 

E o pior é que, desde os tempos das sesmarias (distribuição de grandes extensões de terras aos latifundiários amigos do reino), eles sempre foram politicamente muito poderosos --como, aliás, acaba de ser demonstrado pela bancada ruralista na votação do impeachment. 

Sob a lógica do capital, as terras rurais e urbanas tendem a se concentrar nas mãos dele mesmo, o capital. Exemplo disso podemos extrair dos EUA que, desde a sua colonização, promoveram um rateio das terras aos colonos irlandeses e europeus, por meio do homestead law act, de 1862. 

Conhecida como a lei de cessão de terras, esta iniciativa do presidente Abraham Lincoln destinava 160 acres (e, depois, 640 acres) a cada colono. Hoje, entretanto, tais terras são objeto de uma cada vez mais acentuada concentração nas mãos das grandes empresas agrícolas americanas, como forma de obtenção de níveis de produtividade exigidos pela concorrência no mercado mundial das commodities agrícolas. 

É importante notarmos que, na vida mercantil, a questão agrícola é relegada a um plano economicamente secundário.
Vital para a humanidade, produção agrícola  é menos lucrativa. 
Podemos deduzir isto, continuando no exemplo estadunidense, do fato de que apenas 3% da sua população economicamente ativa trabalham no setor primário; embora os EUA sejam os maiores produtores de grãos do mundo, isto corresponde a apenas 1,9% (agricultura e pecuária 0,9%; silvicultura 0,8%; pesca 0,2%) do PIB daquele país. 

Como se vê, a produção agrícola, apesar de ser vital para a humanidade, não tem relevância econômica, e esta é uma das razões de ser do aumento da fome no mundo, aliada a outros fatores como o aquecimento global, que provoca a escassez de água e a aridez da terra.    

No Brasil nunca se fez a propalada reforma agrária. Caso a fizéssemos, cairíamos no mesmo resultado estadunidense, em longo prazo: nova concentração da mercadoria terra nas mãos do grande capital por questões de concorrência mercantil. 

Ressalte-se que o abandono de terras inférteis se dá, também, pelo aquecimento global, fruto da emissão de gás carbônico na atmosfera (mais uma irracionalidade da lógica do capital), que diminui a quantidade de água indispensável à vida agrícola, tornando inviável economicamente a produção nessas regiões.  

A questão:
Substituir os latifundiários como donos da terra não resolve
a) não é, pois, fazer a reforma agrária, promotora do parcelamento do solo rural, conservando-se a vida mercantil e promovendo-se a propriedade fundiária nas mãos de colonos, pois estes, ainda que produzissem mercadorias agrícolas sob o modo cooperado, estariam sujeitos à ditadura do mercado (oscilação de preços nacionais e internacionais; dificuldade de financiamentos agrícolas e execução de hipotecas por dívidas; corte de subsídios estatais, agora cada vez mais impossíveis de continuarem existindo; uso de agrotóxicos que aumentam a produtividade e matam as pessoas de câncer, etc.);
b) mas, isto sim, abolir a própria propriedade rural e a produção agrícola destinada ao mercado (produtos agrícolas transformados em mercadorias) e em seu lugar organizar-se uma produção destinada ao abastecimento local e mundial (com a produção excedente em cada lugar sendo doada a quem dela necessita, e recebendo outras de acordo com as necessidades e possibilidades, sem a abjeta troca quantificada pelo dinheiro, que as transforma em mercadorias). 
Os dirigentes do MST, em que pese a sua corajosa e difícil luta contra os recalcitrantes latifundiários brasileiros, não compreendem que, ao invés de combater a lógica tão cara e comum a esses mesmos latifundiários, está tentando ir para o lugar destes.  
Ganância capitalista: alternativa à fome acaba sendo o câncer.

Ou seja, quer ser o dono de terras para produzir mercadorias, o que significa reproduzir as práticas do inimigo que julgam combater, pois pretendem, mutatis mutandis, adotar os mesmos pressupostos mercantis por eles usados.

É evidente que, caso se conseguisse fazer no Brasil uma verdadeira reforma agrária, ainda assim todas as vicissitudes inerentes à lógica mercantil (concentração de terras nas mãos do capital; falência de produtores com baixos níveis de produtividade; excedente sazonal de produção obrigando a incineração de alimentos produzidos; etc.), tornariam a ocorrer, forçando novamente a concentração da propriedade fundiária. Seria mais uma luta que voltaria ao ponto inicial, enfraquecendo e postergando a caminhada dos trabalhadores rurais (e citadinos) em busca da verdadeira emancipação. 

O movimento não deve ser dos sem terra para se tornarem proprietários da terra, mas dos sem terra no sentido de a usarem coletivamente para a produção de alimentos (que não sejam mercadorias), visando ao bem de todos e de acordo com a capacidade e vocação de cada região.  

Assim, consideramos que a reforma agrária, enquanto bandeira capitalista que é, deve ser substituída por outra, cuja consigna deve ser: 
a) a terra não é propriedade de ninguém; e 
b) deve ser usada segundo um critério de produção coletiva, para provimento das necessidades de consumo alimentar de toda a humanidade, sem troca quantificada e de modo ecologicamente sustentável e socialmente justo.
O caminho ora proposto pode ser ainda mais árduo. Mas, quando se trilha um caminho consistente, cedo ou tarde evidenciar-se-á a consistência da caminhada.
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