sábado, 30 de abril de 2016

DESEMPREGO DISPARA. E DILMA CONTINUA AGINDO COMO CONVÉM PARA O TEMER.

Enquanto se discute Dilma x Temer como se a opção fosse entre méritos e deméritos pessoais, a recessão continua se aprofundando e conduzindo o povo brasileiro à penúria e ao desespero. 

Eis o que nos informa o Agora:
"No primeiro trimestre deste ano, o número de desempregados atingiu 11,1 milhões, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 
Segundo Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Renda do IBGE, a alta do desemprego ocorre por conta da manutenção do cenário econômico ruim no país. 
No período, a taxa de desemprego chegou a 10,9%, a maior desde o início da série histórica, que começou em 2012. 
O aumento se deve tanto ao fechamento de vagas quanto à entrada de mais pessoas em busca de novos postos de trabalho".
Então, o que deveríamos estar discutindo é:
  • Se a Dilma milagrosamente salvar-se do impeachment no Senado, depois de passar meses afastada da Presidência, terá alguma chance de reverter a tendência de piora incessante dos índices econômicos? A resposta, claro, é não. Seu governo está paralisado há 16 meses e assim continuaria na nova fase, pois se criou um abismo entre ele e os oposicionistas. Fazer da política uma guerra tem o inconveniente de impossibilitar que sejam lançadas pontes entre as respectivas trincheiras.
  • Temer tem condições de dar uma guinada na economia? Aparentemente não, mas erram os petistas ao subestimarem o poder de fogo do grande capital, que pode injetar grana suficiente no mercado para gerar um milagre brasileiro em miniatura, mais efêmero ainda do que o anterior (aquele durou quatro anos), mas suficiente para influir na decisão do Senado sobre a perda definitiva do mandato de Dilma e na disputa eleitoral de 2018.
  • Quais as consequências de cada hipótese? A volta de Dilma ao poder no final do ano levaria a crise econômica aos píncaros, colocando o País sob enorme risco de convulsão social e de soluções de força. A consolidação de Temer no poder teria enorme custo político, econômico e social, pois governaria sob fogo cerrado do PT e de outras forças de esquerda.
Voltamos à pergunta clássica de Lênin: o que fazer?.

A melhor opção para o País e para o povo, indiscutivelmente, é a de uma nova eleição presidencial, pois assim o povo escolheria quem julgasse realmente apto para conduzi-lo em circunstâncias tão dramáticas como os atuais (em termos formais é falso dizer que Temer não teve votos, pois os 54,5 milhões do 2º turno foram para ambos e não apenas para Dilma, mas todos sabemos que o eleitorado só presta atenção em quem encabeça a chapa).

Enfim, o tempo urge e, para que vingue uma Proposta de Emenda Constitucional acrescentando um novo pleito presidencial às eleições municipais de novembro, será necessária uma mobilização imediata e total de quem se opõe a um Governo Temer.

E é aí que a porca torce o rabo. O PT pretende esperar que o Senado afaste Dilma no dia 11 de maio, para só então, talvez, começar a fazer campanha pela nova diretas já.

Enquanto isto, Dilma se propõe a arrastar sua agonia até o mais amargo fim, na esperança de uma (pra lá de improvável) salvação no Senado, depois de passar meses no périplo chororô, percorrendo o mundo para tentar fazer passar por golpe um episódio igualzinho àquele que, em 1992, ficou corretamente conhecido como um mero impeachment.

Se o PT fizer, ao mesmo tempo, duas apostas que apontam em direções contrárias (1. salvar o mandato de Dilma; e/ou 2. forçar a realização de nova eleição presidencial), parecerá a todos que quer apenas dar um pulo do gato, prevalecer de um jeito ou de outro, então jamais conseguirá mobilizar forças suficientes para alcançar qualquer um dos objetivos.

Como Dilma e o partido já admitiram que o Senado determinará inexoravelmente o afastamento temporário no dia 11, agora é o momento exato para a última iniciativa capaz de ainda alterar o rumo dos acontecimentos: Dilma renunciar e exigir publicamente que Temer faça o mesmo, em nome dos interesses superiores do povo brasileiro, que não aguenta mais os sofrimentos que lhe estão sendo impostos.

Aí, sim, a campanha pela nova diretas já poderá decolar e fazer a diferença. Caso contrário, Dilma, na verdade, estará agindo exatamente como convém para os planos de Temer. 

sexta-feira, 29 de abril de 2016

O PÊNDULO DE SAFATLE E A LIÇÃO DE MARY SHELLEY

Por Vladimir Safatle
ENTRE A OLIGARQUIA 
E O POPULISMO
O Brasil funcionou até hoje sob um pêndulo. Esse pêndulo consegue puxar todos os atores políticos para um de seus polos, transformando-os em repetições de atores passados.

Na verdade, por mais que gostemos de pensar o contrário, o Brasil é um país no qual o passado nunca passa. Há aqueles que procuram nos fazer acreditar que a capacidade brasileira de esquecer seria garantia de que não seríamos assombrados pelo o peso das repetições. Mas o esquecimento, ao menos nossa forma de esquecimento, é uma maneira de conservar sem resolver.

Dentro de algumas semanas teremos, mais uma vez, a oligarquia no poder. Na sua proclamação da República, o Brasil conseguiu rapidamente tecer um pacto de oligarquias locais que transformava a democracia em um regime de fachada.

Nesse regime, eleições eram apenas um detalhe, já que as oligarquias já decidiam de antemão quem ocuparia o poder. Greve era crime grave contra a "ordem pública", a polícia servia basicamente para conter as revoltas sociais na base da violência bruta. Enquanto isto, a imprensa cobria toda a pantomima como se aquela associação de latifundiários fosse uma verdadeira república.

Esse regime dará novamente o ar de sua graça. O que vem aí não é a realização do novo há muito demandado pela população brasileira, mas o retorno de um recalcado que nunca foi embora, a entronização do arcaísmo no poder. Teremos um "presidente" com 2% de intenção de voto e 58% da população preferindo seu afastamento. Ele comporá um ministério com os derrotados das últimas eleições, com seus programas sempre recusados pela população.

O que não faz muita diferença, já que eleição agora é um detalhe. Inclusive, candidato de quem não gostamos nós prendemos. Pois, como na República Velha, teremos novamente uma "governabilidade" reduzida a conchavos com um Congresso que representa só suas próprias distorções, só a força do poder econômico na produção de uma casta.
Terra em transe: a personificação da oligarquia...

Mas esta é apenas uma parte do problema. Como o Brasil funciona como um pêndulo, tudo o que conseguimos produzir contra o cinismo das oligarquias foi a reincidência contínua do populismo. O problema de falar em "populismo" no Brasil está no fato de que o termo é visto como uma injúria, uma regressão a estágios de personalismo explosivo, e não como uma categoria analítica.

O filósofo argentino Ernesto Laclau foi um dos poucos a conseguir escapar desse equívoco ao mostrar como o populismo descrevia uma característica fundamental da democracia, a saber, a capacidade de incorporação, através da construção do "povo", de classes sempre expulsas do poder. Mas, na lógica do populismo, esse processo cobra um preço alto. A incorporação do povo é feita por meio de um pacto frágil entre várias demandas sociais contraditórias, vindas de setores antagônicos.

Assim, Vargas integrou várias camadas da população na atuação política, mas ao colocar suas demandas no mesmo balaio de demandas da burguesia nascente, das oligarquias descontentes com os pactos paulistas, entre outros. Como dizia Vargas: "Meu problema não são meus inimigos, mas meus aliados". Pois esse arranjo populista funciona apenas por um tempo, ele é provisório, chega uma hora que os conflitos não podem mais ser agenciados.

Sei que muitos não concordam, mas o lulismo no poder foi a reincorporação dessa lógica populista. Mesmo que o PT tenha nascido como uma esquerda não trabalhista, o peso do pêndulo brasileiro levou Lula a vestir o macacão da Petrobras, sujar suas mãos com petróleo e repetir a mesma cena emblemática que marcou a guinada nacionalista de Vargas.

No governo, seu modelo de acordos, de conciliações, de ganhos e paralisias repetiu o que o Brasil conhecera à ocasião da sua primeira incorporação das massas populares ao campo dos atores políticos, principalmente no segundo governo Vargas.

Quando ficou evidente que esse modelo entrara em colapso, as oligarquias (mais uma vez baseadas em São Paulo) precisaram simplesmente empurrar uma porta podre e ocupar o espaço vazio. E assim voltamos várias casas para trás.

Esse processo deveria, ao menos, deixar evidente como a tarefa que espera aqueles comprometidos com o país é escapar do pêndulo, fazendo a crítica dura ao assalto ao poder produzido pela oligarquia sem acomodar-se ao fato de só termos até agora produzido saídas baseadas em incorporações populistas. Nossa tarefa é grande e bela. Ela consiste em criar uma história que, até agora, não existiu.

MEU COMENTÁRIO – Depois da rendição sem luta de 1964, a esquerda passou por um profundo processo de crítica e autocrítica, do qual resultaram cisões, reagrupamentos, emergência de novas forças e esvaziamento daquela que fora a principal responsável pelo desastre, o Partido Comunista Brasileiro –que se jactava já de estar no poder quando deveria, isto sim, preparar-se para evitar a quartelada anunciada.

Já tínhamos total clareza quanto ao fato de o populismo não ser a saída (o filme Terra em Transe é emblemático neste sentido) e de que nos cabia a tarefa "grande e bela" de darmos um fim ao pêndulo apontado por Safatle: ora "o cinismo das oligarquias", ora "a reincidência contínua do populismo".

Só uma esquerda revolucionária conseguiria cumprir tal tarefa, ao encaminhar a transformação em profundidade da sociedade brasileira, ao invés de apenas maquilar o capitalismo, fazendo sua carranca parecer menos odiosa por meio da distribuição de algumas migalhas a mais para os explorados.

...e do populismo.
Fracassamos. A coerência com a missão que assumimos nos encaminhou para a luta armada, mas a enorme superioridade do inimigo em termos de efetivos e recursos, além de sua disposição de levar a guerra suja até as últimas (e mais bestiais) consequências, dizimou os que realmente nos propúnhamos a irmos além da "reincidência contínua do populismo".

O PT era a esperança de conseguirmos realizar o mesmo feito sem o recurso extremo do enfrentamento pelas armas. Mas, começou a ceder à tentação populista logo no nascedouro: a esquerda tinha total consciência de que o sindicalista Lula não era e jamais seria um revolucionário, mas optou por usá-lo como chamariz eleitoral, acreditando que permaneceria sendo sempre dócil criatura sob a batuta do Zé Dirceu, do Genoíno, do Rui Falcão, etc. 

Eles não devem ter lido Mary Shelley, que alertou para o que certas criaturas fazem com criadores descuidados. E esqueceram rapidinho quão desastroso tem sido para a esquerda ceder ao populismo.

Então, voltamos exatamente ao estágio no qual nos encontrávamos no dia 1º de abril de 1964. Com a obrigação de, desta vez, criarmos direito a "história que, até agora, nunca existiu". (por Celso Lungaretti)

quinta-feira, 28 de abril de 2016

A CRISE NA BASE DO TOPO (ou HÁ ALGO NO AR ALÉM DOS JATINHOS DAS EMPREITEIRAS)

"O próprio capital é a contradição em processo, 
(…) pois esforça-se por reduzir o tempo de trabalho 
a um mínimo, enquanto, por outro lado, põe o tempo 
de trabalho como única medida e fonte da riqueza." 
(Karl Marx, Esboço da Crítica da Economia Política)

Os donos do poder afirmam que as instituições estão sólidas e em perfeito funcionamento no Brasil. Na verdade, e independentemente da qualidade moral dos seus integrantes, elas estão assentadas sob uma base de areia movediça. Basta nos debruçarmos com honestidade e senso crítico imparcial sobre os dados da economia brasileira e mundial, para constatarmos que vivemos o momento de exaustão do atual modelo econômico-político. 

Desfiar aqui os dados da decadência econômica planetária para a comprovação do que salta aos olhos de todos seria enfadonho (quem quiser constatá-los basta ter a paciência de consultar comparativamente tais dados nos vários indicadores econômicos); igualmente se pode constatar a ocorrência da decomposição política, que sucumbe juntamente com (e em decorrência de) aquilo que lhe dá sustentação: a economia (e não o contrário). 

O porquê, ou o ponto fundamental ao qual se deve dar atenção para compreensão da crise atual é a existência de uma contradição primária no modelo mercantil decadente: o capital nasce e vive graças ao trabalho abstrato em crescendo, mas, no entanto, paradoxalmente, e como demonstração de uma contradição inevitável graças ao regime de concorrência de mercado, o capitalismo elimina aquilo que é a seiva de sua existência: esse mesmo trabalho abstrato.        

Não é com surpresa (embora cause certa perplexidade, por considerarmos que tal comportamento se assemelha ao dos músicos do Titanic) que constatamos não existir nenhum dos representantes da superestrutura institucional de poder voltando-se contra aquilo a que servem: a natureza contraditória e decadente da sociedade mercantil e dos construtos que formatam o seu mundo jurídico-institucional, pois, afinal, todos os figurões da república mercantil têm de beijar a mão do modelo de sociedade que os sustenta e têm de ajudá-la a sobreviver, negando-se a admitir as cruéis turbulências destrutivas que lhe são imanentes, sejam eles:
  • ministros do Supremo Tribunal Federal; 
  • membros das altas casas legislativas federais (que, apesar de se comportarem como críticos do comportamento alheio, estão sendo processados como criminosos e continuam nos seus cargos sem o menor pejo); ou 
  • membros dos mais altos cargos executivos da nação (para não falarmos da omissão uníssona, unânime, das esferas inferiores dos mesmos escalões do poder nos Estados membros e municípios). É que eles são parte disso tudo, e o pior cego é o que não quer ver.
Ocorre, entretanto, que “nem tudo está como dantes, no quartel-general de Abrantes”, como diria o espião de Napoleão Bonaparte em terras lusitanas. As labaredas de uma repulsa popular estão cada vez mais intensas. 

Isto se constata na sofisticada Paris (a mesma Paris dos imigrantes suburbanos desempregados), com jovens a ocuparem as praças em assembleias populares, evocando os chamados situacionistas de maio de 1968 e lendo Guy Debord; nas multidões que repudiam os políticos em suas manifestações, como no Brasil; nas iniciativas solidárias de muitos diante da insensibilidade governamental com os imigrantes que morrem aos milhares nos mares; em movimentos como OWS - Ocuppy Wall Street nos EUA, black blocs na Alemanha e alhures, indignados na Espanha; na retomada dos movimentos anarquistas na Grécia; no Greenpeace, etc. 

Por não terem uma coesão de pensamento consciente no sentido de uma ação unificadora sobre o que fazer, ainda que saibam perfeitamente o que não podem nem devem aceitar, eles promovem um ativismo cego que corre o risco de se desmanchar sem resultado prático como espumas de ondas gigantes na praia, caso não encontrem uma teoria revolucionária consistente e unificadora que os oriente para uma práxis emancipatória.

Entretanto, a insensatez dos acomodados donos do poder, insensíveis ao fogo que os rodeia, persiste; eles fingem que tudo funciona muito bem e dentro da normalidade institucional. Surpreender-se-ão com a ocorrência do que consideram um improvável tsunami, quiçá sob a forma emancipatória e não sob a forma da barbárie social (já em curso) ou da hecatombe nuclear.

A cegueira é geral. Políticos de oposição clamam por mais empregos; políticos da situação prometem que reduzirão os índices de desemprego; sindicatos, em tempos de desemprego estrutural, barganham pela mísera preservação do emprego e até apresentam reduções salariais como vitória; empresários e banqueiros se desesperam pelos custos das demissões de empregados e pelo fato de saberem muito bem que somente ganham dinheiro a partir do trabalho abstrato, ora em declínio, então clamam pela impossível retomada do desenvolvimento. 

Mas, infelizmente para todos eles, é irreversível a curva do desemprego maior do que o surgimento de novos nichos de produção e serviços que possam produzir novos empregos. Se o trabalho dignifica o homem, como se diz comumente no jargão que positiva a escravidão indireta do trabalho assalariado, como fica a dignidade de um trabalhador demitido que já não encontra um novo posto de trabalho e tem uma família para sustentar? Torna-se, por isso, um indivíduo indigno? Os conceitos falidos da sociedade mercantil rodam em falso e são desmistificados.

Com o fim do trabalho, vem o fim da sociedade mercantil; com o fim da sociedade mercantil vem o fim da política, do Estado e de suas instituições; e com o fim disso tudo vem o fim da sociedade da exploração? A resposta afirmativa a essa indagação pode representar a grande ruptura emancipatória; a sua negação significará a barbárie. Infelizmente, ainda, todos os acomodados senhores do mundo e os inconscientes trabalhadores explorados clamam em uníssono: trabalhotrabalho, trabalho!

Mas há vida fora do mercado. Aliás, num futuro não muito distante, somente poderá haver vida fora do mercado, pois a lógica do sistema produtor de mercadoria atingiu o seu limite de expansão, e faz água. O dinheiro atualmente promove um travão no fazer, e aquela certeza antiga de que só se faz alguma coisa com dinheiro, transformou-se no seu inverso: somente se produzirá se superarmos o dinheiro. Isto porque só existe uma fonte de produção de dinheiro válido: o trabalho abstrato produtor de valor, e como ele se tornou supérfluo, a mediação social pelo dinheiro se tornou impossível.

Um modelo societário no qual as atividades humanas de produção de bens servíveis ao consumo se destinem apenas à satisfação das necessidades humanas, e não à produção de valor, superando o atual estado de coisas, nunca foi tão urgente e necessário. (por Dalton Rosado)

FALTA DE GRANDEZA E EXCESSO DE ESPERTEZA ESTÃO NOS CONDENANDO AO GOVERNO TEMER

Por Randolfe Rodrigues
QUEM TEM MEDO 
DE ELEIÇÕES?

Além das superficialidades e dos escândalos que apontam soluções simples para problemas complexos, a verdadeira crise que o Brasil experimenta é a de representação. O governo não governa, o Parlamento não legisla nem fiscaliza e o povo não é chamado a decidir.

Do ponto de vista econômico, os anos de bonança, animados pela alta das commodities, deram lugar à carestia desenfreada, com profunda recessão e quebradeira de empresas - só no varejo, em 2015, quase 100 mil empreendimentos fecharam-, acarretando o desemprego em massa.

A opção neoliberal do segundo governo Dilma a afastou de sua plataforma eleitoral, agravou os gargalos na infraestrutura do país, enfraqueceu a competitividade e acentuou o atraso tecnológico, com graves reflexos na produtividade. A economia parou.

No plano institucional, o eclipse total do diálogo levou a presidente da República e o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, a atuarem não como chefes de poderes independentes, mas como comandantes de tropas inimigas.

Enquanto Dilma se mostrava incapaz de reagrupar a base e dialogar com o Congresso, Cunha passava a trabalhar para restringir a mobilidade do governo, usando para isso manobras regimentais sucessivas. Asfixiado, o Palácio do Planalto capitulou, demonstrando que aquilo que parecia o ocaso de um governo era, de fato, o réquiem do presidencialismo de coalizão.

No plano político, os escândalos de corrupção envolvendo a maioria dos partidos e líderes da situação e oposição descredenciaram o maniqueísmo e, com ele, uma saída a frio para a crise. O impasse não será resolvido se ignorarmos o desejo de participação da ampla maioria da população. O dique está prestes a ser rompido.

O que vem das ruas é a rejeição de um modelo. Pesquisa Datafolha divulgada no dia 9 mostrou que 61% da população quer afastar Dilma da Presidência. A destituição de Michel Temer é desejada por 58%. A rejeição ao vice-presidente consegue a proeza de unir os movimentos favoráveis e contrários ao impeachment.

A revista The Economist de 21 de abril, dia de Tiradentes, diz que o Brasil sofreu "grande traição", tanto pela presidente Dilma quanto pela classe política. A reportagem fez lembrar a célebre frase de Leonel Brizola: "A política ama a traição e abomina o traidor".

Reconhecendo a fragilidade do governo e a iminência do impeachment, a revista britânica afiança que Temer "dificilmente será percebido como alguém com legitimidade para governar o país".

O eco das ruas que atravessou o Atlântico anima juristas e políticos de diferentes vertentes. Durante palestra, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa defendeu a consulta popular. "Organizem eleições, deixem que o povo resolva", conclamou.

Com Dilma e Temer sem o apoio das ruas e Cunha, o terceiro na ordem de sucessão, prestes a experimentar o frio do cárcere, fica claro que um problema excepcional exige uma solução excepcional, proporcional à gravidade do momento: novas eleições.

Em resposta ao impasse político, um grupo de senadores apontou para o futuro e assinou a Proposta de Emenda à Constituição 20/16, que prevê excepcionalmente uma eleição presidencial simultânea às eleições municipais de outubro.

O voto direto como forma de superar a crise já ganhou as manchetes internacionais, o parecer de juristas renomados e a opinião majoritária das ruas. O que falta, então, para o eleitor ser chamado a decidir quem deve governar a nação?

As eleições diretas estão para a democracia como a água benta está para o rito católico: purifica a matéria, espanta o mal e potencializa os efeitos positivos da oração.

Só os agentes das sombras podem temer a luz das urnas.

MEU COMENTÁRIO –  O senador Randolfe Rodrigues, da Rede Sustentabilidade, faz uma defesa convincente da realização de uma nova eleição presidencial para conferir credibilidade àquele(a) que substituirá a agônica Dilma Rousseff. 

Mas, não bastam os pequenos partidos para viabilizarem a aprovação de tal PEC. Sem o poder de fogo do PT, não conquistarão as ruas nem votos suficientes dos congressistas (três quintos do Senado e da Câmara Federal).

Há uma corrente no PT propondo que, antes da data fatídica de 11 de maio, quando ela será afastada, Dilma também envie ao Congresso sua PEC.

Mas, existe um problema de timing; isto está sendo cogitado com um atraso terrível. Na 6ª feira, 15, dois dias antes da votação do impeachment na Câmara Federal, eu já dava como favas contadas que ele seria aprovado e propunha (neste artigo) o seguinte roteiro:
  • renúncia de Dilma tão logo o impeachment seja aprovado na Câmara;
  • na mensagem derradeira, exortação de Dilma a Temer, no sentido de que renuncie também e dê ao povo brasileiro a possibilidade de escolher alguém em quem realmente confie para conduzi-lo neste momento dramático da vida nacional, pois até as pedras sabem que os eleitores votam em presidentes e não dão a mínima para quem seja o vice;
  • imediata adesão do PT e outras forças de esquerda à campanha por uma nova eleição presidencial, revivendo o espírito das diretas já.
Já se passaram 11 dias desde que a derrota de Dilma tornou inevitável o seu afastamento temporário e muito provável, adiante, a perda definitiva do mandato. Isto é uma eternidade na política.

Outro complicador é o de que, se ela não renunciar, não se estará oferecendo uma opção nítida aos brasileiros. Haveria, paralelamente: 
  • uma presidente afastada, à espera do veredicto definitivo do Senado; e 
  • uma mobilização no sentido de que se antecipasse a eleição presidencial para outubro.
Pareceria ao cidadão comum uma tacada do PT para ter uma chance de recuperar o poder pela via eleitoral, sem abrir mão da tentativa de convencer um terço dos senadores a devolverem a presidência da República a Dilma. Afora a incongruência de, após tanto haver martelado a fábula do golpe, estar admitindo o encurtamento do mandato da dita cuja (o que, para quem engoliu sua propaganda enganosa, equivaleria a uma contribuição do PT para o sucesso do golpe...).

Ou seja, havendo suspeita de tratar-se de um pulo do gato, a chance de a nova diretas já vingar seria praticamente nenhuma. 

Finalmente, devemos considerar os fatores Dilma e Lula.

Ela já se resignou a desocupar o Palácio, mas faz planos e mais planos (périplos gato-por-lebre inclusos) para chegar à votação decisiva, provavelmente no 4º trimestre, com o apoio de 28 dos 81 senadores, o suficiente para ser reempossada. 

Então, por mais que isto implique o alongamento da agonia a que estão submetidos os brasileiros, com a recessão atingindo os píncaros e o desemprego tangendo cada vez mais trabalhadores para o desespero e a penúria, temo que Dilma vá acalentar tal ilusão até o mais amargo fim, não se dispondo de maneira nenhuma a renunciar.

Quanto ao Lula, as informações de bastidores são de que resiste à ideia da nova eleição (terá sido mero acaso o fato de, depois de discutir o assunto com ele, Renan Calheiros haver deitado falação contra tal possibilidade?).

Eu diria que a aposta de Lula seja a seguinte:
  • deixar que Dilma despenque de uma vez por todas, para que a impopularidade dela não continue contaminando a popularidade dele (ainda alta), com enorme risco de atrapalhar seus planos para 2018;
  • deixar que Temer assuma, para fazer do governo dele o espantalho contra o qual o PT, encabeçando a oposição, poderá unir a esquerda.   
Enfim, a falta de grandeza de uma e o excesso de esperteza do outro tendem a fulminar aquela que seria a melhor opção para o povo e a democracia brasileira. Melancolicamente. (por Celso Lungaretti)

quarta-feira, 27 de abril de 2016

CAIU A FICHA: DILMA PREPARA A DESOCUPAÇÃO DO PALÁCIO.

A manchete principal do UOL nesta tarde de 4ª feira confirma o que venho dando como favas contadas desde o domingo do impeachment, mas muitos não queriam acreditar, tomando por mera torcida o que era uma conclusão inescapável para um veterano da 
política e do jornalismo.

DILMA ADMITE A ALIADOS QUE 
AFASTAMENTO SE TORNOU "INEVITÁVEL"
.
A presidente Dilma Rousseff admitiu a aliados que seu afastamento temporário da Presidência se tornou "inevitável" e decidiu traçar uma agenda para "defender seu mandato" e impedir que o vice Michel Temer "se aproprie" de projetos e medidas de seu governo.

Chancelada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a estratégia tem o objetivo de manter a mobilização da base social do PT e reproduzir o discurso de que Dilma é "vitima de um golpe" e que um eventual governo Michel Temer é "ilegítimo".

A presidente pediu à sua equipe para "apressar" tudo que estiver "pronto ou perto de ficar pronto" para ser anunciado antes de o Senado aprovar a admissibilidade do processo de seu impeachment, em votação prevista para o dia 11 de maio, o que vai resultar no seu afastamento do cargo por até 180 dias... etc.

TORTURAS DOS ANOS DE CHUMBO: "A VERDADE QUE MENTES ENTORPECIDAS NÃO QUEREM VER ESTÁ BEM DEBAIXO DO NARIZ".

Por Apollo Natali
OS DESMEMORIADOS

tempo é o assassino da verdade.

É necessário nos tornarmos farejadores da verdade o tempo todo.

Na exacerbação de ânimos que hoje acomete as massas pela derrubada da presidente Dilma, a barbárie da tortura da ditadura militar no Brasil é louvada, aqui, ali e acolá; e, estupidamente, também no Parlamento por aqueles que ainda se nutrem dos resquícios daquilo tudo.

O próprio papa Francisco, quando ainda não era papa, contemporizou com a tortura aos que combatiam a ditadura: “Eles [os resistentes] também foram violentos”, disse, na Argentina do tempo dos ditadores, o então cardeal, repetindo o mantra que ontem e hoje imanta as opiniões a respeito da barbárie.  

Eis mais uma das incontáveis mesmices desmemoriadas a voejar por aí: lamento profundamente que ele tenha sido torturado –disse-me um amigo advogado a respeito de um amigo torturado– mas também lamento que o grupo ao qual ele citou - não sei se fazia parte, espero que não, a VPR, tenha cometido sequestros (cite-se aqui o dos embaixadores da Suíça e do Japão), roubos a banco ("expropriações"), assaltos armados a inocentes, atentados terroristas a bomba a quartéis generais, tortura e assassinatos (cite-se aqui o de Mario Kozel Filho, soldado de apenas 18 anos, que teve seu corpo despedaçado por um carro-bomba lançado pelos terroristas da VPR). Tudo isso comprovado pela História. Crimes que fazem qualquer bandido sanguinário de atualmente parecer bonzinho
Bolsonaro: um patético fã de torturador.

Portanto, não eram coitadinhos, muito pelo contrário: eram guerrilheiros armados, como as FARC, por exemplo, lutando por uma ditadura comunista. Talvez por serem bandidos da pior espécie, tenham sido torturados. Nada justifica a tortura, que fique claro. Mas também nada justifica essas atitudes da VPR  - se fosse hoje, mesmo com a lei frouxa do Brasil, esse grupo e todos os seus participantes seriam presos até o fim de suas vidas.

Ouçam, caro amigo advogado e outros repetidores de argumentos desguarnecidos de memória:  há homens que se curvam às relações de domínio entre as pessoas e há defensores da humanidade que não se curvam. Esses foram, por exemplo, os abolicionistas. Esses foram, por exemplo, os torturados de 64. Esses foram os que pegaram em armas contra a tirania, numa guerra desigual. Multidões se curvaram diante dos ditadores de 64. Alguns poucos, não. Nessa guerra o lado mais forte se esbaldou em derramar sangue.

O melhor que posso fazer –escreveu Barack Obama, sentindo-se em uma emboscada no esforço de entender os problemas do mundo–  é lembrar que foram idealistas resolutos que perceberam que o poder não concederia nada sem luta. Lembrar que o debate e o controle constitucional podem muitas vezes ser um luxo dos poderosos e que algumas vezes os excêntricos, zelotes, profetas, agitadores e inflexíveis – os absolutistas, em outras palavras, foram os que lutaram por uma nova ordem.
      
Sim, a História mostra que o estraçalhai-vos uns aos outros é da condição humana.

O horror é nosso.
Ustra: nada além de um genocida.

Arrepiem-se ainda hoje aqueles turistas que contemplam caprichosos instrumentos de maus tratos demoníacos na cidade de Toledo, na Espanha, berço da Inquisição. O museu é exposto próximo à catedral de Toledo. Nesse presépio tétrico próximo ao sagrado eram imobilizados para as cerimônias de esquartejamento e outros pormenorizados ingredientes sangrentos nada menos do que seres ditos criados à imagem e semelhança de Deus. Ah, mas eles não eram cristãos. Ah, mas os combatentes da ditadura de 64 não eram coniventes com o regime estripador de 64;

Vivo a farejar a verdade sobre a tortura-64. Vivo a farejar a verdade sobre a tortura e os estripamentos da civilização-64. Insisto em aspirar fundo a verdade desse buraco negro. Sou repetitivo. Já disse e vou dizer sempre: o verdadeiro jornalista não é de direita nem de esquerda nem do centro nem do alto nem de baixo.O verdadeiro jornalista é um cão farejador. O cão guardião da espécie humana. O verdadeiro jornalista fareja a verdade.  Estou a farejar a verdade sobre a tortura-64. Nesse buraco negro busco ser um verdadeiro jornalista.

A verdade que mentes preguiçosas e entorpecidas não querem ver está bem debaixo do meu nariz, do teu nariz.  

Mamãe me bateu!

Choram os torturados, mas choram como uma criança que não entendeu porque apanhou da mãe. Mamãe me bateu!

Caros chorões, farejem a verdade, queridos. Em seus projetos de ganhar o mundo, os EUA derramaram rios de sangue. Profissionalizaram a tortura. Ensanguentaram a América Latina e outros rincões. A prática de tortura era o ar que respiravam os estrategistas da semeadura de ditaduras brutais e corruptas.

Uns poucos se rebelaram no Brasil contra o assalto global. Não os chame de terroristas, caro amigo advogado e repetidores de mesmices desmemoriadas.

Chame-os, aos que tiveram a assombrosa coragem de pegar em armas contra a tirania, de defensores da liberdade e da justiça.
       
Farejar imperdível: As flores brancas do Tio Sam (clique p/ abrir). 

O SONOLENTO STF

Na briga recente entre os poderes Executivo e Legislativo, falar em “ir até o Supremo” virou bordão. Agora, por conta de um espirro mal dado, uma conversa baixa numa sessão, alguém recorre à Suprema Corte, que mais parece uma assessoria dos demais poderes.

A morosidade nos julgamentos de políticos na última instância da Justiça brasileira torna-se o maior incentivo na luta para ser um cliente daquela Casa.

Numa entrevista de Marco Aurélio Mello, o ministro do Supremo Tribunal Federal, ao programa Roda Viva, o jornalista José Nêumane Pinto, de forma incisiva, disse que o ex-presidente Lula fizera uma escolha acertada ao tentar mudar o seu foro judicial para o Supremo Tribunal Federal, exatamente em razão dessa demora. Os acessos em redes sociais passam dos milhões.

O jornalista citou um processo envolvendo o ex-governador de Minas Gerais, Geraldo Azeredo, que ficara uma eternidade no STF e acabou sendo julgado rapidamente, depois que passou para a primeira instância.

Ainda citou um habeas corpus de um interessado de Santo André, no imbróglio da morte de Celso Daniel, que ficou engavetado por quase doze anos.

Para reforçar o argumento do jornalista, retirei do site do STF uma notícia de que em 31 de março último foi encerrado o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4013 que teria se iniciado em 2010. Essa ação ficou sendo julgada por seis anos.

Justificativas não faltam para rebater as críticas. A principal é o excesso de processos, já que tudo é constitucional no Brasil. Embora seja real, medidas precisam ser adotadas para acabar com essa eternização, que se tornou instrumento de felicidade dos políticos.

Outro exemplo dessa lentidão desmoralizante foi mostrado num recente programa Fantástico, sobre um acidente na Gameleira, em Minas Gerais, que está em tramitação há 45 anos – isto mesmo: quase cinco décadas! Sem julgamento. Paradinho... paradinho...

Várias medidas já foram implementadas ao longo dos tempos, visando tornar a Justiça brasileira mais célere e resolver alguns casos que ainda causam estupefação, mas as melhoras têm sido quase imperceptíveis. 

Devem existir interesses ocultos por trás da manutenção de tanta morosidade! São constantes as mudanças ou aprovação de novos códigos, de leis especiais; criação de várias justiças ou varas especializadas, súmulas vinculantes, repercussão geral. Essa salada de frutas, até hoje, não agilizou nada.

Já a implantação do processo eletrônico resiste. Este, sim, agilizaria os julgamentos de fato. Porém, a lei que o autoriza completa uma década neste ano. 

As principais barreiras de resistência são a manutenção de muitos cargos comissionados, cuja necessidade ocorre somente em razão da burocracia e da demora resultante da papelada. O complemento vem com desculpas, muito disfarce e com as gratificações comissionadas. Além de, vira e mexe, criarem novos cargos.

Para facilitar o acompanhamento pelos cidadãos, deveria ser criado um link no site do STF, no qual fosse relacionados a quantidade de processo de cada relator, o andamento de todos, as principais diligências e, principalmente, a data de início. Isso para que o cidadão possa acompanhar, independentemente de saber números, nome de parte, enfim, dados dos processos de seu interesse. Como instituição pública que é, o interesse pelo acompanhamento é difuso, é de todos, indistintamente.

Haveria necessidade de uma publicidade mais ampla dos processos que envolvessem políticos com prerrogativa de foro, clientes cativos dessa Corte Suprema.

Há uma dissociação entre a condição da Suprema Corte como “o último pilar da democracia”, condição jubilada por Marco Aurélio Mello, e o seu desempenho sonolento nos julgamentos. Precisa caminhar para se tornar um referencial para os demais órgãos da Justiça. (por Pedro Cardoso da Costa, advogado)

terça-feira, 26 de abril de 2016

PARADOXO: A ESQUERDA CHORA POR UM GOVERNO QUE NÃO FOI DE ESQUERDA.

LÁGRIMAS DA ESQUERDA
O que me surpreende nessa novela do impeachment é que a esquerda ainda defenda a desastrada gestão de Dilma Rousseff.

O governo do PT meteu-se com esquemas pesados de corrupção e mostrou-se administrativamente incompetente. Alega-se que Dilma, como pessoa física, é honesta –com certeza mais honesta do que muitos dos que agora a condenam. Não duvido. Mas isso é muito pouco para transformá-la num modelo de virtude cívica. 

Ou bem a presidente é uma tonta, que não viu que pessoas ligadas ao partido e ao governo estavam se locupletando, ou então foi conivente com a corrupção. É verdade que os esquemas já existiam antes de ela chegar ao Planalto, mas a posição virtuosa aqui teria sido a de detoná-los publicamente, não tolerá-los em nome da governabilidade.

Para tornar o quadro ainda mais dramático, acho complicado até mesmo afirmar que as administrações do PT buscaram implementar políticas de esquerda. Parece mais preciso descrevê-las como populistas. Enquanto os ventos sopraram a favor, elas distribuíram benesses para todos –muito mais dinheiro foi destinado para empresários do que para os pobres, registre-se.

Em 13 anos de governos petistas, pautas históricas da esquerda, como o direito ao aborto e a descriminalização das drogas, foram tratadas como tabu pelo Executivo. O PT tampouco hesitou em sacrificar bandeiras que lhe eram caras, como a educação sexual nas escolas, sempre que seus aliados religiosos chiavam.

O caso do sindicalismo chega a ser grotesco. Nada foi feito pra implementar a convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho, aprovada no longínquo ano de 1948, que estabelece a liberdade sindical e que era defendida com unhas e dentes por Lula e pela CUT até chegarem ao poder.

Se há alguém que não deveria derramar nenhuma lágrima pelo governo Dilma, é justamente a esquerda.

MEU COMENTÁRIO  Desta vez, o filósofo Schwartsman acertou na mosca. Não há nada, absolutamente nada, a contestar. Permito-me, apenas, acrescentar una cosita y otra cosita...

O pecado original do Partido dos Trabalhadores, do qual derivaram quase todos os outros, foi cometido em 2002, quando o Zé Dirceu se reuniu com os donos do Brasil e, em nome do Lula, pactuou com eles: se dessem o consentimento e as bençãos para o PT finalmente chegar à Presidência da República, a política econômica que os favorecia seria mantida e seus interesses sempre priorizados. 

João Goulart fez concessão semelhante em 1961: como vice, tinha o direito de assumir a presidência com poderes plenos quando da renúncia do titular (Jânio Quadros), mas aceitou que estes fossem limitados pela introdução do parlamentarismo em setembro daquele ano. Depois, contudo, convocou um plebiscito e o presidencialismo foi restabelecido em janeiro de 1963.

Lula, pelo contrário, resignou-se a ser presidente pela metade até o último dia dos seus sucessivos mandatos: obedecia ao grande capital na tomada das decisões macroeconômicas  e só tinha autonomia para gerir as miudezas do varejo.

Isto explica a postura, bizarra para um partido de esquerda, de possibilitar que os bancos lucrassem como nunca ao longo dos seus governos. E o pior foi que ele próprio o reconheceu, na cara dura, ao queixar-se da ingratidão dos banqueiros!

Mesmo sendo um período bom para as commodities brasileiras, não havia o suficiente para satisfazer a gula insaciável dos ricaços, dar algumas migalhinhas a mais para o povão e melhorar a vida da classe média. Lula optou pelos extremos: agradou àqueles a quem deveria servir para continuar no poder e àqueles que enchiam as urnas com votos para o PT. Mandou a classe média às urtigas.

A consequência foi esta, segundo o prefeito petista de São Paulo, Fernando Haddad: 
"...os ricos se tornaram mais ricos, os pobres se tornaram menos pobres e uma certa classe média tradicional viu sua posição relativa em relação a essas duas outras camadas prejudicada. A classe média perdeu status. Os ricos se distanciaram e os pobres se aproximaram".
O que Lula não levou em conta, com seu tosco pragmatismo, é ser a classe média o contingente do qual brotam os formadores de opinião (além de ser também importante para os partidos de esquerda como celeiro dos seus quadros dirigentes). O preço de haver colocado a classe média acentuadamente contra si foi a perda das ruas a partir de 2013 e o gradativo convencimento dos mais pobres, de que o governo não prestava.

O estelionato eleitoral de 2014 e a agudização da crise econômica deram aos novos líderes da classe média os argumentos que lhes faltavam para moldar a opinião do povo, no sentido de que a grande culpada por sua penúria era Dilma. Isto feito, a consumação do impeachment se tornou mera questão de tempo.

Mais do que qualquer tramoia sinistra ou golpe inverossímil (pois o episódio atual é idêntico ao de 1992, que não foi considerado pelo povo nem passou à História como golpe), a queda iminente de Dilma se deve à descaracterização do PT, que quis porque quis gerenciar o Brasil para os capitalistas, mesmo que isto implicasse sua total descaracterização como partido de esquerda.

De que outra forma podemos avaliar o abandono da luta de classes, trocada pela conciliação de classes? Ou o fato de ter deixado de encarar a burguesia como a grande inimiga a ser derrotada, enquanto a vacilante classe média poderia, pelo menos em parte, ser conquistadaPara qualquer marxista digno deste nome, é totalmente estapafúrdia a proximidade maior com o inimigo de classe do que com os segmentos intermediários da sociedade.

Mas, se o petismo é inescrupuloso e desastroso em termos estratégicos, tem enorme habilidade para manipular seguidores por meio da mais falaciosa propaganda enganosa, seguindo as pegadas de Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda do Reich nazista. Foi o que se viu na eleição presidencial de 2014 e é o que está se vendo agora.

Então, já sem esperança nenhuma de reverter a derrubada de Dilma, consegue, com a fábula do golpe, fazer passarem por tragédia as agruras de um governo que está, meramente, caindo de podre. 

É do que precisa para tentar manter sua hegemonia na esquerda face aos questionamentos que inevitavelmente advirão do seu retumbante fracasso. 

Se a empulhação colar e o processo de crítica e autocrítica deixar de ser levado às últimas consequências, não haverá o imprescindível saneamento e renovação, a chamada refundação da esquerda, mesmo que os caminhos populistas e reformistas a tenham conduzido ao fundo do poço. A opção revolucionária não será retomada e a luta de classes vai continuar sendo lembrada apenas como relíquia do passado.

Será a marcha para a irrelevância. (Por Celso Lungaretti)
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