domingo, 20 de março de 2016

RUI MARTINS: "O AUTOGOLPE DE DILMA".

Rui Martins é editor do Direto da Redação
O que já era dramático virou trágico. A política brasileira virou um ringue e a presidente Dilma, que durante meses vinha resistindo aos rounds, de repente, cansada ou distraída, tomou uma direta no queixo, quase mordeu a língua e perdeu por nocaute técnico.

O PT vinha alertando o povo quanto à iminência de um golpe e o golpe realmente ocorreu, mas foi detonado não pela oposição e sim pela própria presidente, ao nomear seu Pigmalião Lula como chefe da Casa Civil, numa tentativa de protegê-lo contra a prisão, como todos puderam comprovar ao ouvir uma sua conversa com o ex-presidente, grampeada por um juiz inédito na história jurídica brasileira.

Ao defender e querer salvar Lula, de quem vinha marcando distância desde sua posse com um Ministério neoliberal, Dilma acabou se molhando e pode até ser processada. Foi um verdadeiro autogolpe ou gol contra.

A ação foi dolosa e durante a encenação desse autogolpe seus inimigos aproveitaram para montar o impeachment, programado para o mês de abril. Como as manifestações da 6ª feira (18) foram bem menores que as do domingo (13), as portas do Planalto vão se abrir para o vice-presidente, exceto se o TSE decidir impugnar a vitória da chapa Dilma-Temer e provocar novas eleições, nas quais Lula não poderá provavelmente participar. Seria uma sábia maneira de se evitar confrontos.

O clima é de caos porque se a causa da crise é corrupção, os autores do impeachment também são corruptos. Se os evangélicos conseguissem levar Cristo para Brasília e ele adaptasse sua célebre frase ao momento atual, dizendo  "quem nunca roubou atire a primeira pedra", essa história ia acabar numa abençoada pizza, com todos se desculpando, se abraçando e prometendo uma alternância na sangria das estatais e do dinheiro público.
"As portas do Planalto vão se abrir para o vice-presidente"

Maluf, Cunha e Lula iriam até Curitiba propor uma boa comissão ao Moro, porque afinal ninguém é de ferro. E acabaria essa história de delações e processos seletivos –  "se os tucanos fizeram por que nós não podemos?".

E o Brasil nisso tudo, enlameado e ridicularizado aqui fora no Exterior, tem algum peso? Não, não tem. 

Releiam todo noticiário publicado desde meados de 2014, quando começou essa história da Lava-Jato, e procurem se algum desses tristes personagens se preocupou com isso. 

Não, absolutamente. Eles estão preocupados com seus mandatos, suas contas bancárias em paraísos fiscais, suas comissões ou com a manutenção de seus partidos no poder.

Existe algum combate ideológico nesse caos? É o combate da esquerda contra a direita, como dizem os petistas? Nada disso, o que se vê é um mero incentivo ao culto pessoal, mesmo porque, é bom lembrar, o governo Dilma se elegeu sem ter apresentado um programa.

E por que? Porque se os discursos e a publicidade lançada pelo marqueteiro João Santana insinuavam um governo social, a candidata Dilma sabia que faria um governo neoliberal.

O governo de Dilma Roussef vai chegando ao fim e arrastando consigo a possibilidade de Lula retornar em 2018. Uma tragédia política para Lula, que chegara a obter o respeito e os elogios de toda a imprensa internacional e mesmo de chefes de Estado como o presidente Obama, dos Estados Unidos.
"Existe algum combate ideológico nesse caos?"

Uma tragédia também para a ex-resistente à ditadura militar, transformada em tecnocrata e retirada do anonimato por Lula para exercer o cargo de presidente, no qual não soube usar sua formação de economista, enfrentou uma crise internacional com a queda do valor das matérias-primas de exportação, viu seu partido e seu Pigmalião envolvidos no maior processo de corrupção da história brasileira e não soube também avaliar o tamanho da crise política na qual foi envolvida e acabou por se envolver.

"A REELEIÇÃO DE DILMA FOI FATAL PARA LULA E O PT"

De nada adianta o PT e seus filiados clamarem serem vítimas de um golpe porque ninguém mais neles acredita, muito menos a imprensa internacional depois das delações e revelações da Operação Lava-Jato, dando conta de uma corrupção desenfreada dentro da Petrobrás.

A reeleição de Dilma foi fatal para Lula e o PT, por terem utilizado de todos os artifícios de uma propaganda enganosa e de uma campanha insidiosa de destruição dos adversários, técnica que se voltou contra eles já na nomeação dos ministros e desde o primeiro dia de posse de Dilma, quando se confirmou a trapaça eleitoral. Levy e Kátia Abreu, lembram-se? Esse já era um golpe nos eleitores.

Tragédia igualmente para todos simpatizantes do lulismo e do petismo, quando começaram a ser reveladas as mazelas praticadas por petistas e membros da base aliada do governo com empreiteiros ainda antes da compra da refinaria de Pasadena. Os primeiros desacertos da política do governo Dilma mostraram o despreparo total do PT no poder, por não ter criado bases e infraestruturas já desde o primeiro governo de Lula. E por não ter se preocupado em dar cultura política e ideológica aos seus seguidores.
"Uma campanha insidiosa de destruição dos adversários"

Não houve um plano econômico consequente quando a distribuição da Bolsa Família permitiu fossem retirados da pobreza cerca de 20 ou 30 milhões de pessoas, utilizou-se apenas o mecanismo do consumismo e seu valor eleitoreiro, na crença de ser uma fórmula eterna, sustentada igualmente pela elevação progressiva do salário-mínimo.

O país não se industrializou, muito ao contrário, acreditou na perenidade nada ecológica do petróleo e projetava o futuro no pré-sal, embora as constantes punções da base aliada na Petrobrás acabassem por comprometer a própria Petrobras ao ocorrer a queda do preço do petróleo e das matérias-primas.

Embora alguns representantes da esquerda venham acusando a direita, como nos esquemas clássicos do passado, como responsáveis pelas quedas de Lula e Dilma, nada disso tem base concreta e nada disso corresponde à verdade.

Seria mais verdadeiro se falar em conservadores e aproveitadores, porque o governo simplesmente não é (não era) de esquerda, embora se vestisse e quisesse falar como de esquerda.

O PT embora não tivesse sabido criar uma imprensa própria, capaz de concorrer com a mídia já existente, criara em torno de si uma muralha de blogueiros, encarregados de sua segurança e publicidade, na verdade repetidores da direção do partido. Essa proteção excessiva acabou por contribuir para sua própria perda, por ter impedido aos seus próprios dirigentes uma visão geral do descontentamento popular.
"Não protegeu as reservas indígenas contra os posseiros"

Lula e Dilma falharam na política agrícola, não protegeram a saúde dos brasileiros dos produtos químicos das grandes multinacionais dos agrotóxicos. Cederam à Monsanto na questão dos OGM (organismos geneticamente modificados), mesmo quando os europeus preferiam receber produtos agrícolas brasileiros não geneticamente modificados. Lula e Dilma não realizaram a reforma agrária, esperada e sonhada desde os anos 60, quando se projetavam as reformas de base.

Não protegeram as populações indígenas contra os posseiros e deixaram a porta aberta para a revisão das reservas indígenas. A política do desenvolvimentismo fechou os olhos à necessidade do desenvolvimento sustentável, permitindo a continuação dos desmatamentos criminosos na Amazônia, massacres de indígenas ou desalojamentos de populações como os consequentes à Barragem de Belo Monte.

Embora tendo aberto maiores oportunidades com as cotas universitárias para afrodescendentes e indígenas, não há ao mesmo tempo uma proteção real para eles, vítimas constantes de massacres por policiais e posseiros.

Um recente relatório da ONU sobre tortura no Brasil confirma ser a tortura um método aplicado em todas as delegacias e prisões e a realidade de que os negros são sempre considerados e presos ou abatidos como culpados sem qualquer investigação prévia.
A tortura continua sendo amplamente praticada

A educação no Brasil não conseguiu se reerguer dos baixos níveis deixados pela ditadura militar, o setor da saúde pouco evoluiu.

A esquerda brasileira será estigmatizada pelos desvios dos governos petistas, mas uma parcela minoritária não vinha aprovando e não aprova as iniciativas do governo Dilma. Dentro do próprio PT, um setor também minoritário, não esconde suas divergências.

É falso falar-se em golpe, em luta entre direita e esquerda, trata-se de uma mera luta de uns pela conquista do poder, enquanto outros usam de tudo para permanecerem no poder.

4 comentários:

Vitorio Malatesta disse...

Uma análise completa.Depois de lida, arquivar e reler no futuro para saber o momento político que ora estamos vivendo.

Não conheço nenhum pequeno e médio, comerciante, industrial que aprecie os banqueiros. Talvez os grandes empresários,que tem muita sobra de caixa para aplicar; pois estão lucrando com as maiores taxas do planeta do que produzir parafusos.

O povo pobre, a classe média, que se utiliza de créditos bancários com juros escorchantes têm em conta que os banqueiros são os maiores parasitas em qualquer lugar do mundo.

E não é que a genial Dilma, assessorada sabe lá por quem, convidou o presidente do maior banco [Bradesco] para ser ministro da economia.Este recusando foi acatada sua sugestão de nomear um de seus office-boys, o Levy.

Deu no que estamos vendo; a derrocada do PT. Melhor assim. Vindo o impeachment, cassação, desaparecem do cenário político Lula e sua criatura Dilma e, talvez, nas lutas que virão contra mais arrocho, surjam, apareçam os líderes autênticos do povo.

SF disse...

Celso,
Só faltou o articulista dar-lhe o devido crédito.
Ele repetiu tudo o que você vem escrevendo a meses.

celsolungaretti disse...

O Rui é um estimado companheiro jornalista que fiquei conhecendo na luta pela liberdade do Cesare Battisti. O que existe são afinidades entre nós, neste e em muitos outros assuntos.

De resto, ele reprova no PT o abandono do verdadeiro leque de bandeiras da esquerda que ele destalhou, pois tudo isso é importante para ele.

Não deixo de concordar, mas a minha visão é característica de quem já foi militante e estudou o marxismo a fundo. Segundo o velho barbudo, o que realmente define um governo é sua política econômica e a qual classe tal política atende.

Eu só não sou completamente ortodoxo neste sentido porque a vida me ensinou a conferir à liberdade tanta importância quanto à justiça social.

O motivo principal da minha oposição ao PT é ter abdicado da revolução e se tornado um partido meramente reformista. Isto, para mim, vem antes de tudo, pois não vejo possibilidade nenhuma de solução dos grandes problemas brasileiros sob o capitalismo. Portanto, quem é de esquerda mas compactua com o capitalismo está, no meu entender, traindo a causa dos explorados, pois ajuda a burguesia a iludi-los e e a fazê-los contentarem-se com migalhas.

A visão do Rui é COMPLEMENTAR à minha. E posso lhe garantir que chegou a ela em função de suas próprias experiências, assim como eu. Somos amigos porque temos sensibilidade semelhante; é compreensível que nossas conclusões também o sejam.

Valmir disse...

agora...pensando sobre o critério com que de dividem os brasileiros em esquerda e direita..só consigo achar paralelo nas peladas de domingo em que os times são formados por casados e solteiros, com e sem camisa..e por aí a fora. Mesma "lógica".

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