quinta-feira, 24 de março de 2016

AYRES BRITTO: "A PRESIDENTE TEM QUE SE LEGITIMAR O TEMPO TODO. SE SE DESLEGITIMA, PERDE O CARGO".

Nas entrelinhas, Britto critica péssima decisão de ...
Sempre me lembrarei de Carlos Ayres Britto como o ministro honrado do Supremo Tribunal Federal que salvou Cesare Battisti da extradição e o Brasil de reincidir na infâmia praticada pelo STF e Vargas ao entregarem Olga Benário aos nazistas.

Tanto nós do comitê de solidariedade, quanto os principais defensores (seja por convicções ou por mercenarismo) dos interesses de Berlusconi, trabalhávamos com a hipótese de que Lula deixaria o Supremo extraditar Battisti caso o fizesse por conta própria, mas negaria a extradição se ele, Lula, tivesse de dar a última palavra.

Ayres Britto, contudo, noutras situações se posicionara no sentido de que o STF autoriza a extradição, mas quem a decide é o presidente da República, condutor das relações internacionais do País. E não era homem de desdizer o que afirmara no passado.
...Teori Zavascki.

Mendes fez pressão violentíssima para que o Supremo descartasse a prerrogativa presidencial, jogando no lixo a jurisprudência. Ayres Britto, que deu o voto decisivo para que, por 5x4, fosse rechaçado tal casuísmo, manteve-se sereno e firme ante os berros de um Gilmar Mendes visivelmente transtornado face à iminência da derrota. 

Sem a estridência de Marco Aurélio Mello e Joaquim Barbosa (os que mais incisivamente confrontaram os inquisidores Mendes, Peluso e Lewandowski), mas com uma dignidade insuperável.

É com a mesma dignidade que, numa entrevista publicada nesta 5ª feira (24), ele dá uma verdadeira aula de Direito --embora, na verdade, apenas reitere o que as pessoas alfabetizadas e honestas já estavam carecas de saber.

No entanto, a desonestidade grassa. E a própria presidente da República, manchando indelevelmente sua biografia, aderiu à demagogia goebbeliana de tratar como golpe o que não passa do exercício de um direito constitucional.
Quem jamais podemos imitar

Ayres Britto detonou definitivamente tais falsidades convenientes. E, embora várias vezes eu já tenha escrito e afirmado que, pessoalmente, prefiro a cassação da chapa presidencial pelo TSE ou a renúncia conjunta de Dilma e Temer, para que seja convocada nova eleição no prazo de 90 dias, fico profundamente indignado ao ver pessoas ditas de esquerda mentindo descaradamente para o povo a fim de o manipular. 

Existimos para libertar os explorados da dominação capitalista e ajudá-los a assumir o protagonismo político, não para tangê-los como boiada na direção que nos convém.  Daí eu fazer questão de sempre desmascarar essas falácias.

O processo de impeachment está previsto na Constituição. É possível falar em golpe caso isso ocorra?
Toda previsão constitucional pré-exclui a possibilidade de golpe. Golpe é fratura da Constituição, é querer empurrar uma solução goela abaixo da população.

A democracia brasileira não conhece o recall, que é o arrependimento eficaz do eleitor; também não temos o parlamentarismo, que permite a substituição de governo; então, é preciso prever casos de destituição do chefe de Estado.

Em quais casos essa destituição do chefe de Estado pode ocorrer?
A presidente pode perder o cargo, por exemplo, em processo de impeachment, em ação penal comum, em ação de improbidade administrativa. Nada disso é golpe.

Segundo a Constituição, a legitimidade de um presidente depende de dois fatores: da sua investidura e do exercício do cargo. A investidura é a voz das urnas, mas ela não é suficiente. Há também o exercício, a presidente tem que se legitimar o tempo todo. Se se deslegitima, perde o cargo, nos casos dos artigos 85 e 86 da Constituição.
"A presidente tem que se legitimar o tempo todo"

Mas é fundamental não preterir o contraditório, a ampla defesa –que não é curta–, o devido processo legal. A pureza dos fins e a pureza dos meios estão enlaçados umbilicalmente, não se pode romper o cordão umbilical nesses casos.

O senhor acha que pedaladas fiscais cometidas no primeiro mandato são válidas para que a presidente perca o segundo mandato?
Esse é um tema polêmico. Quando a Constituição Federal foi escrita, não havia reeleição. Seu pressuposto é um crime de responsabilidade, o artigo 85 tem o verbo no presente: "que atentem contra", não que atentaram. Ele visa a destituição do cargo. Se Dilma não fosse reeleita, seria processada por crime de responsabilidade? Não, ele se refere ao mandato atual, fluente, corrente.

Como o senhor avalia a atuação de Sergio Moro nos julgamentos da Lava Jato?
Chegamos a uma centena de processos ligados a essa operação. É preciso separar o todo de cada um deles. Acompanho à distância e não vou falar sobre casos específicos, pois as informações mudam e nos levam a equívocos.

Pode ser que, em um processo, Moro haja incorrido em alguma inobservância de garantia constitucional, é possível. O conjunto da obra, porém, objetivamente, continua íntegro, hígido.

Segundo me consta, 96% dos recursos atacando suas decisões foram mantidos pelos tribunais superiores. Esse altíssimo percentual confere integridade ao todo.    

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