sábado, 4 de abril de 2015

9 DE MAIO DE 1964. ASSIM PRENDERAM MARIGHELLA, QUE LUTOU COMO UM LEÃO!

Uma das fotos tremidas de sua captura
"...No escuro do cinema [o cine Eskye-Tijuca, no qual os agentes Dops/RJ o cercaram e se preparavam para detê-lo], sentou-se para planejar a fuga. Já tinha escapado tantas vezes. Por que não dessa? Tinha que pensar rápido. Pela porta da frente não teria chance, e a saída lateral parecia temerária. 

Não ligou para o filme que arrancava gargalhadas do público infantil. Até que a projeção foi interrompida, e as luzes se acenderam.

O cinema não se ilumina por acaso, nem o projetor falha ou o projecionista se atrapalha na troca de rolos. A pane é uma farsa...

...Simulado o defeito na projeção, as luzes se acendem, e os caçadores vislumbram a caça.

De pé, por trás e pela direita de Marighella, sentado na cadeira, um policial ordena-lhe que o acompanhe. Outro cerca-o por trás, pela esquerda. À sua frente, o terceiro mostra a carteira com as iniciais do Dops. Tudo num instante. O quarto, ao lado do que dá a carteirada, agacha-se e aponta o revólver calibre 38. Marighella pensa que vai morrer e grita:
Depois de libertado, mostrando a marca do ferimento.
'Matem, bandidos! Abaixo a ditadura militar fascista! Viva a democracia! Viva o Partido Comunista!'
Não terminou, quando o agente dispara à queima-roupa. Ferido no peito, Marighella equilibra o corpo na perna esquerda e, com a direita, acerta um golpe que joga longe a arma. Outro chute destrói uma cadeira. Seus sapatos voam longe.

Os policiais o chutam e esmurram, ele não cai e retribui as agressões. Um gosto adocicado tempera sua boca. É o sangue que o empapa. No rosto, o sangue turva a visão, e Marighella tem a impressão de que enfrenta ao menos sete.

São oito, somam testemunhas. Não consegue ver a face dos tiras e nunca poderá identificá-los.

O tiro foi um, mas o sangue escorre por três perfurações. A bala entrou no tórax, saiu pela axila e se alojou no braço esquerdo. Marighella continua a lutar.

Como um leão, compara um dos contendores que tentam imobilizá-lo. Outro berra, encolerizado:
'Vermelho! Vermelho!'
Com a altercação, o público se vira, ouve o tiro e enxerga o clarão que ele acende... 

Dominado, com a camisa desabotoada e já sem o paletó ensanguentado, Marighella é puxado pelos policiais para fora do cinema. O fotógrafo do Correio da Manhã que passeia com a filha empunha a câmera, mas os policiais o ameaçam e impedem de registrar a cena. Corajoso, logra fazer algumas chapas, tremidas...

Quase na calçada, Marighella reconhece a camionete do Dops e decide: 'Não vou entrar no tintureiro'. É a expressão popular para os veículos da polícia destinados à condução de presos.

A resistência não tem fim. Empurrado, apoia as pernas no teto da viatura e não entra. Leva mais pontapés e socos. Já são catorze homens contra um. Ao cair, pisoteiam-no, e o corpo avermelha a calçada.

Transeuntes protestam. Os passageiros de um lotação os imitam e são corridos por policiais que surgem de todos os cantos. O secundarista Alcides Raphael, que assistirá à sessão das seis horas, estima em cinco minutos o tempo para o homem que luta sozinho ser embarcado — o Correio da Manhã cronometrou dez minutos de espancamento.

Marighella só para quando lhe acertam uma pancada na cabeça e ele desmaia.

Chega apagado ao Hospital Souza Aguiar. Policiais militares com metralhadoras esperam o tintureiro 964 do Dops. Ao deparar com o corpo imóvel, os médicos não sabem se está vivo ou morto. Tomam-lhe os sinais vitais e o socorrem.

Os plantonistas do maior pronto-socorro do país custam a crer que aquele cinquentão, ferido, encarou tantos policiais mais jovens. A bala atingiu a ponta da costela e por pouco não perfurou o apêndice xifoide, o que poderia ter lhe custado a vida. Com perda abundante de sangue, são incertas as perspectivas..." 

Trecho do prólogo de Marighella – o guerrilheiro que incendiou 
o mundo (Cia. das Letras, 2012, 744 pag.), a excelente 
biografia de Mário Magalhães.

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