quinta-feira, 30 de abril de 2015

"AJUSTAR PARA AVANÇAR". RUMO AO ABISMO?

O governo prepara uma campanha de propaganda para tentar convencer o povo das insuspeitadas virtudes do ajuste recessivo que lhe está sendo enfiado goela adentro. 

Vai jogar dinheiro no ralo, pois quem gosta de sofrer é masoquista. 

E a agência que produzir essas peças ignóbeis fará jus à frase célebre do José Celso Martinez Corrêa: "Os publicitários são filhos de Goebbels".

Também distribuiu internamente uma cartilha intitulada Ajustar para avançar. Faltou o complemento: como os caranguejos.


PRIORIDADE À EDUCAÇÃO NO PARANÁ DE BETO RICHA: OS PROFESSORES SÃO OS PRIMEIROS QUE APANHAM.


AINDA SOBRE A RENÚNCIA DE DILMA

Submeter-se à direita foi o erro mais desastroso de Dilma
Por que posto no blogue e remeto para meu mailing artigos como Exorto Dilma a um gesto de grandeza: a renúncia? Sei, de antemão, que textos polêmicos como este me acarretarão alguma rejeição e dificilmente vão evitar os desastres que já se vislumbram mas os atores políticos teimam em ignorar.

Respondo com outra pergunta: de que adiantaria haver passado a vida adulta inteira aprendendo a projetar e analisar cenários futuros, se não tivesse coragem para expor minhas conclusões?

Quando eu tinha 18 anos e Carlos Lamarca vislumbrou em mim uma insuspeitada aptidão para ser o primeiro comandante de Inteligência da VPR, colocou-me num rumo do qual jamais sairia. O que comecei a fazer como dever revolucionário, depois continuei fazendo tanto na defesa dos meus ideais quanto na vida profissional (a carreira jornalística). 

Então, por menor que seja a chance de alterar o rumo dos acontecimentos, considero que valha a pena apostar nela, independentemente dos benefícios ou prejuízos que advenham para mim. 

[Sempre vi a causa como maior do que as pessoas. E, por piores que sejam as perseguições movidas contra mim pelas burocracias insensíveis, jamais equivalerão às agruras pelas quais passou, p. ex., o grande Trotsky, que comandou a tomada de poder em 1917 e garantiu a sobrevivência da URSS nos campos de batalha. Quando um jornalista indagou quais eram seus sentimentos diante da usurpação dos seus louros históricos e o assassinato de seguidores e parentes, ele respondeu secamente: "Não conheço nenhuma tragédia pessoal". É um dos exemplos que me inspiram.]
O que podemos esperar de Levy? Sopa dos pobres?

Dois companheiros que recebem meus textos há anos pediram para ser excluídos da lista, solicitação que eu sempre atendo numa boa. Infelizmente, fizeram-no com extrema deselegância, como é moeda corrente na internet. 

O fracasso retumbante do stalinismo não impede que muitos até hoje sejam stalinistas em espírito, acreditando que na esquerda haja uma única linha justa e que todos os adversários, inclusive os representantes de outras tendências do nosso campo, devam ser esmagados. Quanta estreiteza!

Felizmente, ainda existem os que sabem discutir civilizadamente, como um veterano companheiro que argumentou: Dilma acreditaria numa ordem mundial mais justa e teria o apoio dos Brics neste sentido, faltando-lhe, contudo, um ministério identificado com seus propósitos. Caso contrário poderia, p. ex., anunciar uma grande virada política neste 1º de maio. 

A resposta que lhe dei serve para aclarar um pouco mais meu posicionamento. Então, resolvi postá-la aqui (sem massificá-la), como mais uma contribuição para os que ainda ousam usar a cabeça para o que ela serve: pensar.

Sou marxista da velha guarda: para mim, a identidade dos governos é dada, em primeiro lugar, pela sua política econômica. A de Joaquim Levy é totalmente inaceitável para a esquerda. 
Quando Jango enfim se posicionou à esquerda, era tarde demais.
O que eu vejo é uma presidenta insegura, que tenta se salvar do impeachment seguindo à risca o receituário neoliberal para crises financeiras, exatamente como o João Goulart tentou salvar-se da destituição dando carta branca a ministros como San Tiago Dantas e Carvalho Pinto.

E, assim como a ala esquerda da base janguista (Brizola à frente) inviabilizou os ministros "burgueses", tudo leva a crer que, quando a recessão chegar ao auge, a esquerda do PT (Lula à frente) fará com que o Levy seja expelido. Ou seja, o governo atual está marchando para os mesmos ziguezagues que derrubaram o Jango.

Conheci pessoalmente a Dilma no comecinho da trajetória de nós ambos, em outubro/1969, no congresso de Teresópolis da VAR-Palmares. Não senti firmeza nela então, nem sinto agora. Vejo-a como uma ex-revolucionária que havia involuído para mera tecnoburocrata quando o Lula resolveu torná-la presidenta do Brasil. 

Então, concordo contigo que ela não tem um ministério que a respalde para fazer o que seria certo --trilhar um novo caminho, alternativo aos terríveis ajustes recessivos que não deixam pedra sobre pedra. E também não vejo ela própria com estatura política para encabeçar uma guinada destas. Temo que a Dilma vá seguir a ortodoxia capitalista até o mais amargo fim. E que, assim procedendo, ela se direcione irreversivelmente para a destituição.
Jogo sujo contra Marina redundou no fim de feira atual

Daí a minha tese de que seria melhor ela renunciar agora do que continuar esperneando e favorecendo a acumulação de forças por parte da direita. Caso contrário, lá por agosto os adversários acabarão impondo-lhe o impeachment e nossa perda vai ser total, pois eles terão se tornado fortes como nunca estiveram nas últimas décadas.

Se você se recordar dos meus textos antigos ou consultá-los no arquivo do blogue, perceberá que eu não só favorecia uma vitória da Marina Silva, mas também a substituição da Dilma pelo Lula como cabeça de chapa. Exatamente porque tinha certeza absoluta de que o segundo mandato da Dilma seria um convite ao golpe de Estado, podendo nos acarretar uma nova ditadura. E meu pesadelo cada vez se materializa mais. Ela é muito fraca e não aguentará o rojão, ainda mais em meio a uma recessão que vai atravessar, pelo menos, os anos de 2015 e 2016 inteiros. Simples assim.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

EXORTO DILMA A UM GESTO DE GRANDEZA: A RENÚNCIA.

A esta altura, considero que o PT e Dilma Rousseff perderam quaisquer condições morais de continuarem detendo a Presidência da República.

Não por causa do mensalão e do petrolão, mas por algo muito pior: estarem dando carta branca, na formulação e execução da política econômica, a um ministro que representa a negação de tudo que o partido vem defendendo desde que surgiu. Está lá, no manifesto de fundação:
"O PT nasce da decisão dos explorados de lutar contra um sistema econômico e político que não pode resolver os seus problemas, pois só existe para beneficiar uma minoria de privilegiados".
Discípulo de Milton Friedman, neoliberal até a medula, Joaquim Levy é criatura inconteste desse sistema econômico e político que só existe para beneficiar uma minoria de privilegiados. Afora representar o Bradesco no poder, pois foi o subalterno escolhido para a vaga depois que o presidente do banco, Joaquim Trabuco, recusou o ministério.  

Um partido dos trabalhadores não pode apoiar um ajuste econômico recessivo, que sacrifica impiedosamente os explorados mas poupa o grande capital e os grandes parasitas (os herdeiros das maiores fortunas). 

Muito menos depois de ter vencido uma eleição jurando por Deus e todos os santos que jamais agiria assim, enquanto soltava os cachorros em cima de uma adversária, acusando-a de pretender entregar o Brasil para os banqueiros. As voltas que o mundo dá.

Enfim, a única saída digna neste instante é a renúncia de Dilma Rousseff.

Até porque, enquanto durar a agonia lenta de um governo que já não oferece esperança nenhuma à sociedade, cada vez mais vai crescer o prestígio da direita e será esvaziado o da esquerda. No auge da recessão, lá por agosto, a correlação de forças nos será tão desfavorável que o impeachment vai acabar acontecendo de qualquer jeito. Só não vê quem não quer.

Será muito melhor se renunciar enquanto esta ainda não parece ser a alternativa à destituição iminente (quando as coisas chegarem a tal ponto, o ato se tornará uma confissão de derrota, não uma demonstração de dignidade).

Para quê isto servirá? Para evitar que a direita se robusteça ainda mais. Enquanto durar o impasse, ela estará acumulando forças.

Antes motivo de piada cada vez que botava a cara nas ruas (lembram do Cansei?), a dita cuja agora dá de goleada nas manifestações favoráveis ao governo, cujos índices de rejeição são assustadores se levarmos em conta que ainda não estamos no olho do furacão econômico.

E, claro, em tempo de penúria brava, a direita conquistará cada vez mais adeptos, até encostar Dilma nas cordas. A verdadeira opção é entre sair com elegância neste instante ou nocauteada depois.

Antecipando-se ao impeachment com sua renúncia, Dilma abortará a apoteose direitista na qual seu impedimento se constituirá; e vai evitar que se acrescentem mais danos aos desastres acumulados até agora, recolocando a esquerda no papel que melhor desempenha: o de estilingue. Pois, como vidraça, foi estilhaçada em mil pedaços.

Torço para que Dilma seja capaz de tal gesto de grandeza. 

RODRIGO GULARTE, 42 ANOS, ASSASSINADO POR UM GOVERNO BESTIAL, UM GOVERNO DE MERDA!

Há quem considere que o estupro dos direitos humanos por parte de nações atrasadíssimas deva ser relevado, "cada povo com suas leis e seus costumes".

Eu não. Jamais! Para mim, qualquer governo que tira a vida de um ser humano por dá lá aquela palha é um GOVERNO BESTIAL, UM GOVERNO DE MERDA.

A pena capital para quem matou é uma regressão à barbárie.

A pena capital para quem não matou é simplesmente inqualificável. Assassinato com tintura de legalidade.

A INDONÉSIA TEM UM GOVERNO BESTIAL, UM GOVERNO DE MERDA. Ponto final.

domingo, 26 de abril de 2015

O "FENÔMENO LULA" É UM HÍBRIDO DE MOLUSCO COM CAMALEÃO...

Eles também se camuflam bem em ambientes vermelhos
"Diferentes espécies de camaleão são capazes de variar a sua coloração e padrão por meio de combinações de rosa, azul, vermelho, laranja, verde, preto, marrom, azul claro, amarelo, turquesa e púrpura. A mudança de cor nos camaleões tem funções na sinalização social e em reações a temperatura e outras condições, bem como em camuflagem." (Wikipedia)

O poeta Ferreira Gullar analisou o fenômeno Lula num artigo que deverá provocar muita irritação nas hostes petistas. Recomendo que todos o leiam e reflitam sobre ele.

Boa parte (há alguns exageros dos quais discordo) poderia ter sido escrita por mim. Contemporâneo da ascensão de Lula, sempre o vi como um pragmático que utilizava bandeiras ideológicas como meio para atingir seus fins, nunca as tendo verdadeiramente encarado como fins em si. Um camaleão, portanto.

Não corroborarei as acusações que amiúde ouvi, de parceria com as montadoras ou conluio com o Governo Geisel. Isso jamais foi provado.
Montadoras davam aumentos... e um pulo do gato!  

Direi apenas que o sucesso dos sindicalistas do ABC foi facilitado por convir às indústrias automobilísticas: o governo mantinha congelados os preços dos veículos e as ditas cujas aproveitaram as greves para implodir tal congelamento, exigindo que os aumentos salariais por elas concedidos fossem repassados para os preços. Ou seja, serviam-se do novo sindicalismo para abrir brechas e se tornarem exceções à rigidez oficial. Usaram os limões para fazer limonada.

Uma questão a ser aprofundada pelos historiadores é o motivo da mudança de postura de Lula: como sindicalista, hostilizava a esquerda e tudo fazia para evitar que ela, invadindo a sua praia no ABC, contaminasse as lutas sindicais; ao decidir criar seu partido político, chamou-a para negociar, pois dela necessitava para dar amplitude nacional à nova agremiação.

Quanto ao mago Colbery do Couto e Silva, após definir as linhas mestras do projeto de distensão política do Governo Geisel, ele tratou de levantar a bola dos adversários preferíveis no quadro futuro. Assim, p. ex., comunicou pessoalmente ao mandachuva da Folha de S. Paulo que a censura seria em breve levantada, aconselhando-o a adotar uma postura mais crítica e independente no seu principal jornal, para evitar que O Estado de S. Paulo surfasse sozinho nas ondas da abertura.
Eles se dividiram e a classe dominante reinou

Ainda seguindo sua lógica de dividir para reinar, Golbery via com bons olhos a ascensão de Lula como contraponto à liderança bem mais radical de Leonel Brizola. Foi o que acabou ocorrendo: o PT cresceu e o PDT encruou. As ambições e personalismo do nosso lado deram vida fácil ao outro lado.

Para a esquerda, foi trágico: juntos, Brizola e Lula poderiam ter levado a redemocratização bem mais adiante, provavelmente até evitando a transição sob total controle da classe dominante em que se constituiu a eleição indireta de Tancredo Neves: uma saída pela ditadura pela porta dos fundos.

Enfim, tais circunstâncias ajudaram Lula a chegar aonde chegou mas, sem provas consistentes, não podemos considerá-lo nada além de um homem bafejado pelo destino. Como o continuaria sendo, aliás. Paradoxalmente, até o seu pior momento acabou lhe trazendo um benefício: a autonomia de voo.

Os Zés Dirceu e Genoíno acreditavam que conseguiriam tutelar Lula indefinidamente, mas não contavam com o escândalo do mensalão, que esgarçou a liderança de ambos. Embora já tivessem flexibilizado em muito os ideais que professavam, os dois continuavam, basicamente, marxistas; haviam desistido do combate sem tréguas à burguesia, mas, pelo menos, tentavam trilhar um terceiro caminho entre a intransigência revolucionária e a capitulação incondicional ao inimigo. Tinham se tornado, digamos, bolivarianos light.
Zé Dirceu perdeu ascendência

Quando Lula ficou por sua própria conta, acabaram os últimos resquícios de pudor e o PT não parou mais de prostrar-se à burguesia no que realmente conta, a política econômica. Nunca dantes neste país os grandes capitalistas, banqueiros à frente, obtiveram lucros tão escandalosos. A retórica de esquerda se tornou apenas um engana-trouxas a ser utilizado no período eleitoral e devolvido ao arquivo morto logo em seguida, ao se montarem as equipes ministeriais.

Eu ainda tinha um tiquinho de esperança em Dilma Rousseff, tanto que combati José Serra com todas as minhas forças em 2010 (gato escaldado, preferi não apoiar explicitamente alguém que para mim era uma incógnita, daí haver optado por apenas bater pesado no tucano que, tanto como governador de São Paulo quanto na campanha presidencial, havia guinado com tamanho ímpeto à direita que chegava a lembrar o corvo Carlos Lacerda).

A pusilanimidade de Dilma em episódios cruciais --como quando ignorou a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos a respeito dos executados do Araguaia, criando a Comissão Nacional da Verdade como contraponto propagandístico e não a respaldando nos episódios em que brucutus militares desafiaram a CNV ostensivamente, ou como quando fechou os ouvidos ao pedido de asilo de Edward Snowden-- matou as minhas últimas ilusões.

Sabia muito bem o que viria num segundo mandato de Dilma, tanto que cansei de escrever que ela faria o serviço sujo exigido pelo poder econômico (promover o ajuste recessivo da economia) da mesmíssima forma e com a mesmíssima insensibilidade de Marina Silva ou Aécio Neves.

Será que algum dos dois ousaria entregar a pasta da Fazenda a um Chicago boy tão convicto do seu papel de lambe botas da burguesia quanto Joaquim Levy?
Ele continua fazendo o mesmo que fazia no Bradesco

Será que, com uma Marina Silva no poder, os movimentos sociais engoliriam tão passivamente um ministro que é o mais feroz carrasco dos explorados enquanto garante sono tranquilo para os grandes exploradores (banqueiros em primeiro lugar) e os grandes parasitas (como os herdeiros das maiores fortunas)?

Enfim, mudando um pouco a frase celebre de Marx no 18 brumário de Louis Bonaparte, o fenômeno Lula começou como epopeia, foi evoluindo como farsa e pode até terminar como tragédia, embora o mais provável seja o fim do ciclo lulista (e de sua consequência piorada, Dilma) não com estrondo, mas com um suspiro.

sábado, 25 de abril de 2015

VEJA NO BLOGUE O MELHOR FILME SOBRE O MOVIMENTO OPERÁRIO EM TODOS OS TEMPOS: "OS COMPANHEIROS".

Às vésperas de mais um dia 1º de maio, tenho a satisfação de finalmente conseguir postar aqui, completo e legendado, aquele que considero o melhor filme sobre o movimento operário em todos os tempos: Os companheiros (1963), de Mario Monicelli, com Marcello Mastroianni no papel de um professor militante que vai ajudar os operários de uma indústria têxtil de Turim a realizarem sua primeira greve contra a exploração extrema a que eram submetidos no final do século retrasado. 

Na década de 1960, conheci a fábrica no qual meu pai trabalhou durante a vida inteira (o Cotonifício Crespi, um dos primeiros marcos da industrialização de São Paulo, no bairro paulistano da Mooca) e era praticamente idêntico ao mostrado no filme: enorme, mal iluminado, mal ventilado, com uma poeira sufocante que me fez tossir instantaneamente. Quando assisti a Os companheiros, logo me ocorreu que era enorme o atraso brasileiro, a ponto de nossas indústrias se parecerem tanto com as da Europa de quase sete décadas atrás.

Outra lembrança marcante é a de que, quando nossa Frente Estudantil Secundarista começou a pegar no breu em 1968, negociei com o cinema de arte Bijou (na praça Roosevelt, centro de São Paulo) a realização de sessões de Os companheiros nas manhãs de domingo. Exibíamos o filme para os jovens recrutas e promovíamos rápidos debates no final, como parte do programa de conscientização política. 

Aproveito para incluir a apresentação deste filmaço no excelente blogue português My Two Thousand Movies (*), do meu amigo virtual Francisco Rocha:  

O cenário é uma fábrica têxtil em Turim, no final do século XIX. Cerca de 500 trabalhadores suportam turnos de 14 horas, debaixo de situações extremas, desde o calor, poeira, o perigo de sofrer um acidente de trabalho, e são mal pagos. Um dos trabalhadores fica com a mão mutilada por uma máquina, situação que serve de impulso para que os outros, pelo menos, pensem mudar as condições de trabalho. 

Talvez graças à sorte ou ao destino, um professor e socialista chamado Sinigaglia (Marcello Mastroianni) está de passagem pela cidade (em fuga de crimes políticos), e oferece uma ajuda na organização dos trabalhadores. Segue-se uma greve, que se arrasta por várias semanas, testando a vontade dos trabalhadores...

Esta sinopse faz o filme parecer mais um melodrama sobre as más condições das classes trabalhadoras. Na realidade, é muito mais do que isso, e o que o faz ser tão brilhante e surpreendente é a forma como é apresentado, tornando-o também numa obra de entretimento. Além da tragédia, também há um pouco de romance, comédia, farsa, comentário social. O argumento e o trabalho de realização fazem um trabalho magistral, ao desenvolver várias personagens em vários sub-plots numa história bastante multidimensional. 

A maioria dos filmes politicamente orientados são polêmicos, o que por vezes os distancia do grande público. "I Compagni" é tão envolvente, tão animado, tão cheio de personagens vibrantes, que o aspecto da mensagem da história funciona a um nível quase sublimar.

Mario Monicelli (mais conhecido no território da comédia) e o produtor Franco Cristaldi tiveram de ir até à Iugoslávia para encontrar uma fábrica em pleno funcionamento, com as suas dezenas de teares movidos por um motor a vapor, e ativados por eixos de transmissão. O edifício da fábrica parece um acidente prestes a acontecer. Com figurinos e cenários tão rigorosamente preparados e um look típico do século XIX a ser muito bem mantido, desde os quartos baratos alugados pelo trabalhadores, aos restaurantes chiques onde Niobe (Annie Girardot) encontra os seus clientes.


* o Francisco Rocha, aliás, está apresentando no seu blogue o ciclo Consciência de classe e luta, com filmes como Sacco e Vanzetti, Norma Rae, Actas de Marusia e o próprio Os companheiros. Ele os introduz de forma admirável e fornece links para download.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

O HOMEM BIÔNICO E O PREJUÍZO FARAÔNICO

Seriado de TV cujo primeiro episódio completou 40 anos no último mês de janeiro, O homem de 6 milhões de dólares vai ter uma versão cinematográfica, com Mark Wahlberg no papel que celebrizou Lee Majors.

Os valores, contudo, serão atualizados: o filme vai se chamar O homem de 6 bilhões de dólares

Para evitar mal entendidos, sugiro aos exibidores brasileiros que incluam este esclarecimento no material promocional: não confundir com o Sr. Corrupção da Petrobrás...

Primeiramente, porque continua havendo grande diferença entre dólares e reais, entre os senhores do mundo e seus lacaios.

E depois, porque a série não se refere a 6 bilhões jogados no ralo, mas sim a uma quantia bem utilizada.

Por aqui, esta grana preta só serviu mesmo para quantificar a corrupção que alguns dirigentes petistas juravam não existir na Petrobrás. Doravante, cada vez que fizerem afirmações igualmente estapafúrdias, teremos 6 bilhões de motivos para botar as barbas de molho.

Quanto à companhia emblemática do nacionalismo tupiniquim, suponho que não vá trombetear o novo recorde como sempre fez com os outros. E nem precisará: um prejuízo de R$ 21,6 bilhões é tão exagerado que todo mundo toma conhecimento imediato.

Como a quota da corrupção foi de R$ 6,2 bilhões, suponho que devamos atribuir os R$ 15,4 bilhões restantes à má gestão.

É para isto que servem as gerentonas?!

quinta-feira, 23 de abril de 2015

POR ENQUANTO, ESTAMOS F... E MAL PAGOS. ADIANTE, CONTINUAREMOS F... E NOS PAGARÃO UM TANTINHO MAIS.

O ministro da Recessão, Joaquim Mãos de Tesoura, continua tratando os brasileiros como infantilizados. Dá declarações acentuadamente evasivas e ligeiramente otimistas, que servem como matéria-prima para a rede de blogueiros amestrados disseminar esperanças totalmente sem noção. Eis um exemplo:
"O resultado do PIB mostrou que a gente está em uma transição. Começa a haver recuperação das exportações. No ano passado, a contribuição das exportações e importações foi neutra, uma compensou a outra. Neste ano, esperamos que haja recuperação das exportações e que o setor externo possa ajudar o crescimento da economia. Nos últimos anos não foi assim, então esta pode ser uma mudança positiva".
Alguém sentiu firmeza? Eu não. Mas, este nem-sim-nem-não-muito-pelo-contrário foi suficiente para vários tolos ou charlatães começarem a profetizar recuperação econômica. Me engana que eu gosto.

O Fundo Monetário Internacional, no seu encontro da semana passada, colocou os pingos nos ii: o PIB brasileiro deverá ter evolução negativa em 2015 (-1%) e baixo crescimento no restante da década: 0,9% em 2016, 2,2% em 2017, 2,3% em 2018, 2,4% em 2019 e 2,5% em 2020. 

Segundo as previsões do FMI, que costumam dar certo ou chegarem perto disto, a tendência é de que não atinjamos, na atual década, nem sequer metade do crescimento alcançado na década passada, que foi de 3,6% ao ano.

A recessão será brava em 2015 e 2016, com os quatro anos seguintes trazendo algum alívio, mas ainda nos deixando bem longe dos cenários comparativamente auspiciosos da década anterior. Ou seja, de imediato, estamos f... e mal pagos; adiante, continuaremos f..., mas nos pagarão um tantinho mais.

É esta a recuperação econômica que podemos esperar de Joaquim Levy e dos grandes senhores do capitalismo?! Se nem assim ousarmos chutar o pau da barraca, é exatamente aquilo que merecemos!

E, por favor, não me venham com as habituais teorias conspiratórias: o FMI e a burguesada querem mais é respaldar Levy e favorecer sua política econômica. Só que não são levianos a ponto de fazerem coro ao oba-oba engana-trouxas que a rede virtual chapa branca difunde... ajudando a enfiar goela dos brasileiros adentro o neoliberalismo tardio mais perverso e desumano!

"Que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?" (Marcos 8:36)

Que adianta à Dilma salvar o mandato inteiro e perder o seu espírito revolucionário, tornando-se dócil serviçal dos que antes combatia? (Celso 23:04)

Para encerrar: delenda est Levy. Com a ressalva de que o Chicago Boy do governo petista não deve ser destruído como Cartago mas, tão somente, destituído.

Uma canção de 1968 que cai como uma luva nos dias de hoje...

terça-feira, 21 de abril de 2015

CRÔNICA DE APOLLO NATALI: "AS PRIMEIRAS ROUBALHEIRAS A GENTE NUNCA ESQUECE!"

Os ratos se banqueteiam desde o Brasil Colônia
Todo homem é fraco e ladrão, disse o primeiro governador geral do Brasil, Tomé de Souza. Está nos Ditos Portugueses Dignos de Memória

Filho bastardo do abade João de Sousa –que não levava a sério o celibato e teve sete rebentos–, Tomé, nada bobo, tratou de embolsar adiantados seus salários de 400 mil reais por ano, ao ser nomeado governador. 

Cada burocrata que vinha ao Brasil exigia do rei salários adiantados. Havia o real e o cruzado. Um utilizado pela população no dia-a-dia e o outro para grandes transações monetárias. Pesando 3,5 gramas de ouro, o cruzado valia 400 reais. 

Mesmo no vermelho, foi o dinheiro da coroa que sustentou a instalação de um governo militar no Brasil, chamado de Governo Geral, para tomar posse da terra definitivamente, defendê-la contra invasores, principalmente franceses, cobrar impostos e aplicar a justiça real no Brasil. 

Até 1549, a então Terra de Santa Cruz vivera sob o signo do arbítrio. Por sugerir ao rei João III o envio de governadores gerais, o conde da Castanheira, Dom Antonio de Ataíde, foi considerado o homem que mudou o Brasil. João III é chamado o colonizador do Brasil. Duarte da Costa, acusado de corrupção, foi o segundo governador e Mem de Sá, acusado de corrupção, o terceiro. 

Será a corrupção a mais tradicional instituição brasileira? 
Acompanharam Tomé de Souza em sua viagem ao Brasil, entre outros letrados: 
  • Antonio Cardoso de Barros, primeiro provedor-mor da Fazenda do Brasil, nosso primeiro ministro da Fazenda, pois burocrata da Casa dos Contos em Portugal e donatário da capitania do Ceará, acusado de corrupção por desvio de dinheiro do Tesouro Régio; 
  • Pero Borges, primeiro ouvidor-geral do Brasil, ex-corregedor de Justiça e desembargador, acusado de corrupção por desvios do dinheiro do Tesouro Régio. Meteu no bolso 114.064 reais das obras de um aqueduto. Apesar de ficha suja, foi nomeado ouvidor e sua mulher Simoa da Costa, ganhou do rei pensão anual de 40 mil reais; 
  • D. Pero Fernandes Sardinha, primeiro bispo do Brasil, acusado de corrupção e criador de uma onda de indignação por cobrar dos fieis pela absolvição dos seus pecados. Estimulava mesmo a prática do pecado para cobrar a absolvição. Os próprios pecados, o bispo Sardinha os pagou no litoral da Paraíba, quando do naufrágio de seu navio Nossa Senhora da Ajuda, rumo a Portugal. Todo seu ouro foi por água abaixo e Sardinha foi devorado pelos caetés; 
  • Fernão Pires, padre degredado, assassino confesso e um dos principais aliados de Sardinha, acusado de corrupção
  • Gomes Ribeiro visitador da costa do Brasil, acusado de corrupção
Sardinha, o bispo corrupto, foi devorado. Castigo divino?
Com Tomé de Souza aportou aqui uma intrincada teia de um funcionalismo público ineficiente e corrupto, dotado da voracidade de um sistema tributário pesado e injusto.

As autoridades judiciárias e fiscais que, a partir de março de 1549, iriam desembarcar no Brasil com a missão de instalar o Governo Geral, enquadravam-se no perfil de governo que se exercia em Portugal. Embora recebessem altos salários, burocratas engordavam seus rendimentos com propinas e desvio de verbas púbicas. 

A máquina administrativa não era apenas ineficiente, mas corrupta. O número de funcionários destacados para cumprimento de qualquer função revelava-se, na maioria dos casos, bem superior ao necessário para a realização do trabalho. Os oito navios da armada de Tomé de Souza traziam em seus assoalhados mais de 500 expedicionários, entre burocratas, marinheiros, soldados, degredados, serviçais. 

E em 1º de maio de 1549 iniciam-se as obras da construção da cidade de Salvador, a primeira cidade brasileira feita com planejamento, licitação e contratação de empreiteiras. Parte dos 120 milhões de reais gastos na construção foi desviada. 

Eram oito ruas retas perpendiculares e transversais, com praça central, igreja, prédios para os governantes, cadeia, tudo em pau a pique cobertos com folhas de palmeiras e bem mais tarde com telhas.   

O governador corrupto Duarte da Costa
Salvador foi erguida com os esforços de artesãos, pedreiros, indígenas, degredados, e os orelhados. A estes, cortaram-lhe as orelhas em Portugal, como forma de identificação do tipo de crimes que cometeram.  

Artesãos, um punhado deles, cujas habilidades eram indispensáveis à construção da nova cidade, eram comandados pelo mestre de obras Luis Dias, arquiteto de renome, decano dos arquitetos brasileiros, responsável pelo projeto da primeira capital do Brasil, que não pediu adiantado seus salários e nunca os recebeu, vivendo de escambos no Brasil. 

Todo o meio milhar de viajantes que lotaram os navios da expedição de Tomé de Sousa recebiam salários, entre 360 a 1.200 reais, burocratas, marinheiros, pilotos, grumetes, pajens, soldados, estes em número de 600, degredados, 400 deles, obrigados a  perambular nus pela colônia, portanto sem bolsos para guardar seus salários de 330 reais. Além da alimentação, todos ganharam um litro e meio de vinho por dia na viagem.  

Em 1º de novembro de 1549 a festa de Todos os Santos marca a inauguração informal da primeira capital do Brasil.  Dois anos depois, o número de funcionários era tanto –“folgam todo o tempo”, disse Tomé de Souza– que houve necessidade de pôr ordem na casa. Fundiram-se cargos e extinguiram-se outros.

Com o segundo governador geral, Duarte da Costa, acusado de corrupção, vieram, entre outros acusado de corrupção, seu filho Dom Álvaro da Costa. Tido como um dos mais incompetentes governadores, apesar dos concorrentes, Duarte da Costa cuidou apenas de seus lucros. Temia-se que destruísse o pouco que estava feito por Tomé de Sousa e que favorecesse mais ainda os pecados e vícios do primeiro governo. Cobrava um imposto compulsório de quem o processasse. Nada fez para deter os franceses que se espalhavam por toda a costa do Brasil. 
As nativas se ofereciam e os filhos ilegítimos eram legião

Duarte da Costa deixou a mulher em Portugal e preferiu trazer seu filho Álvaro da Costa, jovem e galanteador guerreiro em África que formou com seus amigos um bando de arruaceiros em Salvador permanentemente dispostos a intimidar pela força das armas ou do atrevimento quem quer que ousasse se interpor em seu caminho. Apedrejavam casas e telhados. Álvaro dormia com mulheres casadas. Ganhou do pai uma capitania. 

Quem pagou por desvios de verbas foi o escrivão Rodrigo de Freitas, que cumpriu quatro anos de prisão. No auge do confronto entre Duarte da Costa e o bispo Fernandes Sardinha, um sempre acusando o outro de corrupção, os tupinambás atacaram Salvador, quando 13 aldeias indígenas foram destruídas, e 3 mil indígenas foram escravizados, expulsos e mortos. Foi a Guerra de Itapuã

Mem de Sá, o terceiro e último governador, foi um dos 13 filhos ilegítimos do cônego Gonçalo Mendes de Sá que, como se nota, também não queria nada com o celibato. Acometido de um mal chamado medo da pobreza, Mem de Sá tornou-se o homem mais rico do Brasil no século XVI e o mais acusado de corrupção. Preocupado com a crescente ambição do irmão, o poeta Sá de Miranda enviou-lhe poesias incitando-o a abandonar as tentações do Paço Real e gozar de sua liberdade em lugar tranqüilo.

Comandando uma única nau com 336 pessoas, Mem de Sá suportou oito meses menos dois dias de vicissitudes no mar, até chegar a Salvador. Submetia-se aos exercícios espirituais dos jesuítas, que incluíam autoflagelação. Com os rigores da lei reservados aos indígenas rebeldes, Mem de Sá deu início a uma administração rígida e moralista, proibiu o jogo, a vadiagem, a embriaguez e as visitas dos colonos às aldeias. Baniu a antropofagia entre os indígenas que viviam próximos a Salvador, forçando-os a viver em aldeamentos sob controle dos jesuítas. Tratou de encurtar as demandas judiciais e aplacar antigos ódios. Também forçou os funcionários públicos a trabalharem mais.

Mem de Sá inclusive providenciou uma devastadora ofensiva contra as tribos insurretas do Recôncavo, ao fim da qual, restavam na imensa mata, 160 aldeias incendiadas, mil casas arruinadas pelo fogo, campos assolados e tudo passado a fio de espada. Calcula-se que pelo menos 6 mil indígenas tenham sido mortos ao longo da chamada Guerra de Paraguaçu. Os massacres perpetrados em setembro de 1558 foram uma espécie de preliminar, revelando com que ferocidade e disposição Mem de Sá iria tratar da expulsão dos franceses instalados no  Rio de Janeiro, embora aquela guerra fosse se prolongar por uma década e lhe custasse as mortes de um filho e de seu sobrinho predileto.  

Os navios dos governadores não trouxeram mulheres e a tirania do impulso sexual deixou colonos e nativos sem saberem para onde correr. Andavam nuas e depiladas, as nativas, e se ofereciam. Os padres participavam do banquete da carne. Por conseguinte, filhos e mais filhos bastardos passaram a povoar  a Baia de Todos os Santos, que passou a ser chamada de Baia de Todos Os Pecados. Os ruídos que mais se ouviam era o balançar das redes. E assim, compulsivamente, por imposição da mãe natureza, se fez a miscigenação. 

Quem quiser saber mais, e com fartura de detalhes, sobre as roubalheiras e promiscuidade que marcaram a infância do Brasil, leia A Coroa, a Cruz e a Espada, do historiador Eduardo Bueno, Editora Objetiva. (por Apollo Natali)

DA GRÉCIA PARA O BRASIL: EU SOU VOCÊ AMANHÃ.

"...no final de 2009, a Grécia estava enfrentando uma crise propelida por dois fatores –alta dívida e custos e preços inflacionados que reduziam a competitividade do país.

A Europa respondeu com empréstimos que mantiveram o caixa grego solvente, mas apenas sob a condição de que a Grécia adotasse políticas econômicas extremamente dolorosas. Elas incluíam cortes de gastos e aumentos de impostos que, se aplicados na mesma proporção aos Estados Unidos, envolveriam valor de US$ 3 trilhões anuais.

Também houve cortes de salários em uma escala difícil de conceber, com uma redução média de 25% nos vencimentos ante seu pico.

Esses imensos sacrifícios supostamente deveriam produzir recuperação. Em lugar disso, a destruição do poder aquisitivo aprofundou a crise, criando sofrimento em escala semelhante ao da Grande Depressão e severos problemas humanitários.

No sábado, visitei num abrigo de moradores de rua, e ouvi histórias dolorosas sobre um sistema de saúde em colapso, e pacientes recusados por hospitais por não poderem pagar uma taxa de atendimento de cinco euros, ou recebendo alta sem medicação porque os estoques das clínicas se esgotaram e elas não têm caixa para o repor; e muito mais.

A situação vem sendo um pesadelo interminável, e mesmo assim a elite política grega, determinada a se manter parte da Europa e temerosa das consequências de uma moratória e do abandono do euro, manteve sua adesão ao programa imposto pelos credores ano após ano. 

Por fim, o público grego não conseguia suportar mais. Porque os credores estavam exigindo ainda mais austeridade –em uma escala que bem poderia derrubar a economia em mais 8% e empurrar o desemprego a 30%—, o país votou no Syriza, um movimento genuinamente de esquerda (e não de centro-esquerda), que prometeu mudar o rumo do país."

Trechos de um artigo de Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia, que expõe magistralmente como um país pode ser destruído pelos ajustes recessivos ditados pela ortodoxia neoliberal. É para onde Joaquim Levy nos levará, se consentirmos.

Discordo de Krugman, contudo, quando ele sonha com uma solução a partir da implausível boa vontade de credores. A única saída está na revolta dos devedores, confrontando a iniquidade extrema com que a lógica desumana das coisas está sendo imposta aos homens.

Nestes tristes tempos presentes, o capitalismo terminal e putrefato é o inimigo supremo da civilização e a mais terrível ameaça à sobrevivência da espécie humana.

Ou acabamos com ele, ou ele acabará conosco. É simples assim.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

DIA AZIAGO

Hoje foi outro 16 de abril, não tão terrível para mim quanto aquele de 1970, pois nenhum conseguirá sê-lo, mas que fez questão de provar-me que existem, sim, dias aziagos, e fez questão de lembrar-me como são tênues os fios que nos ligam, e a nossos entes queridos, à vida!

Peguei minha filhinha na escola e trafegava por uma óbvia preferencial quando um Peugeot saiu em altíssima velocidade de uma travessa, fez uma curva temerária à esquerda, abalroou um Vectra que ia na mesma direção, foi arremessado para a pista contrária pela qual eu vinha chegando, detonou a porta do motorista e toda a lateral do meu Celta, e acabou indo chocar-se com veículos estacionados.

Se eu chegasse naquele trecho cinco segundos antes, é possível que, ao invés de cruzar a pista, me apanhasse pelo lado do passageiro, acertando em cheio a cadeirinha da princesa. A hipótese me dá calafrios até agora.

Estando mais desgovernado ainda, talvez não só afundasse a porta, mas também me afundasse.

Enfim, posso considerar-me até afortunado por não ter havido ferimento nenhum, apenas o enorme susto que minha menina levou e a deixou tão atônita. O primeiro grande perigo a gente nunca esquece.

Nos próximos anos, talvez eu passe o 16 de abril inteiro na cama...

PARTIDO ADMITE TESOUREIRO P/ INÍCIO IMEDIATO

Não é exigido diploma nem experiência prévia, apenas muita criatividade e mente aberta para soluções heterodoxas. Com registro em carteira e comissões muito acima da média do mercado. Os benefícios incluem assistência jurídica gratuita e auxílio-detenção. Enviar currículos p/ a caixa postal 288 - Brasília/DF, a/c de Alexandre Stavisky.

SILÊNCIO (uma crônica de Apollo Natali)

Gostaria de gritar para o mundo contra essa afirmação maluca de que o silêncio é ouro! Às vezes, às vezes. 

E também gostaria de berrar para o mundo contra essa outra convicção doida de que quem cala, consente. De onde vem você que diz isso, do mundo da lua? 

Quem cala não consente e nem deixa de consentir. Quem cala não se sabe o que acontece. Muito ao contrário, quem cala pode não estar consentindo nunca. 

Ou pode? Ninguém admite consentir nada, quanto mais em silêncio. Pode acontecer de dar branco e a voz não sair.

O silêncio, senhores e senhoras, não se sabe o que é. Pode ser tanta coisa. Traição. Covardia. Medo. Perversidade. Sarcasmo. Sadismo. Caridade. Benevolência. Sabedoria. Falta de sabedoria. 

Pode ser ouro, sim, quando o parente língua-comprida se cala e não se intromete em nossas vidas, marchando sobre nossas salas de visitas como um bárbaro. 

O silêncio pode ser emoção intensa contida. Paixão recolhida. Ressentimento. Meditação. Pausa para raciocínio matemático.

O silêncio pode acometer tanto o amigo quanto o inimigo. Cisma calada do que é certo e do que é errado. Indecisão do culpado ou do inocente. Mágoa calada, que não berra. 

Quem cala pode estar descansando de apanhar da vida. Pode estar ruminando o bem. Ou o mal. 

Uma inimizade gratuita pode ser silenciosa. Uma boa amizade pode ser silenciosa. Um ódio pode ser longo, duradouro, lento, doloroso e silencioso. Quem se mantém em silêncio pode estar dizendo com a alma eu te amo.

Sim, é isso, oh, minha bela amada, que se mandou um dia, um dia belíssimo, oh, de magnífica felicidade, deixando-me enfim em liberdade. Em silêncio, consentindo ou não consentindo, sabe Deus. Ela jurou que não retornaria jamais. Teria ido tarde ou cedo? Quem sabe? Por que se calou? Se calou por quê?

Quem cala pode estar recebendo a extrema-unção.

Pode estar sentindo medo. Terror. Opressão. Estás consentindo o que, irmão meu, irmã minha? Quem cala pode estar tentando ser harmonioso e aí está uma belíssima postura silenciosa. 

Quem silencia pode estar aprendendo. Ouvindo. Gemendo. Chorando. O grito também é um choro. O choro em silêncio também é um grito. 

Quem cala pode estar se sentindo ameaçado de morte. E está consentindo o quê? Calar ou gritar é instinto de sobrevivência em ação. O cúmulo da educação é morrer em silêncio.

Então, não me venham com essa historieta curta, grossa, medíocre, pobre, inverossímil, absurda, vexatória, irritante, ridícula de que quem cala, consente e de que o silêncio é ouro.

Existe o sábio silêncio e o burro silêncio. Diz-se também que pelas tuas palavras serás salvo e pelas tuas palavras serás justificado. Pelo teu silêncio serás salvo e pelo teu silêncio serás justificado. 

O tal do foro íntimo também nos obriga a silenciar. Ou a falar. Tanto quem fala ou deixa de falar, quebra o silêncio ou deixa de quebrar, consente ou deixa de consentir, está no mato sem cachorro, irmãos e irmãs minhas em breve peregrinação por este mundo mau.

Quantas benditas vezes desejaríamos ter calado? Ou falado? Ou gritado? Ou consentido? Ou não ter consentido? 

E seu estivesse calado neste preciso momento, teria dado a minha (com licença) opinião sobre o silêncio? 

E vocês, se não tivessem feito um generoso silêncio diante destas minhas embaraçadas linhas, teriam ouvido o que eu quis dizer? 

Isso não quer dizer que tenham consentindo ou deixado de consentir e nem que seu caridoso silêncio tenha sido ouro. Ou não. 

Despeço-me com a incômoda sensação de que, tendo aberto a boca, consenti que entrasse mosquito nela. Ou não?

segunda-feira, 13 de abril de 2015

LILIPUTIANO DE CARVALHO DEMITE O GULLIVER CARSUGHI

Fiquei estarrecido ao ler, neste belíssimo post do Menon, a notícia da demissão do decano dos comentaristas esportivos em atividade no Brasil, Claudio Carsughi.

Italiano de Arezzo, Carsughi tem 82 anos, radicou-se no Brasil em 1946 e quatro anos depois já estava cobrindo o Mundial da Fifa para o Corrière dello Sport. Segundo ele próprio, só na Jovem Pan trabalhou quase 60 anos.

Ele atribui sua saída à direitização da JP:
"A rádio está passando por uma mudança de perfil. Ela assumiu uma postura de direita, que nunca tinha tido. Sempre se ouvia os dois lados. Hoje tem uma posição frontalmente contrária ao PT, à Dilma, ao Lula. Talvez com isso espere o retorno publicitário com empresas do mesmo perfil".
Faz sentido, se levarmos em conta, p. ex., o artigo que reproduzi aqui, de enorme dignidade, que me levou a prestar um merecido tributo ao velho mestre.
Carsughi e o falecido Aluani Neto entrevistando Fittipaldi

Meu recado a ele é: não ligue para a pequenez desses mimadinhos que passam a vida inteira tentando provar-se merecedores do que meramente herdaram e quase sempre fazem encolher de ano a ano, até as empresas falirem ou tornarem-se nanicas. Eles têm inveja dos titãs porque dinheiro nenhum do mundo os colocará no nível dos verdadeiramente grandes. 

Do clã, Paulo Machado de Carvalho é o único que deixou sua marca na história do esporte e do jornalismo.  O filho é aquele que pode ter destruído um vídeo do Geraldo Vandré por mera pirraça (hipótese que levantei aqui). E o neto foi quem conseguiu ofender todos os jornalistas dignos deste nome com uma atitude de estultice e ingratidão inqualificáveis. 

Tomara que a antipatia que ele está granjeando seja a pá de cal para uma emissora que há muito perdeu a identidade e o rumo.

domingo, 12 de abril de 2015

A BASTILHA NÃO CAIRÁ NA AVENIDA PAULISTA

A imagem é impressionante...
O DataFolha inquiriu 2.834 brasileiros sobre um eventual impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

Não considero que, como andei lendo em espaços petistas, fosse vedado ao jornal fazê-lo por inexistirem neste momento razões jurídicas para o impedimento presidencial.

Isto não retira de qualquer cidadão ou entidade o direito de dar entrada num pedido de impeachment, desperdiçando o seu tempo, pois o processo não será aberto. Igualmente, nada existe de ilegal na realização e divulgação de pesquisas a respeito de como o homem comum encara tal questão, desde que os resultados não sejam fraudulentos.

Foi melancólico constatarmos, mais uma vez, o sentimento de impotência do nosso povo diante do sistema, que continuam encarado como algo inacessível, inatingível e impermeável à pressão popular: 83% acreditam que Dilma estava ciente da roubalheira na Petrobrás (57% a veem como conivente e 26% como impotente diante da corrupção) e 63% responderam sim à indagação sobre se o Congresso deveria abrir um processo de impeachment para afastá-la da Presidência. No entanto, 64% duvidam de que ela venha a ser efetivamente afastada. A gente somos inútil...

A opinião é coerente com a atitude: de uma população que já ultrapassa a casa de 200 milhões, só cerca de 1,5% (uns 3 milhões) estão saindo às ruas para defender o que 63% consideram justificável. 

Novidade? Não. A mesma desproporção vem se evidenciando ao longo de toda nossa História, desde o trágico abandono a que foram relegados os inconfidentes, passando pelos acordos de elites que culminaram na independência, na abolição da escravidão, na proclamação da República e no fim das ditaduras getulista e dos generais. 
...mas ainda estamos muito longe disto.

Nosso hino deveria mencionar de um povo abúlico, o resmungo resignado, não de um povo heroico, o brado retumbante...

A triste verdade é que o homem comum brasileiro, quanto muito, secundou tais processos, mas não foi sujeito de nenhum deles. Produzimos, sim, nossos aspirantes a Simon Bolivar e Giuseppe Garibaldi, mas eles morreram no patíbulo (Tiradentes), sob o fogo cruzado de tocaieiros (Marighella) ou executado depois de rendido (Lamarca), sem multidões ao seu lado, pois foram bem poucos os que se dispuseram a correr os mesmos riscos.

Então, Dilma pode dormir tranquila quanto a este aspecto: não serão os manifestantes da avenida Paulista que a vão derrubar, muito menos por causa do petrolão

Só mesmo o agravamento da recessão (que, seguindo à risca a ortodoxia neoliberal, Joaquim Levy nos está enfiando goela adentro) poderá fazer os carneiros rugirem. E isto é coisa que, se vier a suceder, só ocorrerá do segundo semestre em diante, quando a penúria atingir o auge.

Curtam sem restrições a nova atração dominical, mas também sem ilusões: por enquanto, ninguém está tomando nenhuma Bastilha.
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