sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

BELHAM: UM MONSTRO QUE DEVERIA TER SIDO PUNIDO HÁ DECADAS

O hoje general reformado José Antonio Nogueira Belham comandava o DOI-Codi do Rio de Janeiro em 1971, quando o deputado Rubens Paiva morreu como consequência dos espancamentos sofridos em centros de tortura do Exército e da Aeronáutica. Foi no DOI-Codi/RJ que ele expirou e foi o DOI-Codi/RJ que deu sumiço nos seus restos mortais.

Com base nas apurações da Comissão da Verdade, o Ministério Público Federal vai pedir a instauração de ação penal contra Belham. 

Por enquanto, prevalece o entendimento de que a anistia concedida pela ditadura militar a seus agentes em 1979, usando como moeda de troca (para que a oposição a endossasse) a libertação dos presos políticos e a permissão de volta dos exilados políticos, impediria a responsabilização criminal dos matadores, torturadores, estupradores e ocultadores de cadáveres, bem como dos seus mandantes.

Mas, a intenção dos promotores talvez seja a de, no fim da linha, submeterem novamente a questão ao Supremo Tribunal Federal, com o apoio da OAB e  outras entidades da sociedade civil.

Como as nomeações da presidenta Dilma Rousseff mudaram a fisionomia do STF, poderia não se repetir a aberração jurídica de 2010, quando a principal corte do País decidiu que anistias impostas durante a vigência de ditaduras devem ser levadas a sério. O mundo civilizado, começando pela ONU, discorda.  

Tenho fortes motivos pessoais para detestar Belham: o que eu sofri e o que estimados companheiros sofreram nas garras dos seus jagunços .

Mesmo assim, advirto: um octogenário como ele pode morrer a qualquer instante. Se estiver preso ou sendo submetido a processo (pela natureza das acusações) infamante, a direita botará a boca no trombone, fazendo o maior estardalhaço. Poderemos transformar um terrível algoz em vítima e até gerar um clima ruim nos quartéis.

Considero imprescindível que o Estado brasileiro emita um veredicto definitivo a respeito dos Belhams, Ustras e Curiós: o de culpados por execuções covardes e atrocidades de todo tipo. Que passem à História como motivos de vergonha nacional, merecedores da repulsa dos pósteros.

Considero temerário irmos além disto -até porque a senilidade esvazia a monstruosidade. Foram monstros e deveriam ter sido punidos como tais quando ainda o eram. Hoje não passam de velhos de maus bofes, tornados inofensivos pela idade e esperando o momento de baixarem à cova. 

Se o catolicismo estiver certo, legiões de demônios os esperam para fazê-los provar do próprio veneno.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

FANÁTICOS RELIGIOSOS INVESTEM CONTRA "JESUS CHRIST SUPERSTAR"

Está na Folha de S. Paulo desta 4ª feira, 26:
"Quarenta e três anos após 'Jesus Cristo Superstar' estrear nos EUA, o musical com letras de Tim Rice e música de Andrew Lloyd Webber ainda é capaz de cutucar instituições religiosas no Brasil.
O calo apertou no pé de grupos católicos de São Paulo, onde nova montagem estreia no dia 14...
A Associação Devotos de Fátima colocou na internet petição defendendo o cancelamento do financiamento da peça com recursos públicos.
Com apoio da Associação Sagrado Coração de Jesus, o grupo espalhou sua mensagem de repúdio ao espetáculo e obteve adesão de blogs e páginas no Facebook".
A internet potencializa o que há de melhor e o que há de pior na sociedade. Serve para nossos indignados marcarem seus legítimos protestos contra as maracutaias da Copa, mas também pode ser colocada a serviço da intolerância mais tacanha e patética dos fanáticos religiosos.

No besteirol que os mentalmente ancorados na Idade Média botaram pra circular em pleno século 21 lê-se que "não é lícito ao Estado laico violentar barbaramente a fé de milhões de pessoas, promovendo, com o dinheiro dos contribuintes, o evento blasfemo".


Acontece que se trata apenas de uma peça teatral que atendeu às especificações da Lei Rouanet, sendo, portanto, autorizada a captar R$ 5,7 milhões. O Estado laico não emitiu nenhum juízo de valor sobre o espetáculo, limitando-se a verificar se ele se enquadrava numa legislação existente de incentivo à cultura. 


Os obscurantistas extemporâneos querem, simplesmente, introduzir uma nova forma de censura, voltada contra uma peça que passou incólume até mesmo pela censura ditatorial, em plena era Médici!

Como de hábito, o conservadorismo anda de mãos dadas com o reacionarismo, pois a petição zurra:
"Não creio que esse Ministério teria coragem de promover 1% de algo que criticasse Maomé (ou mesmo Fidel Castro!...)."  
Simplesmente não existe produtor teatral que ouse se tornar alvo do terrorismo islâmico e o mais provável é que uma peça criticando Fidel Castro naufragasse na bilheteria, por ser um tema fora de moda. Mas, se alguém assumisse tais riscos, decerto seria igualmente autorizado a captar recursos no mercado, o que não tem nada a ver com "promover" coisa nenhuma.

Para que os leitores conheçam melhor o pomo da discórdia, reproduzo abaixo a apresentação que fiz do filme Jesus Christ Superstar, quando o disponibilizei no blogue. A abertura, aliás, cai como uma luva, no contexto desta nova investida dos patrulheiros da fé.
UM FILME INDIGESTO PARA OS 
FELICIANOS DA VIDA

Os religiosos conservadores consideram que a Bíblia, o Alcorão e outros textos antigos sejam a expressão fiel, eterna e imutável da palavra divina, não comportando questionamentos nem reflexões, apenas a aceitação incondicional.

Quem não abdica do nosso grande diferencial em relação aos animais, a capacidade de pensar, encara tais textos como produtos históricos. Neles existem ensinamentos válidos até hoje, mas também preceitos superados, característicos de sociedades extremamente menos complexas do que a nossa. 

Há, contudo, os que fazem da fidelidade à ortodoxia uma bandeira, mesmo estando muito longe de por ela pautarem sua vida privada. Geralmente, assim procedem por ser esta a atitude mais conveniente para obterem sucesso em determinado nicho de mercado. São os Felicianos do templo. 

A reverência obtusa marcava os intragáveis filmes religiosos da minha meninice, como O mártir do calvárioVida, paixão e morte do Nosso Senhor Jesus Cristo e que tais. Eram projetados ano após ano na 6ª Feira Santa, sempre com as mesmíssimas cópias gastas, roídas até o osso. A lembrança que me ficou é a de feriados estragados pela falta da minha diversão favorita, a matinê dos saudosos cines Aliança e Patriarca 

Até 1973, eu só travara contato com uma visão alternativa, a de Pier Paolo Pasolini em O evangelho segundo São Mateus (1964). Enfatiza os aspectos  subversivos  da pregação de Cristo, mas era um filme árido demais para me cativar, deliberadamente pobre e sombrio, com pouca ação e uma overdose de diálogos, parecendo teatro filmado.

Veio então o musical Jesus Christ Superstar, e foi uma grata surpresa. Adorei. Tinha ótimas músicas, coreografias belíssimas, fotografia impecável, força dramática e, acima de tudo... vida inteligente. Tratava-se da adaptação cinematográfica da melhor de todas as óperas-rock.

Andrew Lloyd Weber mandou bem nas músicas, mas o maior mérito foi do letrista Tim Rice, que deu uma abordagem crítica aos últimos dias de Cristo. Mostrou os grandes personagens do drama bíblico como prisioneiros da História, relutantes em cumprir sua sina mas impotentes para dela escapar.

Assim, Jesus não quer o cálice do martírio mas se submete à vontade divina, pedindo, contudo, a Deus que faça tudo acontecer rapidamente, antes que ele mude de ideia.

Judas não quer trair, mas teme que Cristo tenha perdido o controle da multidão e dê aos romanos motivo para promoverem um banho de sangue.

Pilatos não vê crime a ser punido, mas recua quando o povaréu lhe urra que acima dele está César e a tibieza poderá acarretar sua desgraça.

O sumo-sacerdote Caifás teme o caos que, na sua opinião, advirá se a autoridade religiosa for abalada.

Só Herodes, mostrado como um frívolo hedonista, não age a contragosto e optando pelo que seria um mal menor. 

Foi um achado a solução encontrada pelo brilhante cineasta Norman Jewison (o diretor de A mesa do diaboNo calor da noite e Hurricane): encenar seu drama nas ruínas e desertos de Israel. Estava bem no espírito da era hippie, tendo tudo a ver.

E, num elenco de desconhecidos que não destoaram, o destaque absoluto é o enérgico e carismático Carl Anderson como Judas. Aliás, Jewison foi indagado sobre o motivo da escolha de um negro para papel tão melindroso. Respondeu que se tratava do personagem com maiores exigências dramáticas, daí ter optado pelo melhor ator de que dispunha, sem dar a mínima para sua cor.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

SURPREENDENTE, AMARGO, CORROSIVO: "SALA DO SUICÍDIO"


Nunca pretendi que os filmes para ver no blogue fossem quase todos antigos. Só que nada de realmente bom encontrava para recomendar na produção recente, nenhum trabalho que me entusiasmasse tanto como, digamos, O amigo americano e Jonas, que terá 25 anos no ano 2000 na década de 1970, Era uma vez na América e O veredicto na de 80, Exótica e Os imperdoáveis na de 90, O lutador e Sobre meninos e lobos na passada.

Há pouco, assisti a uma obra-prima de Stephen Frears pela qual quase todos estão passando batidos e que dificilmente será disponibilizada no Youtube: Muhammad Ali's greatest fight (2013), sobre os bastidores do julgamento do magistral pugilista na Corte Suprema dos EUA, por ter-se negado a participar de uma guerra imoral. Mostra a crescente rejeição à intervenção no Vietnã e os caminhos tortuosos que levam os pavões togados a sintonizarem-se com a voz das ruas. 

Se de Frears esperava muito (sou fã de carteirinha de The hit e de Os imorais), do diretor polonês Jan Komasa não esperava nada. Nem sequer o conhecia, para falar a verdade. Vejo que antes só fizera um curta, um segmento de obra conjunta, um documentário e um filme para TV.

Portanto, deve encarado Sala do suicídio (que vocês assistir, completo e legendado, na janelinha abaixo) como sua grande oportunidade de afirmação artística. O filme tem exatamente o jeitão de tour de force. E o já não tão jovem Komasa (32 anos) dele sai como um dos talentos mais impressionantes da nova geração. 

O filme faz também lembrar o saudoso cinema do autor, pois o roteiro é também creditado a Komasa e não há indicação de que se trate de adaptação da história alheia.  

Sala do Suicídio consegue, em seus 110 minutos que passam voando, lançar um olhar corrosivo sobre diversas mazelas atuais.

Dominik (Jakub Giersza), um jovem sensível e promissor, leva a vida como heterossexual até que sente-se atraído por um colega de escola. Tudo se precipita quando ambos são colocados para treinarem judô juntos. O agarra-agarra faz Dominik ter uma ejaculação em público, o que o torna imediatamente alvo de builyng exacerbado.

Em frangalhos, sem saber lidar com a vergonha e a rejeição, não pode contar com o apoio dos pais ricaços, obcecados com a carreira e incapazes de se comunicar verdadeiramente com ele.

Resta-lhe a internet, na qual passa a fugir dos bate-papos em que seu caso é cruelmente exposto e zoado. Trava, então, contato com uma comunidade de aspirantes ao suicídio, na verdade marmanjos que brincam com a idéia, sem intenção de colocarem-na em prática. A partir daí, boa parte do filme transcorre nesse mundo de faz-de-conta, em que os avatares interagem e ninguém se machuca.

Para os adultos mal resolvidos, é até uma terapia. Para o fragilizado Dominik, a sala do suicídio serve como refúgio e como alternativa à realidade na qual não consegue mais se encaixar. E a obsessão o vai levando cada vez mais longe.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

"MEU NOME É NINGUÉM" VALE POR LEONE, MORRICONE E HENRY FONDA

Meu nome é ninguém (1973) é o filme para ver no blogue deste sábado. Trata-se de um western italiano que o grande Sergio Leone idealizou, produziu e dirigiu, preferindo, contudo, transferir a seu assistente Tonino Valerii o crédito de diretor.

Por quê? Tenho cá pra mim que ele não quis quebrar a sequência evolutiva de sua obra. Começara dirigindo épicos da Antiguidade (Os últimos dias de Pompéia –também não creditado–, 1959; e O colosso de Rodes, 1961), inventara o bangue-bangue à italiana ao transferir para o velho Oeste uma saga de samurais (Por um punhado de dólares, 1964) e foi realizando filmes cada vez mais ambiciosos:
  • Por uns dólares a mais (1965), em que uma busca de vingança assume contornos grandiosos;
  • Três homens em conflito (1966), perfeito como filme de ação e extraordinário como líbelo contra a guerra;
  • Era uma vez o Oeste (1968), um western nostálgico e filosófico, que contrapõe lendas e realidade, desmistificando fábulas românticas consagradas, ao mesmo tempo em que tributo a essas belas fantasias;
  • Quando explode a vingança (1971), tudo que ele queria dizer sobre as revoluções, sem prejuízo da ação propriamente dita, magnífica!

O passo seguinte seria Era uma vez a América (1984), monumento cinematográfico, uma das maiores obras-primas da sétima arte em todos os tempos.

Enquanto acumulava forças e reunia recursos para seu projeto mais caro e ousado, que tal ganhar um dinheirinho surfando na onda do sucesso de Terence Hill em clave cômica? [Este ator começara seguindo as pegadas de Franco Nero como mocinho sinistro, mas não convencia e acabou descobrindo sua real vocação ao estrelar o acomediado Chamam-me Trinity (d. Enzo Barboni, 1970).]

Meu nome é ninguém combina o melhor do Leone (novamente a discussão sobre como se engendravam as lendas, a belíssima trilha musical -desta vez um tanto wagneriana- de Ennio Morricone e a dignidade que Henry Fonda confere ao seu personagem) com o pior do Terence Hill (as sequências típicas de comédia de pastelão, cuja ausência seus fãs jamais perdoariam, daí terem sido incluídas para garantir bom desempenho nas bilheterias). 

A história é a de um jovem desconhecido mas muito hábil no gatilho (Hill), que importuna uma lenda viva do Oeste (Fonda), tentando por todos os meios forçá-lo a, antes de aposentar-se, inscrever seu nome definitivamente na História: quer que ele enfrente sozinho um verdadeiro exército de malfeitores.

Em termos qualitativos, o desperdício de tempo com as canastrices  de Hill o coloca mais ou menos no patamar de Por um punhado de dólares; sem tal concessão comercial, seria uma espécie de irmão menor de Era uma vez o Oeste

Mesmo assim, tem um ótimo ponto de partida e algumas sequências inesquecíveis. Merece ser visto.

Leone repetiria a dose com Trinity e seus companheiros (1975), usando Damiano Damiani como testa-de-ferro. É um filme vazio e indefensável, pior do que qualquer western dirigido por Leone ou pelo próprio Damiani (cujo Gringo, de 1966,  fora outra das inspiradíssimas incursões da Cinecittà pela Revolução Mexicana). Felizmente, não houve uma terceira associação com Terence Hill, um ator simpático e carismático, mas que se projetou num contexto de decadência e descaracterização do ciclo, acabando por as simbolizar.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

SAI A 'DILMA PRENDO E ARREBENTO', ENTRA A 'DILMINHA PAZ & AMOR'

Esta Dilma queremos ver sempre.
Nada como um dia depois do outro.

Talvez por terem repercutido pessimamente suas declarações da véspera, ameaçando lançar as Forças Armadas contra os jovens que manifestarem seu inconformismo durante a Copa das Maracutaias, a presidenta Dilma Rousseff mudou do fel para o mel, dando uma boa humanizada no discurso.

Nesta 5ª feira (20), ao inaugurar a Festa Nacional da Uva, em Caxias do Sul, ela se imbuiu do espírito do evento, cujo tema é a alegria da diversidade

Disse que:
"Estamos construindo um país que respeita as diferenças"
"A Copa será um momento especial para exercitarmos o convívio harmonioso"
"O Brasil sediará a Copa da paz e da alegria da diversidade"
"Queremos construir uma sociedade cada vez mais harmoniosa".
Esta, nunca mais!
Assim como fui o primeiro a vaiar a aparição da Dilma prendo e arrebento, sou também o primeiro a aplaudir a volta da Dilminha paz & amor.

Tomara que esta última versão esteja aí para ficar! 

E, como recorri a uma relíquia musical do Ary Toledo para dramatizar o meu repúdio à fala belicosa da Dilma (vide aqui),  vou me servir de uma canção igualmente longínqua do Gilberto Gil para expressar o alívio que agora estou sentindo:
"A lua foi alcançada afinal, muito bem!
Confesso que estou contente também"

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

DILMA VAI SOLTAR "OS MILICOS NA RUA, MANDAR SENTAR PUA, PEGAR E BATER E MATAR E PRENDER"...

A presidenta Dilma Rousseff acaba de dar uma declaração que prenuncia banhos de sangue durante a Copa, quando os olhos do mundo inteiro estarão  voltados para o Brasil: 
"A Polícia Federal, a Força Nacional de Segurança, a Polícia Rodoviária Federal, todos os órgãos do governo federal estão prontos e orientados para agir dentro de suas competências [contra as manifestações de protesto durante o Mundial da Fifa] e, se e quando for necessário, nós mobilizaremos também as Forças Armadas".
Tudo que havia a ser dito, eu já disse num artigo de três semanas atrás:
"O perigo aumenta com a cartilha repressiva lançada sorrateiramente pelo ministro da Defesa no finalzinho de 2013 (vide aqui), abrindo a possibilidade de que as Forças Armadas venham a ser acionadas para reprimir black blocks, indignados e rolezeiros. Aí as mortes de civis serão praticamente uma certeza; faz parte da cultura militar esmagar o inimigo, o que é catastrófico quando se lida com cidadãos do próprio país. Deus nos acuda!"
O verso que eu citei no título é da música "Tiradentes", de Chico de Assis e Ary Toledo. Houve um tempo em que a Dilma se indignava com a péssima cena do Visconde de Barbacena. Agora, por uma ironia da História, poderá ser ela a tirar a focinheira dos pitbulls.

Deveria lembrar que em 2008, quando os militares foram, por motivos eleitoreiros, designados para policiarem os favelados do Morro da Providência e se tornaram cúmplices da tortura e assassinato de três jovens por parte de traficantes rivais (vide aqui), o prestígio daquele a quem se pretendia beneficiar (Marcelo Crivella, candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro) despencou a tal ponto que ele nem sequer chegou no 2º turno. Com os caixões atados aos pés, Crivella foi arrastado para o fundo do poço.

Se, novamente, a utilização das Forças Armadas em situações para as quais não se prestam, resultar na morte de civis -e isto em pleno Mundial!-, a reeleição virará pó.

Quem avisa, amigo é.

COMISSÃO DA VERDADE QUER SABER COMO QUARTÉIS VIRARAM FILIAIS DO INFERNO

Por fora, o DOI-Codi de SP era assim...
A Comissão Nacional da Verdade exige que as Forças Armadas apurem como sete instituições militares foram transformadas em centros de tortura durante a ditadura de 1964/85.

Segundo o coordenador do colegiado, Pedro Dallari, elas têm o "dever de investigar" tal desvio de finalidade: 
"Esse desvio não foi algo ocasional, não foi algo eventual. Houve um padrão, foi rotineira e administrativamente organizado. (...) O desvirtuamento do uso, em si, já é um dano ao erário, na medida em que aquele espaço se destina às funções constitucionais das Forças Armadas e não foi utilizado para tal".
Requerimento neste sentido foi entregue nesta 3ª feira (18) ao ministro da Defesa, Celso Amorim. A comissão pede a instalação de sindicância interna e a punição administrativa dos responsáveis. 

Contar pormenorizadamente a história desses horrores é válido -eu diria até obrigatório. Espero que a tal sindicância forneça os elementos necessários. 

...e por dentro, mais ou menos assim.
Já a disposição de punir os coadjuvantes menores do terrorismo de estado chega com décadas de atraso; o momento certo seria 1985, quando o Brasil saiu das trevas.

A metamorfose de algumas dependências de quartéis e distritos policiais em filiais do inferno se deu no final dos anos 60 e início dos '70. É pra lá de improvável que quem comandou tais adequações ainda se encontre no serviço ativo. 

Ademais, seria patética a punição dos envolvidos na montagem do cenário para as torturas antes da punição dos que as ordenaram e dos que as executaram. Comer pelas bordas não é a solução neste caso. 

E a Casa da Morte de Petrópolis (RJ), onde pelo menos 19 resistentes foram abatidos como animais? Um empresário alemão, provavelmente saudoso do nazismo, cedeu o imóvel. Mas, não seria o caso de investigarem-se também, do ponto de vista administrativo, os detalhes de sua adaptação e manutenção? Como a ordem partiu do então ministro do Exército Orlando Geisel, o principal culpado já é conhecido. 

As sete instituições listadas são aquelas contra as quais foram apresentadas mais queixas pelos torturados: os DOI-Codi's do Rio de Janeiro, de São Paulo e do Recife; a 1ª Companhia da Polícia do Exército da Vila Militar, no RJ; o quartel do 12º Regimento de Infantaria do Exército, em Belo Horizonte; a base aérea da Ilha das Flores e a base aérea do Galeão, ambas no RJ.

São 19 as execuções confirmadas na Casa da Morte
Certifico e dou fé que as torturas grassavam soltas em três delas:
  • no DOI-Codi do RJ, instalado no quartel da Polícia do Exército da rua Barão de Mesquita, onde tanto me fizeram que passei perto de enfartar aos 19 anos de idade;
  • na PE da Vila Militar, onde me estouraram o tímpano; e
  • no DOI-Codi de SP, que ficava nos fundos de uma delegacia da rua Tutóia (era onde eu pernoitava quando me traziam do RJ para as sessões nas auditorias do Exército, daí ter ouvido os gritos de torturados e conversado com alguns deles na cela, além de o comandante haver, orgulhosamente, me conduzido num tour compulsório pelas instalações, com direito a conhecer e a sentar na chamada cadeira do dragão).
Talvez os pais de Auschwitz e Buchenwald tivessem a mesma devoção por suas crias...

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

UM FURO DO BLOGUE: SAIBAM COMO É A CARA DA DERROTA

Nesta 3ª feira (18), ficou decidido que ninguém tocará rebu 
na Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal 
(veja aqui). Será um petista que a vai presidir.

ESTOU SOLIDÁRIO A FREIXO. E AOS POBRES TOLOS TAMBÉM!

O cisne merece mesmo nossa irrestrita solidariedade...
Quem acompanha o meu trabalho sabe muito bem que, numa pendência entre um Marcelo Freixo e uma TV Globo, estarei sempre ao lado do primeiro. Porque conheço bem o companheiro e sua história de lutas; e conheço melhor ainda a emissora e sua história de desserviços ao Brasil e ao povo brasileiro.

Mas, está sendo cometida uma injustiça maior ainda do que a forçação de barra para envolver Freixo com o incidente em que morreu o cinegrafista: trata-se da campanha histérica de satanização desses jovens inexperientes e inconsequentes, que não pretendiam matar ninguém e agora deverão passar seus melhores anos na prisão. 

A imprensa canalha trabalha em cima dos piores instintos dos cidadãos, criando um clima de linchamento legal; e a Justiça acabará chegando tão próxima quanto possível do olho por olho, dente por dente. Duvido que qualquer atenuante venha a ser considerada. Caio Silva de Souza e Fábio Raposo deverão mofar no presídio pelo máximo que a lei facultar.
... mas os patinhos feios não deveriam ser entregues às feras.

Entre a reputação de Freixo (que os infames tentam atingir) e a vida estragada dos tolos que brincaram com fogo e saíram queimados, aflige-me muito mais a segunda injustiça. 

Pois Freixo tem muitos Caetanos Velosos a defendê-lo, enquanto que dos outros a esquerda chique quer distância. Pega mal solidarizar-se a eles.

Eu, que não me guio por conveniências, continuarei pregando um pouco de compreensão e de compaixão. Erraram, devem ser punidos, mas não com o extremo rigor que só se deveria aplicar aos criminosos empedernidos. 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

MAIS MÉDICOS? SIM! MAIS LAMBANÇAS? NÃO!

No dia 24 de agosto de 2013 eu fiz um artigo (este aqui) defendendo entusiasticamente o programa Mais Médicos. Postei-o nos meus espaços virtuais e divulguei-o por e-mail. 

Se bem me lembro, logo no dia seguinte Eliane Cantanhêde, da Folha de S. Paulo, levantou a lebre de que o governo cubano se reservara o papel de agenciador de mão-de-obra, com a anuência do governo brasileiro. 

Velho jornalista, percebi imediatamente o que decorreria deste erro crasso. E, nas postagens em que havia a possibilidade de eu acrescentar um P.S. ao meu texto, tasquei: 
"...depois de escrito este artigo, veio à tona o estranho esquema de pagamentos adotado no programa Mais Médicos. O dinheiro vai para as autoridades cubanas, que repassam só uma parte para os doutores, confiscando mais da metade. (...) E, com isto, passaram a existir fundamentos legais para o questionamento do programa nos tribunais".
Fico pasmo com a ingenuidade das autoridades brasileiras que trataram do assunto. Bastou um detalhe inaceitável do programa para acionar todos os alarmes na minha cabeça. Elas, que conheciam todos os detalhes, acreditaram que ninguém descobriria. Superestimar o inimigo é receita certa de desastre.

Previsivelmente, ocorreram as defecções de sempre, dando munição para a direita deitar e rolar. O Congresso Nacional virou palco iluminado para o show do DEM, tendo como apresentador um antigo ferrabrás da UDR. E os EUA estenderam o tapete vermelho para todos os interessados em, após curto estágio, trocarem nossos cafundós por Miami.

Previsivelmente, um promotor do Ministério Público do Trabalho fez o que lhe competia diante de situações às quais jamais poderia fechar os olhos.

Previsivelmente, um notório jurista reacionário fulminou o programa num dos principais veículos da grande imprensa, colocando outros promotores na obrigação de intervirem também.

Ives Gandra Martins é um dos maiorais do Opus Dei, mas isto não invalida sua argumentação jurídica, apenas explica o fato de ele estar tão bem informado sobre aquilo que o governo cubano tanto esforçou-se para manter em segredo. 

Seu artigo na Folha de S. Paulo desta 2ª feira, 17 (acesse aqui ) deveria soar no Palácio do Planalto como um alerta de que é chegada a hora das providências drástica: ou adequa o Mais Médicos às leis brasileiras, pagando aos profissionais a totalidade dos seus vencimentos e oferecendo-lhes proteção contra retaliações cubanas (ou seja, garantindo direito de asilo aos que renegarem os compromissos a eles impostos antes da viagem), ou é melhor dar um fim à sua participação no programa. Simples assim.

O contrato que eles assinaram com uma tal Mercantil Cubana Comercializadora de Serviços Médicos Cubanos S/A é simplesmente escabroso, submetendo os médicos a um controle tão rígido do seu governo, em nosso território, que nem sequer casarem com uma brasileira eles podem sem "autorização prévia por escrito" das autoridades de lá.

Gandra conclui (e, pelo menos quanto a isto, deve estar certo):
"A leitura do contrato demonstra nitidamente que consagra a escravidão laboral, não admitida no Brasil. Fere os seguintes artigos da Constituição brasileira: 1º incisos III (dignidade da pessoa humana) e IV (valores sociais do trabalho); o inciso IV do art. 3º (eliminar qualquer tipo de discriminação); o art. 4º inciso II (prevalência de direitos humanos); o art. 5º inciso I (princípio da igualdade) e inciso III (submissão a tratamento degradante), inciso X (direito à privacidade e honra), inciso XIII (liberdade de exercício de qualquer trabalho), inciso XV (livre locomoção no território nacional), inciso XLI (punição de qualquer discriminação atentatório dos direitos e liberdades fundamentais), art. 7º inciso XXXIV (igualdade de direitos entre trabalhadores com vínculo laboral ou avulso) e muitos outros".
Ou o governo brasileiro corrige agora e já tais lambanças, ou verá adiante o programa ser espetacularmente esquartejado nos tribunais durante o dia e no Jornal Nacional à noite.

Um desfecho triste e lamentável, pois era meritória a iniciativa de levar médicos, quaisquer médicos  minimamente competentes, aos grotões desatendidos. Só não podíamos era sujeitarmo-nos tão obtusamente ao autoritarismo cubano, levantando a bola para os adversários marcarem uma avalanche de pontos.

Por último: o cesteiro Lula já fez dois cestos, mas, se não mudar seus planos, dificilmente chegará ao cento. O mais provável é empacar logo no terceiro. 

Quem poderia se eleger surfando na onda de um programa popular e vitorioso, não se elegerá com os Gandras da vida afirmando, e a mídia a serviço da direita (ou seja, quase toda a mídia) trombeteando dia e noite, que "o Mais Médicos esconde a mais dramática violação de direitos humanos de trabalhadores de que se tem notícia, praticada, infelizmente, em território nacional".

domingo, 16 de fevereiro de 2014

FIM DE PAPO: JOAQUIM BARBOSA ESTÁ FORA DA CORRIDA PRESIDENCIAL

A entrevista de Joaquim Barbosa à veja resultou numa comédia de erros com final feliz: se existia alguma possibilidade de ele disputar a próxima eleição presidencial, agora não há nenhuma. Para alívio dos que sabem aonde podem levar as candidaturas sem verdadeira sustentação política, de líderes carismáticos que se colocam acima dos partidos, das ideologias e da própria sociedade. 

Na noite de 6ª feira (14), a  dita suja... ôps, ato falho, eu queria dizer a dita cuja, colocou no ar as chamadas de capa de sua edição 2.361, incluindo a relativa à intenção do ministro Joaquim Barbosa de aposentar-se do STF; a íntegra, contudo, só seria conhecida na manhã de sábado (15), quando da entrada da revista nas bancas. 

A novidade, destacada pelo site Brasil 247, provocou alvoroço nas redes sociais. Somada à recente interpelação do ex-presidente Lula a JB, foi interpretada como indício seguro de uma candidatura presidencial. Até eu embarquei na canoa furada, dissecando tal possibilidade neste artigo que escrevi em plena madrugada.

Mesmo a posterior leitura da íntegra da entrevista não me deu a certeza de estar afastado o espectro de uma candidatura que poderia ser tão nefasta quanto as de Jânio Quadros e Fernando Collor.

JB negava a intenção de candidatar-se em 2014, mas a veja lhe atribuiu um timing muito suspeito: pretenderia pendurar a toga no próximo mês de abril, exatamente o prazo-limite para deixar a Justiça e inscrever-se num partido ainda em tempo de disputar a eleição deste ano.

Dificilmente saberemos se JB declarou mesmo o que o repórter da veja colocou na sua boca ou a revista mais uma vez estava praticando seu costumeiro wishful thinking, no afã de empurrar os acontecimentos na direção que considera correta. 

Desde que deixou de ser revista, tornando-se apenas o house organ da direita truculenta e golpista, a veja é useira e vezeira nessas manipulações grosseiras, que acabam invariavelmente ruindo como castelos de cartas.

O certo é que a assessoria de JB desmentiu, em nota oficial, boa parte das afirmações que a veja lhe imputou:
  1. "O presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, ratifica que não é candidato a presidente nas eleições de 2014.
  2. "Com relação a uma possível renúncia ao cargo que hoje ocupa, o ministro já manifestou diversas vezes seu desejo de não permanecer no Supremo até a idade de 70 anos, quando teria que se aposentar compulsoriamente. No entanto, não existe nenhuma definição com relação ao momento de sua saída. Ele não fez consulta alguma ao setor de recursos humanos do STF sobre benefícios de aposentadoria.
  3. "No que se refere ao seu futuro após deixar o Tribunal, o ministro reserva-se o direito de tomar as decisões que julgar mais adequadas para a sua vida na ocasião oportuna. Entende que após deixar a condição de servidor público, suas decisões passam a ser de caráter privado.
  4. "O ministro Joaquim Barbosa não faz juízo de valor sobre nenhum dos partidos políticos brasileiros, individualmente. A respeito do quadro partidário, já expressou sua opinião no sentido da realização de uma ampla reforma política que aprimore o atual sistema. Apesar de já ter tornado público o seu voto nas últimas três eleições presidenciais, o presidente do STF, Tribunal que é o guardião da Constituição, ratifica seu respeito por todas as agremiações partidárias, seus filiados e eleitores."
Ou seja, JB nega que já tenha fixado sua saída  para abril, nega que haja pedido esclarecimentos sobre sua aposentadoria (isto pipocara na imprensa alguns dias antes, alimentando as especulações sobre uma saída iminente), não confirma nem descarta que pretenda disputar as eleições de 2018 e nega haver dito que o PT hoje está "tomado por bandidos, pela corrupção".

Ou falou demais e recuou, ou a veja forçou a barra por ansiar desesperadamente pela sua entrada na corrida presidencial.

Na segunda hipótese, terá desferido um formidável tiro pela culatra: JB, agora, foi longe demais para poder dar o dito por não dito sem ficar desmoralizado. 

Cai o pano. 

sábado, 15 de fevereiro de 2014

JOAQUIM BARBOSA NA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA? QUE DEUS NOS ACUDA!

A hipótese de Joaquim Barbosa deixar o Supremo Tribunal Federal e candidatar-se à Presidência da República me dá calafrios.

Não pelos motivos que afligem os petistas. Estou longe de encarar o JB como Satã com chifres e rabo pontiagudo.

Acompanhando com muita atenção, de fio a pavio, as quatro longas sessões de julgamento do Caso Battisti, avaliei JB como um homem alinhado basicamente com as posições de esquerda. 

Mostrava-se muito sensível às questões sociais e raciais (claro!). E, num momento em que suas dores nas costas lhe causavam visível sofrimento, não arredava pé do campo de batalha, intervindo firmemente nos momentos cruciais. Enquanto Marco Aurélio Mello se destacava como o mais articulado dos ministros que se opunham aos linchadores, JB era o mais inflamado.

Contrastava vivamente com Gilmar Mendes e Cezar Peluso, que se evidenciavam em cada afirmação e em cada votação como homens de direita; e cuja orientação básica, em outros casos, era invariavelmente conservadora/reacionária.

Como relator do processo do mensalão, contudo, JB desde o início deixou transparecer que não aliviaria para os réus. 

Por quê? Aqui só podemos ficar no terreno das conjeturas, se quisermos fazer uma análise e não produzir um panfleto de desqualificação. 

O certo é que ele não procedeu assim por convicções direitistas. Parafraseando a frase marcante do filme Os suspeitos, o maior truque do PT é fingir que continua revolucionário e todos os seus adversários são reacionários.

Foi um erro gravíssimo dos petistas colocarem JB nessa vala comum. Tornaram-no um inimigo figadal.

Pelas reações exacerbadas de JB quando imagina estar sendo menosprezado por outros ministros, salta aos olhos que, tendo enfrentado enormes dificuldades para chegar aonde chegou, seu amor próprio inchou como balão.  Um balão que explode na cara do primeiro que ousar pôr em dúvida seus méritos.

Quando, já presidindo o STF, passou a conduzir o julgamento do mensalão como uma espécie de cruzada pessoal contra os réus, ocorreram-me duas interpretações opostas: 
  • JB detesta os abusos dos poderosos e poderia estar considerando de suma importância a punição exemplar de personagens que normalmente escapam incólumes;
  • mas, poderia também ter-se deslumbrado com os holofotes interesseiros apontados na sua direção, passando a fazer o que dele a grande imprensa espera para, com o beneplácito dela, brilhar cada vez mais.
Se tiver mesmo sido picado pela mosca azul, que Deus nos acuda!

Pois não me convencem as projeções simplistas segundo as quais, detendo hoje 15% das intenções de voto, ele só serviria para evitar que a eleição presidencial se decidisse no 1º turno. Num cenário como o atual, de descontentamento difuso e enorme frustração com os políticos tradicionais, o eleitorado tende a voltar-se para outsiders que representem, ou pareçam representar, a alternativa a tudo que está aí.

As chances de JB seriam bem reais. E, como a memória dos brasileiros é curta, poucos levariam em conta os terríveis precedentes de quem ascendeu ao poder embandeirado no combate à corrupção e pairando acima de partidos e ideologias.

homem da vassoura acabou foi varrendo a democracia para a lixeira.

caçador de marajás teve de sair sob vara pela porta dos fundos, caso contrário seria ele o cassado. 

Se partidos no poder costumam subjugar-se aos interesses dominantes, mantendo intocada a dominação burguesa, homens messiânicos no poder até agora só geraram instabilidade e turbulências.

Os primeiros têm se limitado a administrarem as miudezas do varejo, enquanto o poder econômico dá as cartas no atacado. Os segundos conseguiram piorar o que já era péssimo. 

Um presidente neófito na política e sem jogo de cintura, cujo temperamento mercurial se manifesta com indesejável frequência, seria um terceiro salto no escuro, depois de quebrarmos as pernas duas vezes..

Repito: que Deus nos acuda!

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

OS INOCENTES ÚTEIS E OS TOTALITÁRIOS INÚTEIS

O advogado Jonas Tadeu Nunes afirma que seu cliente Caio Silva de Souza e outros jovens recebiam pelo menos R$ 150 cada para provocarem distúrbios durante as manifestações de protesto. E que os contratantes lhes forneciam, inclusive, as fantasias de black blocs.

Pode ser verdade. Afinal, é fácil e barato de se fazer. E há sempre forças políticas interessadas em fomentar o caos, os famosos pescadores em águas turvas [1].

O certo é que, no fundamental, constata-se nas ruas um imenso desencanto com as consequências do capitalismo (embora a maioria ainda não esteja consciente de que seja ele a causa)  e com os governos que para elas concorrem, inclusive os do PT.

O secundário são as peripécias das refregas que causam vítimas de ambos os lados.

Umas são pranteadas e praticamente canonizadas pela grande imprensa e pelos defensores virtuais dos interesses petistas, como o cinegrafista Santiago Ilídio de Andrade. Os responsáveis devem ser punidos, claro, mas nem de longe se justifica tão histérica satanização de jovens que não se davam conta do dano que poderiam causar. 

Num país em que tantos matam premeditadamente e com extrema crueldade, é patético que os maiores vilãos acabem sendo uns tolos que mataram sem consciência e por inconsequência (se comprovado que terceiros guiavam suas mãos, estes merecem castigo muito mais rigoroso, pois os mandantes são sempre maiores culpados do que os executantes).

Outras vítimas são vergonhosamente escamoteadas pela mídia. O caso mais emblemático e chocante não se deu exatamente no curso dos protestos, mas tem de ser lembrado sempre: Ivo Teles da Silva, 69 anos, foi bestialmente espancado pela PM de Geraldo Alckmin durante o episódio conhecido como a barbárie no Pinheirinho, por ela sequestrado e mantido longe dos parentes que o procuravam desesperadamente. Tudo isto para esconder seu estado deplorável; para que a opinião pública não tomasse conhecimento da barbarização de um idoso. Só foi localizado 10 dias depois, teve alta mas acabou morrendo. 

Luminares do Direito brasileiro, dentre eles Celso Antonio Bandeira de Mello, Dalmo de Abreu Dallari e Fabio Konder Comparato, entenderam que havia sido cometido um crime e como tal o denunciaram (juntamente com as muitas outras ilegalidades perpetradas no Pinheirinho) à Comissão de Direitos Humanos da OEA. A indústria cultural ignorou olimpicamente.

O fato é que as lágrimas de crocodilo só jorram profusamente quando um cinegrafista de TV é morto por reais ou supostos black blocs, ou quando um coronel é espancado. A indignação (seletiva) foi bem menor no caso das várias dezenas de profissionais da imprensa feridos durante as manifestações pela PM paulista, alguns dos quais sofreram lesões graves e definitivas. 

Ou quando um soldado apertou o gatilho desnecessariamente e colocou em coma um bobinho que portava um estilingue... perdão, um canivete (é quase a mesma coisa). Tivesse Fabrício Proteus Chaves morrido, o volume das lamentações seria o mesmo? Nem a pau, Juvenal!

Mas, repito, o principal continuam sendo os motivos -justíssimos- que levam os jovens às ruas. Como a Copa das maracutaias, cuja realização a Fifa admitiria com apenas oito sedes, mas o governo brasileiro preferiu fazer com 12, a fim de contemplar todo tipo de interesse sórdido. O PT prometia abolir as práticas tradicionais da politicalha, mas a elas aderiu alegremente. 

Terem escolhido o Mundial de futebol como o principal alvo dos protestos depois das queixas iniciais contra o aumento das tarifas dos ônibus atesta que os indignados brasileiros têm, sim, tirocínio político. Daí estarem sendo tão execrados pelos que temem a voz das ruas -alguns dos quais, melancolicamente, são os mesmos que há algumas décadas arriscaram a vida para que elas fossem ouvidas. As voltas que o mundo dá. 

Pior: alguns que tanto sofreram sob o AI-5 e outros, mais jovens, que pretendem ser herdeiros dos ideais da resistência, estão entre os que hoje surfam na onda de episódios infelizes como o da morte do cinegrafista [2], aproveitando para pregar a igualação dos atos de protesto a terrorismo (com penas mais pesadas do que as infligidas a homicidas!!!), sua transformação em crime inafiançável, a colocação das Forças Armadas nas ruas para reprimir manifestantes e outras aberrações totalitárias. 

Sem se darem conta, pois tudo que fazem atende à prioridade obsessiva de perpetuação do PT no poder, estão clamando por um novo AI-5.

Não passarão!

1 Quando este artigo já estava no ar, um acusado que tenta escapar de uma cana braba deu um suspeitíssimo depoimento à polícia, sem a presença do seu advogado (portanto, legalmente inválido), sugerindo que o PSOL, PSTU e FIP seriam os financiadores das ações para exacerbar os ânimos. Digo sugerindo porque ele não apresentou dado concreto nenhum (quem, quando, onde, quanto). Eu acho plausível que integrantes de tais partidos tenham feito doações aos black blocs, e não vejo mal nenhum nisto numa democracia. Mas, permito-me duvidar de que fossem eles que apontavam alvos, forneciam indumentarias e pagavam honorários fixos pela jornada de trabalho. Tal modus operandi é escrachadamente direitista. De resto, as surpreendentes declarações de Caio Silva de Souza certamente vão assegurar-lhe uma boa vontade que as autoridades não teriam com ele se apontasse o dedo para o outro extremo do espectro ideológico.

2 Além, é claro, dos reacionários empedernidos que sempre surfam em tais episódios, mas, pelo menos, estão sendo coerentes com suas (medíocres) convicções. Caso do Reinaldo Azevedo, que andou até macaqueando o Emile Zola, ao disparar as mais demagógicas acusações contra a Dilma, o Franklin Martins, o Gilberto Carvalho e o José Eduardo Cardozo. Vai levar um pito do Ternuma por não ter dado um jeito de incluir o Lula no pacote. Como o RA fez a besteira de mexer também com o Jânio de Freitas, que lhe é infinitamente superior como jornalista, não perderei tempo reduzindo-o à sua insignificância. Deixo o necessário corretivo por conta do Jânio, o qual certamente lhe aplicará umas boas palmadas para que deixe de ser petulante...

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

DEDICO ESTA MÚSICA A TODOS OS CROCODILOS...

...que afinal têm um cadáver sobre o qual derramarem lágrimas, como justificativa e desculpa para sua troca de lado, de idealistas que lutavam nas ruas para incentivadores da repressão que barbariza os combatentes das ruas.

Tenho nojo daqueles que a volúpia do poder faz virarem do avesso. Não hesitam em utilizar uma tragédia como pretexto para jogar o povo contra os poucos que, neste país de apáticos e conformados, ainda lutam -mesmo que incidindo em erros e, eventualmente, exagerando na dose. 

Aproveitam o embalo para pedir mais rigor nas leis, que os protestos violentos se tornem crimes inafiançáveis, etc. Logo estarão clamando por um novo AI-5.

Enquanto não acontecer a revolução, eu vou continuar sambando na pista e desprezando os que estão nas galerias. Por mais que me retaliem e injusticem, seguirei recusando os convites para seus chás dançantes. 

Nunca pensei que veria pessoas ditas de esquerda na mais perfeita comunhão de idéias com os Reinaldos Azevedos da vida. Estou vendo. E fazendo força para não vomitar.

Quem abdica de mudar o mundo, acaba sendo mudado pelo mundo. Torna-se cada vez mais parecido com aqueles a quem antes combatia. Morre muito antes de parar de respirar.

QUEM TE VIU, QUEM TE VÊ
Chico Buarque

Você era a mais bonita das cabrochas dessa ala
Você era a favorita onde eu era mestre-sala
Hoje a gente nem se fala, mas a festa continua
Suas noites são de gala, nosso samba ainda é na rua

Hoje o samba saiu procurando você
Quem te viu, quem te vê
Quem não a conhece não pode mais ver pra crer
Quem jamais a esquece não pode reconhecer

Quando o samba começava, você era a mais brilhante
E se a gente se cansava, você só seguia adiante
Hoje a gente anda distante do calor do seu gingado
Você só dá chá dançante onde eu não sou convidado

Hoje o samba saiu procurando você
Quem te viu, quem te vê
Quem não a conhece não pode mais ver pra crer
Quem jamais a esquece não pode reconhecer

O meu samba se marcava na cadência dos seus passos
O meu sono se embalava no carinho dos seus braços
Hoje de teimoso eu passo bem em frente ao seu portão
Pra lembrar que sobra espaço no barraco e no cordão

Hoje o samba saiu procurando você
Quem te viu, quem te vê
Quem não a conhece não pode mais ver pra crer
Quem jamais a esquece não pode reconhecer

Todo ano eu lhe fazia uma cabrocha de alta classe
De dourado eu lhe vestia pra que o povo admirasse
Eu não sei bem com certeza porque foi que um belo dia
Quem brincava de princesa acostumou na fantasia

Hoje o samba saiu procurando você
Quem te viu, quem te vê
Quem não a conhece não pode mais ver pra crer
Quem jamais a esquece não pode reconhecer

Hoje eu vou sambar na pista, você vai de galeria
Quero que você assista na mais fina companhia
Se você sentir saudade, por favor não dê na vista
Bate palmas com vontade, faz de conta que é turista

Hoje o samba saiu procurando você
Quem te viu, quem te vê
Quem não a conhece não pode mais ver pra crer
Quem jamais a esquece não pode reconhecer

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