quarta-feira, 23 de maio de 2012

O TORTURADOR CONTINUA TORTURADOR E O LOBO NÃO PASSOU POR CORDEIRO

O balanço da 3ª feira em que dois dos mais emblemáticos personagens do aparelho repressivo da ditadura militar tentaram embaralhar os fatos relativos ao seu infame papel histórico foi o seguinte: àquele que começou como agente provocador e acabou como anjo exterminador se negou um lugar entre as vítimas, pois lobos em pele de cordeiro não  enganam ninguém; e aquele que não ouvia o grito dos torturados também não ouviu a retirada da sentença que o igualou aos comandantes de Auschwitz e Buchenwald.

O ARQUIVO ANSELMO TAMBÉM SERÁ QUEIMADO?

Como se previa, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça indeferiu a pretensão do ex-marinheiro de primeira classe José Anselmo dos Santos, conhecido como Cabo Anselmo, de ser reintegrado à Marinha como suboficial, além de receber uma indenização de R$ 100 mil em parcela única.

O relator do processo foi o ex-ministro de Direitos Humanos Nilmário Miranda, tendo seu voto sido acompanhado pelos outros 11 conselheiros. Ele fundamentou a recusa em dois motivos:
  1. a grande possibilidade (vide aqui e aqui) de Anselmo ter começado a prestar serviços à direita golpista militar antes mesmo da quartelada de 1964, como agente provocador incumbido de radicalizar os protestos de marinheiros; e
  2. sua atuação posterior no esquema repressivo do terrorismo de estado, "participando de torturas, execuções e desaparecimentos" e até se vangloriando em entrevistas do infame papel que tinha desempenhado.
Houve quem levantasse, na imprensa e na internet, a hipótese de Anselmo estar atuando mais uma vez como provocador, no sentido de desmoralizar a anistia federal. Seguindo tal linha de raciocínio, qual seria agora sua utilidade, depois de prestado o serviço derradeiro, em vida, aos famigerados remanescentes da ditadura?

Ele deveria se preocupar em não seguir os passos do seu parceiro de crimes, o delegado Sérgio Fleury. Pode estar chegando o momento da  queima de arquivo. Talvez até de uma morte adequadamente maquilada para parecer vingança da esquerda, pois  do boi só se perde o berro...

USTRA NÃO APAGOU O REGISTRO EM CARTEIRA

 O julgamento do recurso do (ausente) torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra contra a sentença da 23ª Vara Civel de São Paulo que o declarou torturador foi suspenso pelo Tribunal de Justiça a pedido do relator Rui Cascaldi, que disse precisar de tempo para refletir melhor sobre o caso. Em seguida, um dos juízes acrescentou que pretende estudar meticulosamente os sete volumes do processo, antecipando aos interessados que eles não devem  alimentar a expectativa de uma retomada  do julgamento em curto prazo.

Então, a sessão desta 3ª feira (22) se restringiu à sustentação oral do advogado da Família Teles, o veterano jurista Fábio Konder Comparato --que, tal como Dalmo de Abreu Dallari, é uma lenda viva do Direito brasileiro.

Comparato alertou que está em jogo "a dignidade do Estado brasileiro diante da opinião pública nacional e internacional", daí o imperativo de a Corte dar uma resposta incisiva aos "atos bestiais de tortura" pelos quais o antigo comandante do DOI-Codi/SP foi responsável.
Ele criticou o "chorrilho de questões preliminares" levantadas pela defesa, que não apresentou nenhuma testemunha  e restringiu suas alegações de inocência às declarações do próprio Brilhante Ustra. Este nem sequer negou a ocorrência das torturas e óbitos, apenas alegando, da forma mais inverossímil possível, não haver tomado conhecimento dos maus tratos infligidos a milhares e da morte de mais de 40 cidadãos na unidade sob sua responsabilidade.

Como é do conhecimento público, Brilhante Ustra comandou o DOI-Codi entre setembro/1970 e janeiro/1974, tendo sido apresentadas 502 denúncias de torturas referentes a tal período, durante o qual estiveram no inferno da rua Tutóia cerca de 2 mil cidadãos presos por suspeita de  subversão  ou  terrorismo. E, no total dos seus seis anos de operações, o DOI-Codi paulista prendeu (pelo menos) 2.372 opositores do regime militar e assassinou (no mínimo) 50 deles, inclusive o jornalista Vladimir Herzog.

São três as questões preliminares com as quais Brilhante Ustra tenta safar-se sem ser realmente inocentado:
  1. Considera-se resguardado pela anistia de 1979, mas FKC esclareceu que tal lei não elimina a responsabilidade civil, "pois se trata do direito de particulares", que o Estado não pode anular com uma penada;
  2. A inadequação de ação declaratória como intrumento jurídico num caso desses, ao que FKC contrapôs que, desde as leis do Império romano, quem causa dano o deve reparar. "Houve ou não houve tortura? Se houve, o direito subsiste." Quanto ao fato da Família Teles não querer tomar "o dinheiro do algoz", isto não invalida a ação declaratória para fins de reparação moral, explicou o jurista; e
  3. A prescrição que, diz FKC, inexiste quando se trata de um "direito subjetivo".
Finalizando, Comparato comentou que, quando o Conselho de Direitos Humanos da ONU está prestes a se reunir em Genebra para discutir, entre outros assuntos, a impunidade dos torturadores brasileiros, enquanto a Comissão da Verdade acaba de ser instalada, seria patético o Tribunal de Justiça de São Paulo não sentenciar como deve "o mais notório torturador do regime militar".


"CASA DE HORRORES" - A ação declaratória contra o torturador Brilhante Ustra foi movida pelo casal Maria Amélia e César Teles; pelos filhos Janaína e Édson; e por Criméia, irmã de Maria Amélia.
Fábio Konder Comparato: uma lenda viva
César, Maria Amélia e Criméia foram presos em 1972. Janaína e Édson, então com 5 e 4 anos, chegaram a ser levados de camburão ao DOI-Codi, como uma forma de tortura psicológica contra os pais e tia.
Eis como Édson lembra o ocorrido:
"Nas dependências deste então órgão público/estatal pude ver minha mãe e meu pai em tortura. (...) Fui levado a um lugar onde, através de uma janelinha, a voz materna, que meus ouvidos estavam acostumados a escutar, me chamava. Porém, quando eu olhava, não podia reconhecer aquele rosto verde/arroxeado/ensangüentado pelas torturas que o oficial do Exército brasileiro, Carlos Alberto Brilhante Ustra, havia infligido à minha mãe. Era ela, mas eu não a reconhecia".
A sentença do juiz Gustavo Santini Teodoro assinalou que o DOI-Codi era "uma casa dos horrores, razão pela qual o réu não poderia ignorar o que ali se passava". Segundo o depoimento das testemunhas, o  torturador  Brilhante Ustra comandava as sessões de tortura com espancamento, choques elétricos e tortura psicológica. Os gritos e choros dos presos eram ouvidos até nas celas. Daí a conclusão do magistrado:
"Não é crível que os presos ouvissem os gritos dos torturados, mas não o réu. Se não o dolo, por condescendência criminosa, ficou caracterizada pelo menos a culpa, por omissão quanto à grave violação dos direitos humanos fundamentais dos autores".

Um comentário:

ismar disse...

Para mim,

esta derrota do Cabo Anselmo, é a derrota derradeira de tudo o que ele representa: torturas, assasinatos seriais de opositores (armados ou não), entrega de ex-companheiros, covardia das forças armadas brasileiras em assumir uma das suas piores atuações em toda a história brasileira, etc...

A derrota de anselmo é a derradeira derrota da ditadura militar. Pois ele continua sendo protegido pelos mesmos homens que serviram aos Generais. Continua na folha de pagamento do Exército Brasileiro, vergonhosamente.

Conheço um amigo que mora aí em Sampa que sempre vê o anselmo no centro de São Paulo.

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