domingo, 12 de fevereiro de 2012

SOBRE ASCENSOS E REFLUXOS REVOLUCIONÁRIOS

Uma velha tese marxista é a das ondas e refluxos revolucionários.

O ascenso atinge um ponto máximo e, se a revolução não ocorre, sobrevém um período de pasmaceira e recuo, quando somos obrigados a nos manter em defensiva estratégica, acumulando forças para a onda seguinte.

Isto me parecia mais uma bela teoria do que algo real, até vê-lo acontecer no Brasil.

Houve um avanço impressionante, teórico e prático, ao longo de 1968, quando passamos a ter total clareza sobre o inimigo e sobre como tínhamos  de agir contra ele.

A correlação de forças, entretanto, nos era adversa demais. Não havia como vencermos.

Pior: fomos à luta com o que tínhamos de melhor, expondo quadros formados ao longo de décadas; e perdemos boa parte deles.

Então, disse-me um velho amigo, o que sobrou para reorganizar a esquerda foi "a raspa do fundo do tacho".

Eu não iria tão longe, mas era gritante a diferença qualitativa entre muitos dos companheiros tombados e muitos dos que ascenderam depois do dilúvio.

Até porque, em boa parte, eram os que haviam optado pela autopreservação num momento no qual os que tinham espírito de revolucionários não conseguiam ver-se a si mesmos fora da luta, por mais arriscada que ela se prenunciasse.

Até hoje a esquerda sofre com essa perda. Até hoje não atingiu de novo os marcos teóricos e práticos que tínhamos atingido.

O que explica a atual adesão a posições tão anacrônicas e desastrosas como:
  • o apoio a ditadores sanguinários, na suposição de que seriam mal menor face ao imperialismo, sem se levar em conta que a desmoralização ao associarmos nossa imagem à de tais abominações excede infinitamente os ganhos alegados (e não comprovados);
  • o apoio a estados teocráticos, que faria Marx surtar se ainda estivesse vivo, pois o velho barbudo passou a vida inteira pregando a marcha da civilização para estágios mais avançados de desenvolvimento, nunca a volta a um passado obscurantista (e não há obscurantismo pior do que o fanatismo religioso!);
  • a bandeira do combate à corrupção, que  desmoraliza a política e políticos como um todo, tornando o povo descrente da possibilidade de mudar seu destino, além de levar água para o moinho dos golpistas de direita; e
  • a bandeira do combate à privatização, como se empresas e órgãos públicos sob o estado burguês já não estivessem sob o controle indireto dos capitalistas, e como se fizesse grande diferença o controle ser direto ou indireto.
Cada vez que toco num desses pontos, defendendo posições que no segundo semestre de 1968  já nem mais se discutiam, de tão axiomáticas se haviam tornado, deparo-me com algumas críticas civilizadas e muitas desqualificações primárias, de cidadãos que perderam ou jamais adquiriram o hábito de discutir cordialmente com outros expoentes do seu campo, acabando por se mostrarem mais virulentos contra eles do que contra o próprio inimigo.

Mesmo assim,  persevero com minhas  heresias. O Carlos Lungarzo, idem. Pois sabemos estar expressando os valores e posturas do ápice da última onda revolucionária --que serão o ponto de partida da próxima.

As fases de refluxo podem durar décadas, mas não são infinitas, assim como a História não acabou nem acabará enquanto o homem não chegar ao reino da liberdade, para além da necessidade: sem classes, sem estados, sem fronteiras.

Talvez não estejamos vivos quando isto acontecer. Mas, temos certeza absoluta de que nossas idéias e nossos escritos estarão.

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