terça-feira, 13 de setembro de 2011

LÁGRIMAS DE CROCODILO JORRAM EM PROFUSÃO

Não me animei a escrever um grande artigo sobre o 11 de setembro preferido da mídia (o de 2001) porque, para mim, o 11 de setembro que realmente conta foi o outro, o do assassinato de Salvador Allende em 1973.

O das torres gêmeas, suspeitíssimo, afetou muito mais os países centrais e serviu de pretexto para intervenções militares em nações periféricas (mas não na América Latina).

E minha lembrança do atentado ou  atentado  de 10 anos atrás é prosaica: foi o dia em que tive de sair correndo para o WTC de São Paulo, juntamente com o dono da agência, para estabelecermos uma estratégia de comunicação face à avalanche de jornalistas que certamente pediria um posicionamento.

Como as informações de que dispúnhamos eram precárias, não valia a pena nenhum executivo do WTC expor-se em entrevistas. Poderia ser indagado sobre qualquer informação ou boato acabado de chegar e não encontrar uma boa resposta de batepronto.

Então, decidimos nos comunicar apenas por meio de uma nota à imprensa de 50 linhas, que redigi em exatos 25 minutos, com toda a diretoria da instituição na sala ao lado, esperando. Minha longa experiência em redigir sob pressão me valeu.

Mudaram apenas três palavras e a distribuímos. Acabou sendo o texto da minha lavra que mais repercutiu até hoje. Entre publicações na mídia escrita e citações no noticiário eletrônico, quase mil ocorrências.

Nos anos seguintes, fiquei cada vez mais irritado com a lamúria incessante da indústria cultural por milhares de vítimas em Nova York, em nome das quais houve número incomensuravelmente maior de assassinados e torturados, cidadãos dos  países que não contam...

Certa vez eu escrevi que Hollywood acabaria fazendo 6 milhões de filmes sobre o Holocausto, um para cada judeu vítima da brbárie nazista. O atentado ao WTC vai pelo mesmo caminho: um dilúvio de lágrimas de crocodilo.

Mas, para não deixar meus leitores sem um grande texto sobre o 11 de setembro mais paparicado, socorro-me no artigo de hoje do filósofo Vladimir Safatle, cujos textos, repito, são umas das poucas manifestações de vida inteligente ainda encontradas na grande mídia brasileira.

EXCEÇÃO PERMANENTE

Dez anos após os ataques que destruíram o WTC, é difícil não se perguntar sobre o que tal acontecimento nos deixou.

Três processos interrelacionados parecem se destacar.

Primeiro, há dez anos o medo conseguiu aparecer como o afeto central do político. Depois da euforia do mundo sem fronteiras patrocinada pela queda do Muro de Berlim e pelas festas de Goa trance, a destruição do WTC conseguiu fazer com que discursos paranoicos de perseguição e violação iminentes de nossas formas de vida colonizassem as preocupações políticas.

Embora atos terroristas tenham sido uma constante desde o fim da Segunda Guerra, nunca eles serviram tão bem a martelar uma cultura generalizada do medo. Graças a tal elevação do medo a dispositivo central da vida social, o campo do político se limitou, em larga medida, à gestão (e produção) da insegurança. Na falta do que oferecer em termos de futuro e de reforma socioeconômica, bravatas securitárias vinham a calhar.

Com isto (e este é o segundo ponto), ficou fácil criar uma situação onde não era mais possível distinguir estado de paz e estado de guerra. A partir do 11 de Setembro, vivemos em um estado de guerra permanente, que permitiu a destruição sistemática de aparatos jurídicos que garantiam direitos civis de inviolabilidade.

Desde o "USA Patriot Act", que criava a suspensão legal de direitos individuais em nome da caça ao terrorismo, até a criação de bancos de dados gigantescos em países como a França, onde até mesmo sindicalistas e líderes estudantis foram fichados, o que se viu foi o uso descarado do 11 de Setembro como justificativa para a consolidação de uma lógica policial na relação entre Estado e sociedade civil.

Tal aparato jurídico, embora criado para situações "excepcionais", tende a permanecer e começar a ser utilizado para as mais diversas funções.

Por exemplo, a Inglaterra não teve pudor em usar leis contra o financiamento do terrorismo para procurar sequestrar ativos da Islândia quando este país decidiu não saldar dívidas, na crise de 2008.

Por fim, os ataques aos EUA produziram um longo processo de fortalecimento do racismo e da xenofobia. Hoje, mais do que nunca, temos a sensação de regredir à época das Cruzadas e de suas batalhas contra os mouros.

A proliferação de trechos da Bíblia e a repetição compulsiva do nome "Deus" nos discursos em homenagem às vítimas da destruição do WTC não é um acaso. Para a Europa, isso veio a calhar, já que um conflito de classe contra a massa pobre de imigrantes desprovidos de direitos pode se transformar em choque redentor de civilizações.

Para os EUA, Barack Obama pode agora ensaiar, sem complexos, o figurino "Ricardo Coração de Leão".

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