terça-feira, 5 de abril de 2011

FRANCIS, MARCUSE E A INDÚSTRIA CULTURAL

"A polícia chamada ao local apreendeu facilmente Chapman, (...) sorrindo, certo (e está certíssimo) que do anonimato se tornará, como Lennon, uma celebridade. Esse o motivo aparente do crime. O canibalismo de celebridades que é rotina neste país (e no Brasil e todo o mundo ocidental), graças a um sistema de comunicações que evita assuntos sérios, mas que fornece um 'circo' permanente, obsessivo, avassalador, sobre a vida dos bem-sucedidos e ricos, excitando sentimentos contraditórios da adoração bocó dos fãs, à frustração homicida que às vezes se manifesta à la Chapman".

Trecho de artigo que Paulo Francis escreveu quando do assassinato de John Lennon, Cinco tiros abrem novos negócios,  publicado pela Folha de S. Paulo em 10/12/1980.

Não sei se antes ou depois, Francis encontrou a definição ideal para essa canibalesca sociedade consumidora do circo  permanente, obsessivo e avassalador  fornecido pelo sistema de comunicações: inferno pamonha, ou bocó.

Hoje a Folha não critica mais o  inferno pamonha, pois assumiu tranquilamente o papel que nele lhe cabe: direcionando-se para um público um tantinho mais sofisticado, não evita os assuntos sérios, mas lhes dá tratamento circense, com indisfarçável pendor para as provocações pueris e sólida blindagem contra o pensamento verdadeiramente crítico.

Não há mais espaço para o contraditório, nem para a negação dos valores do capitalismo e do consumismo. A porta fechada com que eu e outros críticos do mau jornalismo temos nos chocado nas tentativas de restabelecer verdades históricas, o próprio Francis encontraria se tentasse publicar na Folha de hoje análises como a acima citada.

As vítimas da indústria cultural estão sendo induzidas a desconhecerem as lições do passado e a abdicarem de quaisquer responsabilidades na construção de um futuro melhor -- ou, mesmo,  de qualquer futuro, já que a própria sobrevivência da espécie humana está seriamente ameaçada pela ganância capitalista -- graças à imposição  permanente, obsessiva e avassaladora  do quadro presente como a única realidade possível. 

Marcuse explica:
 "....a dominação -- disfarçada em afluência e liberdade -- se estende a todas as esferas da vida pública e privada, integra toda oposição autêntica, absorve todas as alternativas. A racionalidade tecnológica... [se torna] o grande veículo de melhor dominação, criando um universo verdadeiramente totalitário, no qual sociedade e natureza, corpo e espírito são mantidos num estado de permanente mobilização para a defesa desse universo.

...Pois 'totalitária' não é apenas uma coordenação política terrorista da sociedade, mas também uma coordenação técnico-econômica não terrorista, que opera através da manipulação das necessidades por interesses adquiridos".
A influência atordoante, mesmerizante e -- vamos falar claro -- imbecilizante da indústria cultural tem sido fundamental para a reprodução desse universo  verdadeiramente totalitário...

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