quinta-feira, 17 de março de 2011

CASO BATTISTI: O QUE O STF JULGARÁ, SE O PROCESSO JÁ ACABOU?

Com expertise, didatismo e bom humor, Carlos Lungarzo, da Anistia Internacional, mostra o quanto há de kafkiano e juridicamente aberrante na insistência do atual e do anterior presidente do Supremo Tribunal Federal em darem sobrevida artificial ao Caso Battisti, depois da rejeição definitiva do pedido de extradição italiano pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Recomendo a leitura atenta do seu artigo Caso Battisti: o que vai julgar o STF?, cujos trechos mais significativos reproduzo em seguida:
"Na sessão de novembro de 2009, o Supremo Tribunal Federal aprovou, por 5 votos contra 4, que a decisão de executar ou recusar a extradição cabia ao chefe de Estado, ressalvado o cumprimento do Tratado de Extradição Brasil-Itália.

No final de 2010, a Advocacia Geral da União produziu um detalhado despacho sobre os riscos que o possível extraditando poderia sofrer na Itália, baseados no inciso 3.1.f do Tratado.

Emitido o decreto do ex-presidente Lula em 31/12/2010, o atual presidente do STF desconheceu a legitimidade do mandato que o próprio STF tinha conferido, e decidiu manter preso o escritor. Mais de um mês depois, o ex-presidente do STF, que é o atual relator do caso, anuncia que a decisão de Lula será julgada proximamente. Mas, neste caso, julgar significa o quê?

Se Lula recusou a extradição de Battisti, com base no item 3.1.f do tratado, é evidente que o chefe de Estado acatou o acórdão, porque:
  1. usou o mandato conferido pelo próprio STF,
  2. usou o tratado, pois o item 3.1.f, referido no despacho da AGU está, obviamente, no documento assinado por Brasil e Itália, e não por exemplo, num convênio entre Togo e China.
Também é óbvio que o ponto utilizado é relevante ao caso.

Portanto, o presidente usou do direito que lhe fora dado novamente (pois já existia) de tomar decisão e, além disso, a decisão foi tomada com base num item relevante do Tratado.

Então, dizer que o chefe de estado deve acatar o tratado significa:
  1. O chefe de estado deve basear seu decreto num motivo que apareça explícito no tratado; e
  2. a interpretação do texto deve ter em conta que o motivo seja relevante para o caso em apreço.
No caso de Battisti, a AGU e o presidente usaram um artigo que impede a extradição quando há riscos de perseguição do extraditando, ou agravamento da sua situação. Esta expressão aparece de maneira explícita no documento, e descreve uma situação que pode acontecer no caso Battisti.


Portanto, a única atitude minimamente sensata do chefão do STF teria sido entender (ou pedir a alguém que lhe explicasse) que Lula tinha acatado o famoso mandato de novembro/2009, e liberado imediatamente Battisti.
Afinal, você quer julgar o quê, cara pálida?!
 O que a justiça julga, em qualquer comarca do mundo civilizado, é a  adequação  entre o ato do cidadão, e as leis relevantes a esse ato. O cidadão pode ser punido se ele desobedecer a lei, mas se ele não violar a lei, é uma clara insanidade  julgá-lo  para depois absolvê-lo.
...Vejamos:

Primeiro problema: o tratado foi usado. Com efeito, o decreto invoca o artigo 3º, sec. 1, letra f, e isto é evidente para uma criança que aprendeu ontem o alfabeto até a letra f e os números até 3.

Segundo problema: o argumento é relevante. Isto aqui é mais difícil, e exige pelo menos 2ª série do ensino básico. Mas, nenhum garoto negaria ajuda à cúpula do STF, se esta pedisse. Há possibilidade de que Battisti veja sua situação “agravada”?

Racionemos: o agravamento da situação de um preso no sentido usado no tratado, não é uma relação jurídica, mas um fato empírico. Battisti poderia ser maltratado, espancado, torturado e, finalmente, linchado.
Não podemos dizer, é claro, que a lei proíbe tais coisas (por sinal, a Itália é o único país da Europa que não proíbe a tortura, mas deixemos barato!), pois não se está argumentando se a lei permite ou não a extradição. Está se argumentando que, apesar da lei, algum desses abusos poderiam acontecer.

...Battisti foi ameaçado de morte e tortura por diversos grupos e pessoas: sindicatos, associações de 'vítimas', ministros, policiais, etc. Quanto mais precisamos para pensar que pode haver risco de agravamento?

Ou seja, qualquer pessoa com QI>0 percebe que:

1. O argumento da AGU está num inciso do tratado (3.1.f)

2. A situação descrita nele pode acontecer com Battisti. Conferir se o risco é significativo ou não, não é um problema jurídico.

A justiça protege (teoricamente) direitos, mas não faz predições sócio-políticas. Não é um magistrado, mas um grupo de assessores em problemas de conflito social e político, quem pode responder à pergunta:
'Será que uma pessoa que foi ameaçada pelo governo, o parlamento, a polícia, os carcereiros, os prefeitos e outros poderosos de seu país, correrá algum risco se a deixarmos a sós durante alguns dias com um bando deles?'
Tampouco cabe aos magistrados responder esta pergunta:
'Não será que Itália, quando tentou boicotar o comércio com Brasil, quis impedir um jogo de futebol, insultou os ministros brasileiros, proibiu os livros dos amigos de Battisti e até sugeriu uma guerra, não estariam de brincadeira? Não será que eles amam Cesare demais e queriam dissimular?'
...As pessoas de outros países que conhecem o caso Battisti, se perguntam como é possível que aberrações de todos os tamanhos sejam acumulados neste infame processo sem que se produza nenhuma reação de grande envergadura. Eu, que moro no Brasil há 34 anos, tampouco entendo.

Os que pensam que o caso Battisti nada tem a ver com eles e, portanto, não se sentem obrigados a pedir justiça, pensem: Battisti não tem nada a ver com vocês, mas seus algozes têm tudo a ver. E, como no Poema da Omissão, de Brecht, quando vocês decidirem reagir poderá ser tarde".

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