segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

UMA CHAMA A SER REAVIVADA: A DA RESISTÊNCIA JORNALÍSTICA

Várias vezes já alertei, em vão, editores e ombudsman da Folha de S. Paulo sobre heresias jornalísticas cometidas na cobertura do Caso Battisti -- como o crédito incondicional dado às declarações demagógicas do militante neofascista Alberto Torregiani, que já admitiu não ter sido o escritor um dos ativistas que trocaram tiros com seu pai, mas está sempre se fazendo passar por vítima do Cesare.

O objetivo dele é, capitalizando o interesse pelo caso, obter a máxima visibilidade possível, para vender mais exemplares de sua autobiografia choramingas e aumentar as chances de eleger-se para qualquer coisa num pequeno partido de extrema-direita.  Espero que nem em eleição de síndico os italianos votem nele...

Já o problema da grande imprensa brasileira é satanizar Battisti e todos os idealistas que foram tocados pelos ideais de 1968 e não  caíram na real  depois que as primaveras floridas cederam lugar aos invernos da desesperança.

Mas, não é o diretor de redação Otavinho Frias que seleciona pessoalmente, para publicação, só os textos adversos a Battisti. Nem lhe podemos imputar a autoria direta das distorções e falácias que impregnam praticamente tudo que sai na Folha a esse respeito. Ele traçou a orientação espúria. Outros, paus mandados, a  concretizam no dia a dia.

Nada diferente poderíamos esperar de um sinhôzinho que só ocupa tal posição por  direito de berço  e, quando tentou igualar-se aos verdadeiros jornalistas, nada produziu além de colunas esnobes que  quase ninguém lia e nenhuma reação provocavam além de bocejos.

Mas, não me conformo nem nunca me conformarei em ver colegas de profissão se acumpliciando com clamorosos atentados às boas práticas jornalísticas e à nossa missão de resgatar e disponibilizar a verdade para os leitores.

Então, em benefício das novas gerações formadas nestes tempos em que a amoralidade virou norma, vou evocar  algumas experiências de resistência jornalística à ditadura militar que acompanhei com mais atenção e carinho. 

Para que sirvam de inspiração, pois essa chama precisa urgentemente ser reavivada, na resistência, agora, à nova forma de cerceamento da liberdade de expressão que está estabelecendo-se no Brasil, com a blindagem quase absoluta da grande imprensa aos enfoques alternativos e àqueles que os expressam.

É para tornar os jornalistas ainda mais dóceis ao poder econômico que os donos da mídia pleitearam  -- e o relator do caso no Supremo Tribunal Federal, o notório Gilmar Mendes, correu a  atendê-los -- o arrombamento das portas que impediam o exercício continuado da profissão por parte de quaisquer apaniguados dos mandachuvas.

Assim, estes passaram a poder requisitar oportunistas desprovidos até de formação universitária, para colocarem em palavras as falsidades que querem impingir ao público leitor, nos casos em que jornalistas com vergonha na cara não se submeterem a fazer o serviço sujo. Novas ditabrandas, fichas falsas e bolinhas de papel fantasiadas de granadas vêm por aí.

Enfim, vamos lembrar os tempos em que a categoria resistia a intimidações bem piores. Na esperança de que o exemplo frutifique.

ARMAS CONTRA A CENSURA: VERSOS 
DE  CAMÕES E RECEITAS CULINÁRIAS

O Correio da Manhã (RJ) foi o primeiro veículo da grande imprensa a manter uma posição firme contra o golpe militar. Tinha uma constelação de grandes jornalistas de esquerda, como Otto Maria Carpeaux, Paulo Francis, Antonio Callado, Jânio de Freitas, Sérgio Augusto, Márcio Moreira Alves e Hermano Alves. Os artigos que Carlos Heitor Cony escreveu sobre os primeiros meses da ditadura, sarcásticos e combativos, foram depois por ele reunidos em livro: O Ato e o Fato.

Mesmo sem simpatia nenhuma pela esquerda, O Estado de S. Paulo e o Jornal da Tarde foram os dois jornais que mais resistiram à censura ditatorial na primeira metade da década de 1970. Ao contrário de outros veículos, que suprimiam os trechos vetados e aceitavam substituir as matérias integralmente impugnadas por outras "inofensivas", o Estadão preenchia esses espaços vagos com poesias de Camões e o Jornal da Tarde com receitas culinárias. Assim, os leitores podiam saber exatamente qual era o espaço ocupado pelos textos expurgados e até adivinhar o que estava faltando.

Em meados da mesma década, a Folha de S. Paulo reuniu um elenco de primeira linha de esquerda: Paulo Francis, Alberto Dines, Samuel Wainer, Tarso de Castro, Plínio Marcos, Osvaldo Peralva, João Batista Natali e outros, com o trotskista Cláudio Abramo dirigindo a redação.

Em termos jornalísticos, nunca a Folha teve ou teria depois tanta qualidade. O suplemento especial sobre os 60 anos da revolução soviética, p. ex., é inesquecível, com cada um dos grandes jornalistas tendo uma página inteira para preencher com seu artigo analítico.

Mas, uma afirmação distraída do cronista Lourenço Diaféria, sobre a estátua do Duque de Caxias na capital paulista servir para os mendigos urinarem, deu pretexto para uma intervenção do II Exército, que exigiu a cabeça de Cláudio Abramo (deixou de ser diretor de redação e virou correspondente em Londres) e outros. Foi o começo do fim da  primavera da Folha.

O semanário Pasquim foi o grande respiradouro da imprensa na virada dos anos 60 para os 70, com Paulo Francis pontificando nos comentários políticos e os humoristas Millôr Fernandes, Jaguar, Ziraldo e Henfil soltando suas farpas na área de costumes, além de fazerem também suas alusões ao arbítrio e à burrice institucionalizada. Outros destaques eram Ivan Lessa, Tarso de Castro e o guru da nova esquerda Luís Carlos Maciel. Havia, ainda, colaboradores de peso como Glauber Rocha, Chico Buarque, Caetano Veloso e Carlos Heitor Cony.

Anárquico, irreverente, difundindo o  jeito carioca de ser  num Brasil ainda provinciano, atraiu um público jovem e não necessariamente politizado. Chegou a vender mais de 200 mil exemplares, tiragem superior à de muitos veículos da grande imprensa. Definhou com as pressões da ditadura sobre a equipe (não só censurada, como também presa de tempos em tempos) e até sobre os anunciantes

Finalmente, mais na linha da esquerda convencional, os alternativos Opinião, Movimento, Em Tempo e Coojornal foram outros respiradouros importantes, ao longo da década de 1970. Atingiam um público bem menor que o do Pasquim, de pessoas que já pertenciam à esquerda ou com ela simpatizavam, a maioria do meio estudantil. Conseguiam passar a esse pequeno universo informações importantes que a grande imprensa preferia não revelar (ou era impedida de fazê-lo).

Para diminuir ainda mais sua influência, a extrema-direita realizou uma série de atentados contra as bancas de jornais que os vendiam, incendiando-as, sem que as autoridades policiais mexessem uma palha para impedir as ações terroristas.

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