sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

AFETOS QUE SE ENCERRAM: ERA UMA VEZ O FUTEBOL

O Corinthians de Luizinho e Baltazar, campeão de 1954.
Sou corinthiano desde os quatro anos, quando uns meninos na rua me perguntaram para que time torcia e eu, não querendo revelar minha ignorância, lembrei-me do time do coração de meu pai.

Disse que era corinthiano e corinthiano fiquei para sempre.

Descendentes de italianos, eu e meu pai acabamos optando pelo clube dos espanhóis, em detrimento do Palmeiras.

Ele nunca me explicou o porquê. Mas, sendo getulista fanático e disparando críticas azedas contra os ricos e os poderosos, talvez tenha se empolgado com a mística corinthiana de  time do povo.

Ela vinha de um fato pouco lembrado: o Corinthians foi o primeiro grande de São Paulo a admitir negros em sua equipe de futebol.

O São Paulo, por sua vez, fez jus à sua aura antipática de  clube da elite, sendo o último. E a exceção foi aberta para o maior ídolo da época, Leônidas da Silva. Só mesmo a perspectiva de agregar um supercraque, para derrubar a barreira do preconceito...

Passei a simpatizar mais com o Corinthians por causa da comovente devoção de seus torcedores, durante a longa estiagem de títulos (1954/1977), quando chegou a ser apelidado de  faz-me-rir.

E mais ainda a partir da minha opção revolucionária, aos 17 anos. Fazia todo sentido torcermos para Corinthians em SP, o Flamengo no RJ, o Inter no RS, o Atlético em MG, etc.

Mas, o futebol dos meus sonhos sempre foi aquele mais refinado e praticado com esportividade, que teve seu auge na  democracia corinthiana,  liderada pelo doutor Sócrates.

Comecei a ir aos estádios lá pelos 13 anos. Sentava onde encontrasse lugar, mesmo ao lado de torcedores adversários. Festejava livremente os gols do meu time. Nunca era hostilizado por ninguém.

As diferenças davam ensejo a piadas e gozações, não a murros e porretadas.

Temo que nunca mais verei tanta civilidade numa arquibancada de futebol.

Como também não assistirei a jornadas incríveis como a de um sábado de dezembro de 1964, quando, na preliminar, o Corinthians sagrou-se campeão dos aspirantes, derrotando o Santos por 6x3 e revelando o garoto Rivelino, que passaria ao time principal na temporada seguinte, formando um meio-de-campo inesquecível com Dino Sani.

E, no jogo de fundo, 7x4 para o Santos de Pelé e Coutinho, que conquistou o título com uma rodada de antecedência.

Vinte gols, alguns belíssimos, numa única tarde -- e em jogos decisivos! Nunca mais...

Também a  fiel torcida  do meu tempo não existe mais, substituída por esses marginais das organizadas, que invocam seu nome em vão.

É verdade que os torcedores corinthianos sempre tiveram uma relação algo autofágica com seus ídolos.

O extraordinário Gilmar dos Santos Neves, p. ex., foi colocado sob suspeição por ter recebido uma oferta mirabolante do Santos. Mas, não parecia propenso a aceitar.

Aí, depois de garantir um empate por 1x1 contra o próprio Santos na Vila Belmiro, teve uma jornada infeliz no Parque São Jorge.

O Jabaquara abriu 2x0 no início do jogo, sendo um dos gols de falta: o atacante, hábil, colocou a bola por cima da barreira e Gilmar só a enxergou tarde demais.

À custa de sua tradicional raça, o Corinthians acabou varando a retranca adversária e empatando, já no final do jogo.

Houve, entretanto, outra falta para o Jabuca. E Gilmar resolveu dispensar a barreira, para não ser iludido de novo.

Só que o cobrador, além de hábil, também tinha chute potente. E, com um  canudo, desempatou.

Foi o suficiente para a torcida hostilizar Gilmar, acusando-o de ter entregado o jogo. E lá foi ele para o Santos...

Rivelino teve de sair por não haver conseguido carregar o fraco time do Corinthians nas costas, numa decisão contra o Palmeiras.

E agora é a vez de Roberto Carlos, que caiu na antipatia dos maus perdedores em razão da eliminação do Corinthians da Libertadores... numa partida da qual ele nem sequer participou!

Telefonemas ameaçadores contra ele e sua família deverão levá-lo a deixar o Corinthians.

Tem lá sua razão, pois já houve jogador colombiano executado por narcotraficantes como  punição  por ter falhado numa Copa do Mundo.

Por que esses energúmenos não procuram outros pretextos para dar vazão à sua bestialidade?

O povo já tem tão pouco... e até o futebol não lhe pertence mais, pois foi sequestrado pelos negociantes, de um lado, e pela bandidagem, do outro.

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