quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

BERLUSCONI, ENTRE O 'SALÓ' DE PASOLINI E O 'CALÍGULA' DE TINTO BRASS

Saló ou os 120 dias de Gomorra (1975) é uma das obras mais indigestas e perturbadoras do cineasta italiano Pier Paolo Pasolini. Mostra alguns fascistas importantes dando vazão a todos os excessos que lhes habitavam as mentes imundas ao se despedirem da vida , face à iminência da derrocada do seu regime de terror.

Trancam-se num castelo com jovens de ambos os sexos e os submetem a uma variada gama de depravações e torturas citadas nos livros do Marquês de Sade. Trata-se da gargalhada final das bestas-feras de Mussolini.

Exageros à parte, Pasolini tocou numa ferida real: um ultradireitista é um ser permanentemente em conflito com a vida, a plenitude erótica e a complementação amorosa com outros seres humanos.

São criaturas das trevas, vis aberrações que, ofuscadas pela luminosidade das pessoas normais, sentem-se compelidas a subjugá-las, a emporcalhá-las e até a eliminá-las, como bem expressavam os seguidores de Franco: "Abaixo a inteligência, viva a morte!".

Também Bernardo Bertolucci tocou nesta tecla, ao mostrar um personagem fascista como homossexual reprimido que busca obsessivamente a ordem por medo de ceder à desordem dos seus instintos (O Conformista, 1970).

E, mais ainda, em Novecento (1976), no qual o fascista Attila Mellanchini, magnificamente interpretado por Donald Sutherland, é mostrado como um sádico capaz de matar um gato com uma cabeçada, bem como de estuprar e assassinar um menino (numa das sequências mais chocantes da história do cinema).

Para quem estiver interessado numa abordagem mais teórica das ligações entre reacionários e instinto de morte, recomendo duas obras fundamentais: Eros e civilização (1955), de Herbert Marcuse; e Vida contra morte (1959), de Norman O. Brown.

O que me inspirou esta divagação foram as notícias vindas da Itália. Na Folha.com, p. ex., ficamos sabendo que:
"Promotores italianos entraram com um pedido nesta quarta-feira para levar o premiê do país, Silvio Berlusconi, a julgamento imediatamente por acusações de pagar para ter relações sexuais com uma menor de idade e por pressionar a polícia indevidamente para liberá-la da prisão.

O requerimento -- que significa que os promotores têm evidências no caso para pular uma fase preliminar de audiências -- irá aumentar ainda mais a pressão sobre o premiê de 74 anos.

Escutas telefônicas feitas na investigação têm sido vazadas à imprensa e revelam pacotes de dinheiro, conversas sobre jogos sexuais e presentes que aspirantes à atriz supostamente receberam após participarem de festas na residência de Berlusconi.
 Nesta quarta-feira, jornais italianos estão novamente cheios de detalhes sobre a crescente lista de jovens mulheres supostamente conectadas com o premiê bilionário, em vazamentos de mensagens de texto vazadas de um outro inquérito feito por promotores de Nápoles.
Berlusconi enfrenta a retomada de outros três julgamentos por corrupção e fraude fiscal no próximo mês depois de a Justiça italiana ter derrubado a imunidade automática que ele tinha graças a uma lei passada pelo seu governo.
Em 2009, Berlusconi enfrentou vários escândalos envolvendo sua vida pessoal. Diversas fotos de festas realizadas em suas residências e que mostravam jovens de topless foram publicadas em jornais.
Em maio do ano passado, sua segunda mulher, Verônica, pediu divórcio acusando-o de ter casos amorosos com menores de idade, depois de surgirem fotos do político na festa de 18 anos de uma aspirante a modelo.

Em julho, a acompanhante Patrizia D'Addario disse ter recebido dinheiro para ir a uma festa na residência de Berlusconi, em Roma, e que havia dormido com o primeiro-ministro."
Pensando bem, Saló é um filme um tanto trágico (a entrega ao deboche absoluto como preâmbulo do suicídio) para espelhar o que ocorre hoje na Itália.

Melhor buscarmos um filme bem mais insignificante, como o próprio Berlusconi o é em relação a seu ídolo Mussolini: Calígula (1979), de Tinto Brass. 

A História, dizia Hegel, repete-se como farsa...

Mesmo assim, torço para que ocorra uma justiça poética e o sátiro septuagenário venha a ter, pelo menos metaforicamente, o mesmo fim de Calígula.

3 comentários:

Felipe disse...

E-X-C-E-L-E-N-T-E texto celso, mostra bem a instabilidade e imoralidade do pensamento facista. 120 de Sadó e um filme indigesto, recomendo e não recomendo ao mesmo tempo!

Anônimo disse...

Amigo Celso, transcreva em seu blog texto do João Batista Damasceno, juíz de Direito, Cientista Político e Membro da Assiciação Juízes pela Democracia.
CASO BATISTI.
Segue o Link.
http://odia.terra.com.br/portal/opiniao/html/2011/2/joao_batista_damasceno_caso_battisti_143025.html
Excelente análise sobre o cado Batisti.
Fernando Augusto

celsolungaretti disse...

Fernando,

a análise é boa, sim, mas repete outras que já saíram aqui. Seria redundante eu a publicar.

Enfim, o link está dado e os leitores interessados poderão acessar.

Um abração!

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