segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

BARROSO: AS "BARBARIDADES" DA ITÁLIA E AS "HIPÓTESES INCOMUNS" DO STF

DEMOCRACIA, SOBERANIA E ALTIVEZ 

Luís Roberto Barroso (*) 

A Itália foi tão arrogante ao tentar impor sua vontade...
Não vou gastar o pouco espaço que tenho na demonstração de que Cesare Battisti é inocente das acusações de homicídio que lhe foram feitas e, sobretudo, que não teve devido processo legal.

Não são essas as questões em discussão. Mas é próprio lembrar que os fatos pelos quais é acusado aconteceram há mais de 30 anos. O maior prazo de prescrição do Direito brasileiro é de 20 anos.

Ademais, seria enorme contradição o Brasil ter dado anistia para os dois lados, por fatos idênticos ocorridos no mesmo período, e "entregar" Cesare Battisti para uma vingança histórica tardia e infundada do governo da Itália.

...que hoje a questão é até de patriotismo.
A afirmação de que a Itália era uma democracia durante os  anos de chumbo  é um sofisma sem qualquer relevância jurídica ou política.

Estados Unidos e Brasil também são e, rotineiramente, suas cortes supremas invalidam julgamentos por violação do devido processo legal. No caso de Cesare Battisti, seu segundo julgamento na Itália -- no primeiro não foi sequer acusado de homicídio --, baseado apenas em delações premiadas de pessoas já condenadas, tem passagens dignas de figurar em qualquer futura antologia de barbaridades jurídicas.

Detalhe: todos os acusadores premiados foram soltos após penas breves. Só Battisti, cujo papel na organização era totalmente secundário, foi condenado à prisão perpétua.

O julgamento no STF ficou empatado em quatro a quatro. Portanto, quatro ministros entenderam que a extradição não deveria ser concedida! Se fosse um habeas corpus, ele teria sido solto imediatamente.

Como era extradição, entendeu-se que o presidente da corte deveria votar. E, em hipótese incomum, deu o voto de Minerva em favor da acusação. Mais incomum ainda: a extradição foi autorizada contra a manifestação de dois procuradores-gerais, que consideravam válido o refúgio e se pronunciaram contra a entrega de Battisti!!!

No mesmo julgamento, decidiu-se, também por cinco a quatro, que a competência final na matéria era do presidente da República.

Dos cinco ministros que votaram nesse sentido, quatro afirmaram tratar-se de competência política livre. O quinto, o ministro Eros Grau, entendeu que a decisão, embora política e do presidente da República, deveria se basear no tratado de extradição entre Brasil e Itália.

E foi adiante: disse o fundamento e o dispositivo que o presidente poderia utilizar. Da forma mais clara e didática possível, acrescentou: se assim fizer, sua decisão não será passível de reexame pelo STF. Pois o presidente Lula seguiu à risca o parâmetro estabelecido.

Não concordo, mas entendo e tenho consideração pelo ponto de vista de quem era favorável à extradição. Mas isso, agora, já não está em questão. O presidente da República exerceu validamente sua competência constitucional, nos termos em que expressamente reconhecida pelo STF.

A divergência política em relação a ela será sempre legítima, mas dar-lhe cumprimento é uma questão de respeito ao Estado democrático de Direito e à soberania nacional.

Depois das manifestações impróprias e ofensivas da Itália, citando nominalmente o presidente brasileiro, talvez já seja mesmo uma questão de patriotismo.

Quando a França negou a extradição, nas mesmas circunstâncias, a Itália acatou respeitosamente. No nosso caso, veio de dedo em riste, acintosamente.

Não fará bem ao Brasil vulnerar suas instituições e impor uma humilhação internacional ao ex-presidente Lula, que deixou o cargo com mais de 80% de aprovação, para subservientemente atender a quem nos falta com o respeito.  (fonte: Folha de S. Paulo)

* professor de Direito Constitucional da UERJ, é advogado de Battisti no STF.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

"FOLHA" ADMITE ENTREGA DA DIREÇÃO DA FT A ENTUSIASTAS DA REPRESSÃO

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Assim a FT noticiou a morte do 'Bacuri', 
preso 108 dias antes e triturado nas torturas.

Suzana Singer, a ombudsman da Folha de S. Paulo, repreende o jornal na coluna deste domingo, por ter transformado a comemoração dos seus 90 anos de existência numa festa imodesta

Eu usaria outro adjetivo para qualificar a imagem maquilada que Calibâ produziu de si mesmo para fins de efeméride, mas ombudsman que não doura a pílula deixa de ter seu mandato renovado pelo herdeirozinho que manda e desmanda...

Sobre o caderno comemorativo, Singer diz algo interessante:
"É verdade que o especial de 90 anos da Folha teve (...) a coragem de explicar o apoio do jornal ao golpe militar e o alinhamento da Folha da Tarde à repressão contra a luta armada. Trouxe também críticas duras feitas pelos ex-ombudsmans. Mas foram apenas notas dissonantes [grifo meu]".
Sim, no meio da overdose de auê, passou despercebido o texto 90 anos em 9 atos, de Oscar Pilagallo, cuja principal função foi a de servir como uma espécie de álibi para quando alguém acusasse o jornal de não ter autocrítica.

Enfim, vale a pena conhecermos o que a Folha finalmente admite sobre seu passado -- embora, óbvio ululante, não tenha admitido tudo, mas apenas o que já havia sido inequivocamente estabelecido por seus críticos e não compensava continuar negando.

E, claro, devemos discutir -- e muito! -- a chocante revelação de que o Grupo Folha entregou um de seus jornais a porta-vozes de torturadores como retaliação a um agrupamento de esquerda que se infiltrara na Redação.
"O PAPEL NA DITADURA

A Folha apoiou o golpe militar de 1964, como praticamente toda a grande imprensa brasileira. Não participou da conspiração contra o presidente João Goulart, como fez o "Estado", mas apoiou editorialmente a ditadura, limitando-se a veicular críticas raras e pontuais.
Eis a "Folha" mancheteando a "Marcha
da Família" e criando clima para o golpe.
Confrontado por manifestações de rua e pela deflagração de guerrilhas urbanas, o regime endureceu ainda mais em dezembro de 1968, com a decretação do AI-5. O jornal submeteu-se à censura, acatando as proibições, ao contrário do que fizeram o "Estado", a revista "Veja" e o carioca "Jornal do Brasil", que não aceitaram a imposição e enfrentaram a censura prévia, denunciando com artifícios editoriais a ação dos censores.
As tensões características dos chamados "anos de chumbo" marcaram esta fase do Grupo Folha. A partir de 1969, a "Folha da Tarde" alinhou-se ao esquema de repressão à luta armada, publicando manchetes que exaltavam as operações militares.
A entrega da Redação da "Folha da Tarde" a jornalistas entusiasmados com a linha dura militar (vários deles eram policiais) foi uma reação da empresa à atuação clandestina, na Redação, de militantes da ALN (Ação Libertadora Nacional), de Carlos Marighella, um dos 'terroristas' mais procurados do país, morto em São Paulo no final de 1969.

Em 1971, a ALN incendiou três veículos do jornal e ameaçou assassinar seus proprietários. Os atentados seriam uma reação ao apoio da "Folha da Tarde" à repressão contra a luta armada.

Segundo relato depois divulgado por militantes presos na época, caminhonetes de entrega do jornal teriam sido usados por agentes da repressão, para acompanhar sob disfarce a movimentação de guerrilheiros. A direção da Folha sempre negou ter conhecimento do uso de seus carros para tais fins.

SURFANDO A ONDA DA ABERTURA

No início de 1974, Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha, foi procurado por Golbery do Couto e Silva, futuro chefe da Casa Civil do governo de Ernesto Geisel, prestes a tomar posse.

Os dois militares seriam os principais artífices do projeto de distensão e abertura política, e Golbery encontrou-se com donos de jornais para expor o plano. Sabendo que enfrentaria a resistência da linha dura, queria a imprensa como aliada natural.

No caso da Folha, Golbery deixou claro que ao futuro governo não interessava ter um único jornal forte em São Paulo [ou seja, estimularia quem disputasse leitores com O Estado de S. Paulo]. A conversa coincidiu com discussões internas na empresa, com vistas a aproximar a Folha da sociedade civil. A empresa tinha saldado as dívidas iniciais e se expandido. O passo seguinte seria transformar o matutino num jornal influente.

Em meados de 1974, uma reunião em Nova York entre Frias, Cláudio Abramo e Otavio Frias Filho foi decisiva para a definição da nova estratégia. Sob a inspiração de Frias pai, uma ampla reforma editorial foi concebida e executada nos anos seguintes por Abramo, que trabalhava na Folha desde 1965. As páginas 2 e 3 se tornaram espaços de opinião crítica. Passaram a fazer parte da equipe editorial colunistas renomados, como Paulo Francis e, mais tarde, Janio de Freitas.

A trajetória teve um desvio em 1977, quando, por pressão da linha dura do governo, Abramo foi afastado de seu cargo. O revés, no entanto, seria passageiro. Boris Casoy, que o substituiu, manteve a orientação e garantiu que o jornal tivesse um espaço relevante no processo de redemocratização".
A última afirmação chega a ser hilária. Me engana que eu gosto...

primavera da Folha  acabou no exato instante em que o jornal se vergou ao ultimato militar, afastando Cláudio Abramo da direção de redação e o despachando para Londres, demitindo vários colaboradores e impondo evidentes restrições aos que ficaram.

Durante cerca de três anos, a Folha teve a cara do Abramo. A partir de 1977, passou a ter a cara do Casoy (e, depois, a do Otávio Frias Filho).

Para quem conhece estes três personagens, eu não preciso dizer mais nada.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

"GROSSEIRO, EXIBIDO, BUFÃO, FASCISTA", BERLUSCONI ESTÁ NOS ESTERTORES

2011 está sendo implacável com as excrescências autoritárias que teimavam em permanecer na cena política.

Além dos ditadores de países árabes, uma bola da vez é o mais atrabiliário e grotesco mandatário europeu: os italianos parecem enfim dispostos a dar ao novo Duce, pelo menos em termos simbólicos, o mesmo tratamento que ministraram a Mussolini.

Daí a oportunidade deste ótimo artigo de Marco Aurélio Nogueira, professor titular de Teoria Política da Unesp, que foi publicado em O Estado de S. Paulo e eu reproduzo na íntegra:
A ITÁLIA DE BERLUSCONI, ENTRE O PASSADO E O FUTURO
A regra é sábia e deve ser usada com frequência: certos eventos políticos estranhos, por vezes escabrosos, somente podem ser compreendidos quando mergulhados na história das sociedades em que ocorrem. É nas águas profundas da vida social que se escondem as maiores verdades.

Não fosse assim, seria difícil compreender, por exemplo, o que leva um país como a Itália - terra de tradições grandiosas, de história e cultura riquíssimas, de pensadores, políticos e humanistas da estatura de Maquiavel, Gramsci e Bobbio, de partidos como o PCI - a ser governado por Silvio Berlusconi. A "grande Itália" parece paralisada pela "pequena Itália", das máfias e do fascismo, que se move e mostra sua força.

Grosseiro, exibido, bufão, fascista de estilo e convicção, Berlusconi não é certamente um desconhecido. Preside desde 2008 o Conselho de Ministros, mas influi no Estado há pelo menos duas décadas. Megaempresário das telecomunicações, é um milionário poderoso. Controla boa parte da mídia italiana.

Fundou em 1993 o partido Forza Italia, que disseminou uma mixórdia de "teses" em defesa dos valores tradicionais, da liberdade pessoal, da identidade nacional contra os imigrantes, do combate à corrupção, da redução do déficit público, numa mistura oportunista de neoliberalismo e fascismo. Impulsionado pela televisão e abusando do imediatismo e da demagogia, ganhou espaço entre pequenos e médios empresários, profissionais liberais, gente das cidadezinhas e das classes médias urbanas. Venceu as eleições de 1994 e governou com uma aliança abertamente de direita (neofascistas do MSI, separatistas da Liga Norte, correntes cristãs). Demitiu-se sete meses depois, mas se tornou líder e fator de unificação das forças mais direitistas e conservadoras do país.

Combateu encarniçadamente os governos Amato, D"Alema e Prodi, de centro-esquerda, entre 1996 e 2001. Começou, então, a acumular denúncias e processos legais: conluio com a máfia, lavagem de dinheiro, evasão fiscal, participação em homicídio, corrupção e suborno de policiais, financiamento ilegal de partidos. Não chegou a ser condenado, mas as acusações foram compondo sua persona.

Voltou à presidência do Conselho de Ministros em 2001. Foi derrotado por Romano Prodi em 2006, mas retornou ao posto dois anos depois. Forza Italia já havia então virado Povo da Liberdade.

O populismo histriônico e autoritário de Berlusconi, seu poderio midiático, os interesses econômicos que representa e o sistemático desprezo que nutre pelos ritos, pela Constituição e pelas instituições políticas italianas são uma ameaça permanente à democracia. A Itália decaiu muito no período em que ele tem dado as cartas. A estagnação econômica, o desemprego, o empobrecimento dos trabalhadores são hoje evidentes. A política está corroída pela compra de parlamentares e magistrados, pelo cerceamento das oposições, pelo monopólio da informação. O sistema democrático sangra por todos os poros.

Berlusconi cresceu impulsionado pelo uomo qualunque, o italiano médio, fascinado pelo poder e com certo cafajestismo intrínseco, como observou Geraldo Di Giovanni, da Unicamp. A "pequena Itália" - com sua pequena política, seu localismo provinciano, sua resistência à vida cívica superior e ao Estado democrático - lhe tem fornecido bases e oxigênio. O Cavaliere é uma espécie de alter ego desse universo de italianos, escreveu o professor José Claudio Berghella: "introduziu no Estado italiano um modo camorrístico de fazer política e estruturar instituições."

Sua ascensão, porém, não teria ocorrido sem o esfacelamento ético-político e cultural da esquerda italiana, em particular a de extração comunista, que hoje, desgastada intelectual e organizacionalmente, não é sequer sombra de seu passado. Tem baixa competência operacional, não consegue se unir nem definir um rumo programático. O Partido Democrático, seu maior subproduto, tem sido incapaz de atuar com vigor, coerência e credibilidade. Os diversos grupos que florescem à sua esquerda, menos ainda.

Berlusconi também foi auxiliado pela emergência da "vida líquida" na Itália, pelo capitalismo globalizado e pela disseminação da cultura do espetáculo, que contribuíram para desorganizar as forças do trabalho, minar os partidos políticos e embaralhar a relação entre representantes e representados.

Trata-se de um político pequeno, sem nenhum traço de estadista. Seria uma figura entre o folclórico e o patético, que passaria despercebida não fosse a irrupção em praça pública de suas taras e perversões privadas. Como escreveu Sérgio Augusto no Aliás (20/2/2011), o Cavaliere "abusou do poder, do fisco, da propriedade privada, da coisa pública, do sistema bancário, mas só depois que abusou do sexo virou um caso de polícia promissor".

Acossado por denúncias e revelações sórdidas, Berlusconi está sendo mais uma vez levado aos tribunais, agora por abuso de poder, extorsão e prostituição de menor (a marroquina Karima "Ruby" el Mahroug). Declarou que não está preocupado, mas não pôde permanecer indiferente nem à fixação de seu julgamento para o dia 6 de abril nem ao protesto de centenas de milhares de pessoas que saíram às ruas de todo o país, em 13 de fevereiro, para exigir sua renúncia e sua condenação em nome de "mais respeito pela liberdade e pelos direitos das mulheres". Acusou-as de subversivas a serviço da esquerda, valendo-se de um surradíssimo chavão antidemocrático.

Agora é saber como o futuro mostrará sua face. As reservas democráticas do país podem estar adormecidas e desorganizadas, mas pulsam a todo momento. A sociedade civil mostrou força nas manifestações de rua. Poderá crescer com isso e ajudar a que as oposições democráticas e de esquerda saiam do marasmo, acertem o passo e façam algo para projetar a "grande Itália" no lugar que merece ocupar.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

ANOS DE CHUMBO: OS LONGOS BRAÇOS DA REPRESSÃO

"O golpe de 1964 encastelou no poder um grupo de militares fanáticos pela doutrina da Escola Superior de Guerra (ESG), organizada em 1946.

Ao longo de quase 20 anos, os militares e civis da ESG formularam e desenvolveram a doutrina e formaram uma nova 'elite' para dirigir o país.

Várias tentativas de golpe de estado, durante as décadas de 50 e 60 haviam falhado. Mas, em 1964, a Segurança Nacional estava no poder.

(...) O Exército recebeu a tarefa de submeter a nação aos ditames da ideologia golpista.

Com a intenção de subjugar qualquer tentativa de reação democrática, foram criados organismos de repressão, sendo o primeiro deles a Oban (Operação Bandeirante), lançada em junho de 1969, que, posteriormente, recebeu a denominação de DOI-Codi (Departamento de Operações Internas - Centro de Operações de Defesa Interna).


Havia também organismos não oficiais clandestinos, que serviam ao sistema, como o Esquadrão da Morte, o Comando de Caça aos Comunistas (CCC). A organização denominada Tradição Família e Propriedade (TFP), embora fosse uma associação legal, possuía, segundo depoimentos, uma facção ilegal, inclusive com centros de treinamento de guerrilha anticomunista em Minas Gerais.

Durante a década de 50 do Século XX, era visível o crescimento, dentro da Igreja, de setores que apoiavam as lutas populares e a defesa dos direitos dos pobres e oprimidos socialmente, num prenúncio do que viria a ser a Teologia da Libertação.

Em reação a esse processo, surgiu a Sociedade Brasileira em Defesa da Tradição, da Família e da Propriedade, (...) uma organização católica de extrema direita, cujos membros recebem treinamento paramilitar, e cujo ideário é bastante próximo ao neonazismo, exceto pela pregação religiosa bastante fanática e obscurantista que caracteriza esta organização.

A TFP existe até os dias de hoje, e organiza campanhas contra a reforma agrária (para eles, uma bandeira dos comunistas), contra o direito ao aborto, e contra o Projeto de Lei da Parceria Civil Registrada, e possui fortes financiadores, não somente da alta hierarquia da Igreja Católica, mas também de setores do grande empresariado.


Um terceiro braço da repressão, talvez o mais terrível e que só recentemente veio à luz e está sendo desvendado e denunciado, foi a Operação Condor, ou melhor, é a Operação Condor, visto que, segundo farto material jornalístico nacional e internacional, inclusive depoimentos de participantes, continua em atividade.

De acordo com o descobridor dos Arquivos do Terror, o advogado paraguaio e ex-preso político Martin Almada, a Operação Condor continua em funcionamento.

O advogado e ex-prisioneiro político paraguaio Martín Almada apresentou os chamados arquivos do terror à Comissão de Direitos Humanos do Parlamento do Uruguai, onde sustenta que a operação repressiva continua em andamento no Cone Sul.

Entre os documentos entregues (...) à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, há declarações do uruguaio Gustavo Insaurralde, militante do Partido pela Vitória do Povo, que teriam sido obtidas sob tortura, além de informações sobre seu traslado em avião militar à Argentina.


O documento denuncia uma lista de 40 uruguaios detidos no Paraguai pela ditadura, além de outro documento que indicaria os nomes do co-fundadores da Operação Condor e dos possíveis 'vôos da morte' em ambos países.

Almada também diz ter encontrado documento que mostra que, em abril de 1997, 'um coronel paraguaio disse a um colega equatoriano: envio aqui uma lista de subversivos paraguaios para a elaboração de uma lista de subversivos da América Latina'.

O ativista denuncia também que, durante a presidência de Carlos Menem na Argentina, um grupo de militares esteve reunido em Bariloche para intercambiar dados e nomes de 'subversivos da região'.

Ele disse ainda que as reuniões também foram feitas em 1997, em Quito, capital do Equador, em 1999, em La Paz, capital da Bolívia, e em Santiago do Chile, em 2001...


A Operação Condor foi responsável por milhares de assassinatos e desaparecimentos de militantes revolucionários latino-americanos."

(Neusah Cerveira, doutora em História Social pela FFLCH/USP, no artigo 
"Rumo à Operação Condor - ditadura, tortura e outros crimes", publicado 
em junho/2009, na edição nº 38 do Projeto História, São Paulo)

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

SEM A MÍNIMA COERÊNCIA

O salário-mínimo foi instituído em 1940 por Getúlio Vargas para garantir a uma família-padrão de quatro pessoas (o casal e dois filhos) o suficiente para sua subsistência, com alguma sobra.

A Constituição de 1988 reafirmou que o mínimo deve atender às necessidades do trabalhador e sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência.

Então, só podemos concluir que, há décadas, os sucessivos governos vêm burlando despudoradamente a Constituição, com a cumplicidade do Legislativo.

Por quê? O Brasil não tem recursos para assegurar uma subsistência digna a cada família de trabalhadores?

Não, os recursos são mais do que suficientes.

Mas, o capitalismo os desvia para outros fins, antagônicos aos da grande maioria dos brasileiros. Embora seja uma categoria moral e não econômica, o adjetivo perverso continua sendo o que melhor o define.

Do governo de um partido dos trabalhadores, tínhamos o direito de esperar que se comportasse como tal, fixando o mínimo num patamar condizente com o papel que deveria cumprir e pondo a nu a contradição fundamental entre o bem comum e o lucro -- primeiro passo para a conscientização das grandes massas.

Só posso deixar registrados minha mais profunda decepção e meu mais veemente protesto face à decisão do Governo Dilma Rousseff de apenas gerenciar o capitalismo, agindo em conformidade com a racionália da classe dominante e esquecendo seu compromisso com a justiça social.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

EXPANDINDO A DISCUSSÃO SOBRE A IMPUNIDADE DOS TORTURADORES

Em termos formais, o entendimento do jurista Carlos Weis sobre a condenação que o Brasil sofreu na Corte Interamericana de Direitos Humanos e a posição que deverá tomar face a ela é dos mais consistentes e embasados.

Então, como ponto de partida desta discussão, eu reproduzirei na íntegra seu artigo desta 4ª feira na Folha de S. Paulo:



DECISÃO JUDICIAL: CUMPRA-SE
Carlos Weis (*)
"Dadas suas recentes manifestações, a presidente da República vem indicando ter um compromisso decidido com a realização dos direitos humanos. Mas há um ponto sensível, que precisa ser enfrentado com firmeza: o pleno cumprimento da sentença condenatória proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Trata-se do caso Gomes Lund e outros, apresentado em 1995 pelo Centro pela Justiça e Direito Internacional (Cejil), pela Human Rights Watch/Americas e por familiares de pessoas desaparecidas na chamada 'Guerrilha do Araguaia', em que a Corte reconheceu a violação da Convenção Americana de Direitos Humanos como resultado das ações do Exército na década de 70.

Desde 1998, quando o país decidiu submeter-se às decisões daquele tribunal internacional, já sofreu outras três condenações, que, dadas suas dimensões e contexto, não se comparam à atual.

Agora, debruçando-se sobre fatos dolorosos da história recente do país, a Corte sentenciou que as disposições da Lei da Anistia são incompatíveis com a Convenção Americana e não podem impedir a investigação dos fatos e a identificação e punição de responsáveis por violações a direitos humanos.

Não bastasse ter jogado luz sobre as atrocidades do regime militar, a sentença é, em parte, oposta à recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que entendeu a citada lei como compatível com a Constituição e, portanto, de todo aplicável.

Apesar de algumas vozes terem se erguido contra a sentença internacional, o fato é que deve ser cumprida integralmente, não porque seja uma revisão do acórdão do STF (o que tecnicamente não é), ou porque ignore o imaginado acordo político que teria viabilizado a transição para a democracia, mas pelo fato de o Brasil ter, voluntariamente, reconhecido a competência da Corte Interamericana como obrigatória e de pleno direito para julgar denúncias formuladas contra si.

E, se palavra dada é palavra cumprida, o Brasil, por todos os seus órgãos, tem a obrigação de promover a imediata persecução criminal dos assassinos e torturadores do regime militar, cujos atos configuram "crimes de lesa-humanidade", sendo, assim, imprescritíveis.

Mais: deve tomar uma série de medidas, como reconhecer publicamente sua responsabilidade pelos fatos, tipificar o crime de desaparecimento forçado de pessoas, dar treinamento às Forças Armadas sobre direitos humanos etc., sem o que o país será vergonhosamente incluído no rol dos Estados para quem os direitos humanos só existem na medida de seus interesses.

Ainda que o acatamento das sentenças da Corte Interamericana seja novidade por aqui (a Suprema Corte da Argentina já o faz costumeiramente), importa reconhecer que a referida decisão oferece uma oportunidade de reencontro com o passado, como condição para a construção de uma sociedade verdadeiramente garantidora dos direitos humanos para todos.

O combate à tortura, que continua a existir para os presos comuns brasileiros, não pode mais esperar."
* mestre em direito pela USP, defensor público do Estado de São Paulo e coordenador do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo.

SINUCA DE BICO - Em termos políticos, no entanto, deve ser levado em conta que tudo isso deveria ter sido feito no momento da redemocratização do País, em 1985.

Não o foi por indesculpável omissão do Estado brasileiro.

Agora, estamos numa  sinuca de bico:
  • se processarmos as bestas-feras da ditadura de acordo com os procedimentos habituais do nosso Judiciário, extremamente lerdos e que facultam infinitas manobras protelatórias aos réus defendidos por bons advogados, nenhum deles estará vivo quando as sentenças condenatórias chegarem, finalmente, à fase de execução;
  • se, pelo contrário, impusermos rito sumário para tais casos, facilitaremos a vitimização de quem não merece compaixão nenhuma dos homens de bem.
Enfim, eu acredito que tudo deva ser apurado, todos os restos mortais resgatados, todas as culpas estabelecidas e todas as providências tomadas para evitar a repetição de ocorrências tão bestiais e hediondas.

Mas, temo que nossa insistência em aplicar punições concretas a tais indivíduos não só resulte vã como contraproducente, dando margem a um forte contra-ataque propagandístico da direita, que nos apresentará como rancorosos, vingativos, despóticos (no caso de introduzirmos trâmites legais diferenciados para estes casos) e desumanos (pela perseguição a velhinhos  com  o pé na cova).

Já se o Estado brasileiro decidir que eles são culpados mas deixar de puni-los por motivos humanitários (idade avançada) e como reconhecimento de sua própria incúria ao não ter agido como deveria no momento correto, a imagem que a opinião pública e os pósteros deles terão vai ser a pior possível: a de terríveis criminosos que, por mero acaso, não mofaram por muito tempo na prisão.

Receberão o que merecem, a execração eterna dos homens civilizados.

UM PONTO DE VISTA PESSOAL - Por último: eu sempre me guiei por meu próprio espírito de justiça e sempre fui fiel aos meus princípios, que valem para todas as situações, não oscilam ao sabor das circunstâncias.

Muito jovem, fiquei horrorizado com o que lia sobre a sanha vingativa dos israelenses, perseguindo ex-nazistas caquéticos, sequestrando-os em países como a Argentina, julgando-os em simulacros de tribunais e os linchando.

Não conseguia entender como alguém consegue odiar tanto, por tanto tempo, a ponto de igualar-se ao objeto de seu ódio, ao agir também ao arrepio das leis internacionais e das normas civilizadas.

Minha sensibilidade, meus instintos, são de um humanista e de um  brasileiro cordial.

Então, digamos, por piores que sejam os crimes cometidos por qualquer cidadão aos 20 anos, eu jamais concordarei com sua punição quando octogenário. Para mim, isto será vingança, olho por olho, dente por dente -- e não justiça.

Decidam o que decidirem os juristas, sempre defenderei o entendimento de que a prescrição dos crimes  é uma instituição da qual a civilização não pode abrir mão e que não comporta exceções.

Quando já passou tempo demais, o indivíduo está no fim da vida e não tem mais ânimo nem condições para reincidir, mais vale o deixarmos morrer em paz -- até para marcar bem a diferença entre humanos e desumanos.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

RECORDAR É VIVER

"Diante da prova técnica da falsidade do documento, solicito 
providências no sentido de que seja prestada informação clara 
e precisa acerca da 'ficha' fraudulenta, nas mesmas condições 
editoriais de publicação da matéria por meio da qual ela foi 
amplamente divulgada, em 5 de abril de 2009."
(carta da então ministra Dilma Rousseff ao ombudsman da Folha de S. Paulo, em abril de 2009, reagindo à publicação com enorme destaque, na capa de uma edição dominical, de ficha policial falsa acusando-a de várias ações armadas com as quais nada teve a ver. A ficha fajuta ilustrou reportagem por meio da qual a Folha tentou, falaciosamente, envolvê-la num mirabolante plano de sequestro de Delfim Netto, que não era de sua responsabilidade e nem foi sequer tentado).

"Ao comemorar o aniversário de 90 anos da Folha de S.Paulo, este 
grande jornal brasileiro, o que estamos celebrando também é a 
existência da liberdade de imprensa no Brasil.
(...) De Líbero Badaró a Vladimir Herzog, ser um jornalista no Brasil tem sido 
um ato  de coragem. É esta coragem que aplaudo hoje no aniversário da Folha.
Uma imprensa livre, plural e investigativa, ela é imprescindível 
para a democracia num país como o nosso..."
(trechos do discurso proferido por Dilma Rosseff no regabofe comemorativo da efeméride do jornal da  ditabranda -- que nunca foi imprescindível para democracia nenhuma, muito pelo contrário!)

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

FEIOS, SUJOS E MALVADOS

Por um desses inextrincáveis mistérios da mente humana, a obra-prima  cinematográfica de Ettore Scola me vem à lembrança sempre que os dois linchadores de Cesare Battisti fazem nova investida inquisitorial e lobbista na CartaCapital. Por que será?

Após ter desafiado o principal deles, várias vezes, para debater o caso, em vão; e depois de ter o segundo fugido como coelho assustado da polêmica que começamos a travar no site Conversa Afiada, já não vejo sentido em contestar as falácias que ambos publicam incessantemente, no sentido de vergar o País à vontade de Berlusconi, desprestigiando a decisão de um presidente da República brasileiro e favorecendo as correntes mais reacionárias e golpistas do nosso cenário político, depois de todos os esforços e sacrifícios que fizemos para livrar a  patriamada  do arbítrio.

Bem vistas as coisas, quem confrontou de peito aberto uma ditadura -- eu e todos os resistentes do passado -- estamos num plano moral infinitamente superior àqueles que só passam por ser  alguém  em função de sua posição no sistema, mas, grana e poder à parte, por si sós demonstram ser  ninguém.

Então, de minha parte, o Mino Carta e o Walter Maierovitch só fazem jus ao mais absoluto desprezo, como Torquemadas em pele de progressistas que são.

Já o bom companheiro Carlos Lungarzo, generosamente, concedeu ao segundo muito mais do que ele merece: uma resposta consistente e digna ao seu inconsistente proselitismo persecutório. Está em Caso Battisti: novo libelo.

Recomendo sua leitura a quem ainda precisar de alguma argumentação para saber de que lado está a verdade.

E até como reconhecimento pelo esforço do Lungarzo, que teve de prender a respiração para efetuar uma tarefa que melhor se adequaria a profissionais de análises clínicas...

DÉJÀ VU

Os deuses do futebol estavam brincalhões ontem no Pacaembu.

Como se também quisessem reverenciar Ronaldo, que deu volta olímpica se despedindo da torcida, determinaram que o placar fosse idêntico à da partida de 2009, na Vila Belmiro, na qual o  Fenômeno  marcou seu último gol inesquecível: 3x1.

E ainda fizeram com que o terceiro tento, de Liedson, tivesse alguma semelhança com aquele gol (também o 3º).

De quebra, o pênalti cometido por Adriano em Dentinho, que ciscava no bico direito da grande área, foi parecido com (e ainda mais desnecessário que) o de Rogério sobre Robinho na decisão do Brasileirão de 2002.

Na partida deste domingo pelo Paulistão...

...o 3º gol lembrou o de Ronaldo há quase dois anos...

...e o pênalti foi muito parecido com o de 2002.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

PSIQUIATRIA: ELETROCHOQUES CURAM PACIENTES OU OS TORNAM VEGETAIS?

O eletrochoque tinha papel de destaque nas torturas aplicadas pela ditadura de 1964/85.

No período mais agudo da luta armada -- fui preso em abril de 1970 --, o tempo era  fator primordial para os dois lados:
  • o militante sabia que seu agrupamento estava tratando de tornar inofensivas todas as informações de que ele dispunha, então, se resistisse o suficiente (na VPR, fixamos tal limite em 24 horas), nada de mau aconteceria  lá fora;
  • a repressão também estava ciente disto, e maximizava o impacto dos suplícios, para arrancar-lhe rapidamente tais informações, enquanto ainda possuíam valor operacional.
O choque tem exatamente a característica de ser insuportável, causando um impacto muito forte, então era largamente utilizado na  descida ao inferno. Quase sempre com a vítima pendurada no pau-de-arara (ou, no caso da Operação Bandeirantes de SP, atada na  cadeira do dragão).

O principal inconveniente, para a repressão, era o de que podia matar o torturado. Não existia nenhuma mensuração de quanto o choque poderia se prolongar, então os agentes da ditadura o calibravam de acordo com sua  sensibilidade. Se durasse pouco, não faria a vítima perder o controle; se durasse demais, a corda talvez arrebentasse...

Não conseguíamos respirar durante a descarga. Sentíamo-nos sufocar, morrer. Quando ela cessava, respirávamos sofregamente, tentando absorver todo ar do mundo. Deve ser o mesmo que estar se afogando.

Qualquer resistente com problemas de saúde, dos quais às vezes nem sequer tinha consciência, estava sujeito a expirar quando o choque se prolongava além do que ele conseguia suportar. Tanto um quase quarentão tipo Vladimir Herzog, quanto um jovem de 23 anos como Chael Charles Schreier (companheiro de Dilma Rousseff na VAR-Palmares).

Oficiais do Exército, depois que eu já passara da fase crítica, comentaram comigo que o choque era inofensivo, que só causava  efeito psicológico. Era no que queriam acreditar, para sentirem-se menos culpados.

O certo é que o  modus operandi  dos torturadores demonstrava o contrário: superada a terrível etapa inicial de nossa  via crucis, eles tratavam de diminuir a intensidade dos choques. Ainda os aplicavam, mas não tão fortes -- salvo quando suspeitavam de que o militante detinha uma informação muito importante. 

Ou seja, mostravam estar conscientes de que aquela maldita maquininha (conheci dois modelos, um telefone de campanha adaptado e uma rudimentar que parecia uma ratoeira) era um instrumento de morte.

E o efeito foi bem mais do que psicológico em mim: quase enfartei no terceiro dia de prisão. E tinha só 19 anos.

Um oficial desconfiou que eu estivesse na iminência de um ataque e chamou o médico. Ele me examinou, mediu a pressão e sussurrou algo para o oficial.

Imediatamente, levaram-me para um ambiente ameno, deram-me tranquilizantes, pediram para eu me acalmar. As torturas cessaram por alguns dias.

Não era preciso eu ser muito perspicaz para perceber que chegara bem perto da morte -- algo que os verdugos queriam evitar, por causa da péssima repercussão que teve no exterior o assassinato de Schreier.

Se um estudante ainda mais jovem expirasse na tortura, a imagem da ditadura sofreria novo abalo e a pressão das organizações humanitárias internacionais aumentaria, pondo em risco créditos e intercâmbios que as autoridades brasileiras detestariam perder. Como dizem os gangstêres do cinema, "não é pessoal, são só negócios..."

E havia também os choques aplicados no pênis e no escroto, e na cabeça (com um eletrodoto atado em cada orelha).

Em termos meramente físicos, não havia diferença em ter os arames presos no pênis, encostados nos testículos ou atados nos dedos. O sofrimento provinha da descarga percorrer o corpo.

Na cabeça era pior: parecia que um raio passava por dentro de nossa mente.

É claro que nos causavam o temor de ficarmos impotentes e com danos cerebrais. Mas, desconheço algum caso concreto neste sentido -- talvez porque fossem poucos os choques aplicados nessas regiões. Novamente, a parcimônia faz crer que os verdugos temiam deixar sequelas constatáveis.

OS ESTRANHOS NO NINHO

Depois do que sofri, sempre desconfiei do uso terapêutico dos eletrochoques. Minha simpatia estava ao lado dos contingentes que denunciam tal prática como uma tortura infligida ao paciente com problemas mentais, para que ele volte a se enquadrar no princípio da realidade... por mero terror!

Meu paradigma do dito terapêuta que receita choques é a enfermeira-chefe interpretada por Louise Fletcher em Um estranho no ninho. Alguém que  pune  os loucos por serem loucos e para deixarem de ser loucos.

Então, não foi nenhuma surpresa encontrar, na Folha de S. Paulo deste domingo, o depoimento de um engenheiro de 49 anos que, após 33 sessões de choque, continuou com o mesmíssimo quadro de transtorno bipolar e ainda perdeu a lembrança de fatos importantes de sua vida.

Como ele sintetizou: "benefício zero e prejudicou minha memória de maneira arrasadora".

Se minha opinião de leigo valer alguma coisa, está mais do que na hora de os psiquiatras descartarem terapias que os aproximam dos torturadores.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

QUEM SABE FAZ A HORA, NÃO ESPERA ACONTECER

"Quem sabe faz a hora, não espera acontecer", cantou/exortou o Geraldo Vandré.

Então, bem antes que o povo dos países árabes enviasse esta forte mensagem libertária à esquerda mundial, eu já me posicionava francamente contra a absurda pretensão de se pretender transformar o mundo de cima para baixo, tangendo as massas, qual rebanho, para o paraíso desenhado na mente de uma casta de autoproclamados  guias geniais dos povos.

Assim, no post Profissão de fé, em 05/09/2008, eu já alinhavei algumas diretrizes de atuação pessoal que, evidentemente, resumem a visão que tenho de como deveria ser a atuação coletiva da esquerda neste século 21:
"Os parâmetros que sigo no meu blogue são os mesmos que sigo em minha vida:
  1. sou e sempre serei um homem de esquerda, ou seja, considero que os objetivos maiores da humanidade são irrealizáveis sob o capitalismo;
  2. portanto, não estou empenhado em aprimorar ou moralizar o capitalismo, mas sim em criar uma sociedade nova que concretize as aspirações milenares de liberdade e justiça social;
  3. e o que eu quero ver criado é exatamente o 'reino da liberdade, para além da necessidade' prometido por Marx, no qual cada indivíduo tenha garantido o necessário para uma sobrevivência digna e possa, livre dos grilhões da necessidade, desenvolver plenamente suas potencialidades;
  4. Acredito também na verdade dialética de que meios e fins estão em permanente interação, de forma que um fim nobre não pode ser atingido por meios indignos, mas, pelo contrário, o recurso aos meios indignos contamina e desvirtua o fim;
  5. Então, o respeito aos direitos humanos deve permear todo o processo revolucionário, se o que se pretende construir é uma sociedade de homens verdadeiramente livres e plenos;
  6. O stalinismo é uma distorção e uma aberração que até hoje contamina a esquerda, com sua prática autoritária de impor uma posição como a única aceitável, enquanto todas as demais favoreceriam o inimigo;
  7. O pensamento crítico é a alternativa a essa prática de rolo compressor, adotada por grande parte da esquerda organizada e aparelhista.
Então, este blogue se define como um espaço para os ideais de esquerda, para o exercício do pensamento crítico e para a defesa intransigente dos direitos humanos, sem priorizar nenhuma destas três linhas-mestras.

Pois, só tornaremos realidade os sonhos dos grandes revolucionários (inclusive os anarquistas) se conseguirmos fazer com que esses valores sejam complementares e simultaneamente concretizados. Jamais excludentes.

Quem pretende criar uma sociedade com justiça social mediante práticas autoritárias e por meio da arregimentação de fanáticos, na verdade estará engendrando um monstro."
É o que as revoltas árabes estão demonstrando: o autoritarismo não tem mais lugar em nossa época,  pouco importando se a retórica do governo que o adota seja de direita ou de esquerda.

Se quisermos liderar a humanidade em sua marcha para uma sociedade igualitária, fraternal e livre, teremos de empunhar de novo (e para valer!) essas três grandes bandeiras da Revolução Francesa -- ideais que a burguesia era incapaz de concretizar, mas nós podemos.

Se insistirmos em priorizar a justiça social em detrimento da liberdade, acabaremos não viabilizando a primeira e ainda entregaremos de mão beijada a liderança dos movimentos emergentes às forças políticas que querem apenas instituir um capitalismo pleno. 

NOS PAÍSES ÁRABES, A LIBERDADE ESTÁ GUIANDO O POVO

Os últimos acontecimentos no mundo árabe só surpreendem mesmo àqueles contingentes desnorteados da esquerda que queriam reduzir os intrincados dramas da região à velha ótica da guerra fria, alinhando-se com quaisquer tiranetes que adotassem retórica anti-EUA e anti-Israel.

Como Paulo Francis já dizia há uns 40 anos, os governantes autocratas e feudais do Oriente Médio jamais se unirão para travar uma guerra vitoriosa contra Israel, pelo simples motivo de temerem mais a revolta das massas contra seu despotismo do que qualquer outra coisa.

Então, a esperança, em todos os sentidos, repousa nas massas que se revoltam, não nos podres poderes estabelecidos.

E nós, revolucionários, temos mais é de nos colocar sempre e incondicionalmente ao lado do povo, dos humildes, dos injustiçados, dos explorados e dos excluídos -- pois é para isto que existimos, não para negar-lhes liberdade (ou, até, um salário-mínimo menos degradante...).

Há um tipo de   realismo político  que jamais poderemos adotar e com o qual jamais poderemos nos acumpliciar, sob pena de deixarmos de representar, aos olhos de quem realmente importa para nós, a esperança num mundo melhor.

Enfim, voltando ao assunto do momento, uma análise muito lúcida é a do  editor de Oriente Médio da BBC,  Jeremy Bowen, que reproduzo por ser um bom ponto de partida para nossas reflexões.

"Passaram-se somente cerca de dois meses desde que os primeiros protestos começaram na Tunísia, após a morte de um jovem desesperado que ateou fogo a si mesmo porque a polícia o impediu de vender frutas e vegetais.

Desde então, os presidentes da Tunísia e do Egito se foram.

Os manifestantes aprenderam que, se pressionarem, se superarem o medo da polícia, coisas extraordinárias podem acontecer.

Um dos líderes dos protestos no Cairo me disse que antes da primeira manifestação em 25 de janeiro, ele pensou que eles durariam cinco minutos - isto foi exatamente o que ele disse - antes de que fossem pegos pela polícia.

Não me incomodo de admitir que, no dia seguinte, quando fui ao Cairo, achei que o governo do presidente Mubarak seria muito forte para os manifestantes, mas não foi.

Agora está claro que nenhum governante árabe pode se permitir sentir-se seguro. E os protestos no Irã também recomeçaram.

As autoridades iranianas, e as autoridades árabes no Iêmen, na Líbia, na Algéria e em Bahrein estão enfrentando os manifestantes. Outros líderes, e suas polícias secretas, se perguntam quando as manifestações vão começar em seus países.

Em cada país, as pessoas tem suas próprias razões para estarem insatisfeitas. Mas eles tem características em comum.

Uma destas características é ter governos que são repressores, em maior ou menor grau.

Outra é a frustração das populações jovens, que sabem cada vez mais sobre o mundo exterior do que a geração anterior a eles.

SEM TABUS - A opinião popular no Oriente Médio árabe só emergiu há cerca de 50 anos, através de rádios que ficavam em cafés e praças públicas de cidades pequenas, geralmente estavam sintonizados em transmissões altamente partidárias vindas do Cairo.

Os líderes concluíram que eles podiam manipular a maneira como as pessoas pensavam, mas não podem mais.

Desde meados dos anos 1990, os canais de televisão via satélite que transmitem para diversos países árabes vem destruindo tabus sobre o que pode ser discutido pelas pessoas.

E agora, o crescimento das redes sociais significa que qualquer um pode participar das discussões.

Países não podem mais ser fechados, mas seus governantes continuam a se comportar como se ainda fosse 1960.

Muitos olhos agora estão em Bahrein. Por anos, a família real sunita tentou aumentar seu controle sobre uma população que é 70% xiita.

Eles trouxeram sunitas de outros países para mudar a proporção da população. Os sunitas que chegaram ao país receberam passaportes e outros benefícios que incluem empregos nas forças de segurança.

Bahrein está ligado ao nordeste da Arábia Saudita por uma estrada.

Conflitos entre os xiitas bairenitas preocupam a família real saudita. A região nordeste do país, que é onde está a maior parte do petróleo, tem uma grande população xiita e é considerada uma espécie de "quinta coluna" dos governantes xiitas do Irã - ainda que sem muitas evidências.

Talvez a família real saudita deva ficar nervosa. Tanto o rei quanto princípe estão velhos e doentes.

Antes do início dos protestos dos países árabes a Arábia Saudita já estava se preocupando com a transferência de poder para a próxima geração de príncipes.

Se os sauditas estão preocupados, imagine os cálculos que estão sendo feitos em Washington, em Londres e em outras capitais do ocidente.

Por muitos anos países que se orgulharam da democracia e dos direitos humanos apoiaram regimes não democráticos que, em graus diferentes, oprimiam seus povos. Foi uma hipocrisia diplomática conveniente.

Mas agora, os países do ocidente terão que lidar com um novo Oriente Médio. E neste momento, ninguém tem nenhuma ideia de como ele vai ser."

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A ANISTIA DE 1979 EM DISCUSSÃO

Para quem ainda não leu em outros espaços e também para manter aqui o registro, reproduzo a ótima entrevista que a companheira Ana Helena Tavares fez comigo, como parte de uma série sobre a anistia de 1979, em que ela já ouviu o Hélio Bicudo, o Carlos Lungarzo e o Cid de Queiroz Benjamin.


Foto tirada numa manifestação do Movimento
dos Sem-Mídia na porta da "Folha de S. Paulo"
Celso Lungaretti é paulistano, neto de italianos, e trabalhou durante 34 anos como jornalista profissional, atuando no grupo encabeçado pelo jornal "O Estado S. Paulo", na Imprensa do Palácio dos Bandeirantes, em revistas de variedades e agências de comunicação empresarial. É autor do livro "Náufrago da Utopia" (Geração Editorial, 2005). 

Participou da resistência à ditadura militar, como militante estudantil e membro da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária). Foi preso e duramente torturado. Falsamente acusado de delator, ficou de fora da lista de guerrilheiros a serem soltos e exilados, trocados pelo embaixador alemão (seqüestrado em 70), e passou muitos anos sendo injustiçado por companheiros da esquerda. Só conseguiu provar sua inocência nisso no final de 2004, a partir da revelação de um relatório secreto militar e da intervenção em seu favor do historiador Jacob Gorender.

Hoje com 60 anos, considera-se em plena forma para atuar na profissão, mas, conforme foi se tornando mais notória sua condição de articulista de esquerda, passou a não encontrar mais nenhuma porta aberta na mídia. Para continuar cumprindo, "na contramão do sistema", seu papel de formador de opinião, mantém dois blogues, colabora em outros espaços virtuais e tem seus artigos divulgados por uma ampla rede de amigos. É também um dos principais defensores do escritor e perseguido político Cesare Battisti, em favor de quem já escreveu mais de 200 artigos.

Nesta entrevista, concedida em exclusivo ao blog Quem tem medo do Lula?, do qual é colaborador e co-editor, Lungaretti diz que a Lei de Anistia foi “irrestrita no mau sentido. O termo oportunista cai melhor”. E devia ter sido revista em 1985: “Agora, que os ainda vivos são septuagenários ou mais idosos ainda, há vários problemas. Considero mais importante assegurarmos que o papel histórico dessa canalha fique bem conhecido”, disse.

Conhecimento este que é prejudicado pela forma como a mídia atua no assunto. Uma atuação definida por ele como “assustadora” e somente comparável ao que se viu nos “EUA no auge do macarthismo”.

Lungaretti deixa a indagação: “Se os crimes não só deixarem de ser punidos, como forem também acobertados, que mensagem legaremos aos que virão depois de nós? A de que não há risco em se derrubar um presidente legítimo, rasgar a Constituição, cometer arbitrariedades de todo tipo, torturar, estuprar, assassinar e dar sumiço em restos mortais?”

E diz que torce para que a presidenta Dilma Rousseff “reabra a questão”. Pois, “indignidade tem limite”.

Por Ana Helena Tavares

Carlos Lamarca, de quem você foi companheiro na VPR, o acusou de delator. Sua inocência quanto a isso só foi provada em 2004. Queria que você começasse falando sobre essa história. 
Celso Lungaretti: Os fatos concretos são:
1) entre outubro e dezembro de 1969, o Lamarca, o Fujimori, o velho Lavecchia, o Massafumi e eu tentamos preparar uma área em Jacupiranga (SP) para receber os companheiros que deveriam fazer treinamento guerrilheiro;
2) com a desativação dessa área por inadequação aos nossos propósitos, eu pedi para voltar ao trabalho urbano e o Massafumi se desligou da VPR;
3) ambos pudemos sair de lá exatamente porque o que nós conhecíamos deixara de ser sigiloso e não sabíamos qual o local onde se faria a nova tentativa de implantar a escola de guerrilha;
4) preso em abril de 1970, sofrendo torturas muitos intensas e detendo informações importantes, revelei a localização da área abandonada, para ganhar tempo;
5) a área ativa só viria a ser descoberta pela repressão dois dias depois, em função de novas prisões (conforme consta de um relatório secreto do II Exército);
6) quando o Massafumi se rendeu ao Deops/SP, tudo isso já havia acontecido;
7) mesmo assim, um documento da VPR atirou tal responsabilidade sobre nós dois, estimulando preconceitos que, inclusive, tiveram muito a ver com o suicídio do Massafumi.
O que está por trás dos fatos é meio difícil de apurar-se hoje em dia. O Ivan Seixas, por exemplo, disse-me que a situação era tão caótica e havia tanta coisa ruim acontecendo que a VPR poderia, simplesmente, estar mal informada.
No entanto, é fato também que quem revelou a localização da chamada Área 2 ao DOI-Codi tinha posição hierárquica superior à minha e, se isto se tornasse notório, seria bem mais constrangedor para a VPR a delação ter partido dessa pessoa que de mim -- eu era jovem, pouco conhecido e não tinha tradição pessoal nem familiar na esquerda.
Enfim, fiquei com a impressão de que a "razão de Estado" prevaleceu sobre o compromisso revolucionário com a verdade.

Você guarda algum tipo de ódio dos militares que o torturaram?
CL: Só os odiaria se fossem iguais a mim. Aos inferiores, eu desprezo. Eram uma escória truculenta e burra, nada mais.
Em sua opinião, qual punição ainda cabe a eles?
CL: Deveriam ter respondido por seus crimes no momento da redemocratização do País. Agora, que os ainda vivos são septuagenários ou mais idosos ainda, há vários problemas:
1) a Justiça brasileira faculta infinitas manobras protelatórias a réus que têm bons advogados, então acabariam todos morrendo antes de qualquer sentença condenatória chegar à fase de execução;
2) eles alegariam, com razão, desigualdade de tratamento, por terem sido apenas os executantes de uma política adotada pelo Estado brasileiro nos anos de chumbo. Alguns companheiros se contentariam em ver sentenciado um Brilhante Ustra ou um Curió. Eu considero muito piores os mandantes, os altos comandantes militares, os signatários do AI-5. Foi gente como o Delfim Netto que tirou a focinheira dos mastins e os açulou contra nós.
3) a propaganda da extrema-direita se serviria disso para torná-los objetos de compaixão, o que não merecem ser. Seria tolice criarmos condições para o martiriológio desses carrascos.
Então, eu considero mais importante assegurarmos que o papel histórico dessa canalha fique bem conhecido, do que corrermos atrás de punições tardias e que acabarão não ocorrendo.

A Lei de Anistia foi interpretada pelo STF como abrangente aos torturadores. É caso de revisão ou de reinterpretação?
CL: Não há hipótese de uma anistia ser promulgada durante uma ditadura, beneficiando os esbirros dessa ditadura. Isso não foi anistia, mas sim um habeas corpus preventivo. Então, ela tem é de ser revogada e substituída por outra, gerada num Estado de Direito.
Ocorre que o Tarso e o Vannuchi desviaram o foco da questão, do Executivo e do Legislativo para o Judiciário. Fizeram isto quando perderam a batalha dentro do Ministério e por saberem que o Congresso também não mexeria nesse vespeiro.
Mas, o obstáculo não foi contornado: a Advocacia Geral da União, cada vez que requisitada pela Justiça, opina que a anistia de 1979 incluiu os torturadores, mesmo (absurdo!) entendimento do STF.
Então, melhor do que esse atalho que não levou a lugar nenhum, teria sido continuarmos na estrada principal: para posicionar corretamente essa questão, o Estado brasileiro precisa, primeiramente, revogar a anistia que os déspotas concederam a seus agentes. Todo o resto vem depois.

Fala-se muito num “pacto de conciliação” e que quebrá-lo seria prejudicial. Como você vê isso?
CL: Não vejo. Inexistiu conciliação. O que houve foi uma chantagem da ditadura: "se vocês querem que soltemos os presos políticos e deixemos voltar os exilados, terão de engolir o perdão de todos os nossos crimes".
É compreensível que os companheiros tenham aceitado essa barganha em 1979, afinal havia muita gente de nosso lado sofrendo, aqui e lá fora.
O incompreensível é não a terem denunciado em 1985. Por conta dessa omissão, o problema continua sem verdadeira solução, um quarto de século depois.

A anistia foi mesmo “ampla, geral e irrestrita”?
CL: Foi "ampla" e "geral" porque os militares não conseguiram deixar de fora os resistentes que pegaram em armas, como pretendiam; pelo menos esta parada nós vencemos.
E "irrestrita" no mau sentido, porque cobriu práticas que não podem ser anistiadas, quais sejam aquelas cuja responsabilidade é dos agentes do Estado. O termo "oportunista" cai melhor...

O que você acha da expressão “revanchismo”?
CL: Seria pertinente se aqui tivesse havido uma guerra entre forças equivalentes, não uma tentativa desesperada que alguns milhares de cidadãos idealistas e despreparados empreendemos, contra os efetivos e recursos imensamente superiores dos tiranos que haviam usurpado o poder e recorriam às práticas mais bestiais para nele se manterem.
O problema é e sempre foi de Justiça. Para quem sofreu as torturas na carne ou teve assassinados seus entes queridos sem receber sequer um corpo para enterrar, é muito difícil aceitar a impunidade ostensiva desses criminosos.
  
Qual a importância de que a sociedade brasileira tenha direito ao esclarecimento dos crimes da ditadura?
CL: Se os crimes não só deixarem de ser punidos, como forem também acobertados, que mensagem legaremos aos que virão depois de nós? A de que não há risco em se derrubar um presidente legítimo, rasgar a Constituição, cometer arbitrariedades de todo tipo, torturar, estuprar, assassinar e dar sumiço em restos mortais?
Já que se tornou muito difícil fazer com que essas bestas-feras cumpram penas de prisão ou ressarçam o Estado pelo que este teve de pagar em indenizações a suas vítimas, que pelo menos sejam expostas ao opróbrio dos brasileiros. Que morram cientes de que os pósteros conhecerão detalhadamente suas práticas infames, encarando-as com horror e repulsa.

Você diria que hoje o Brasil é um país democrático?
CL: Formalmente, sim. Mas vivemos uma nova realidade, na qual o poder econômico assumiu tal preponderância que as instâncias políticas foram esvaziadas, tornando-se impotentes para decidir o fundamental; e na qual a indústria cultural, manipulando cientificamente as consciências, desfigura profundamente a representação popular.

Você trabalhou durante alguns anos no Estadão. Hoje, como você vê a atuação da mídia nesse processo?
CL: Assustadora. A única comparação que me ocorre é com os EUA no auge do macarthismo.
Nós, os que contestamos as versões e as visões do agrado dos donos da mídia, não conseguimos exercer plenamente o direito de resposta, não temos espaço para apresentar o "outro lado" e quase nunca somos citados. Viramos não-pessoas, não porque os colegas jornalistas o queiram, mas por causa das restrições impostas pelos altos escalões.

Qual sua expectativa com relação ao papel da Dilma, uma ex-torturada, nessa questão?
CL: Torço para que reabra a discussão, pois a última palavra não pode ser aquela dada pelo STF. Indignidade tem limite.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

INFORMANTE CONFESSA QUE MENTIU À CIA SOBRE ARMAS BIOLÓGICAS IRAQUIANAS

Seria cômico, se não fosse trágico: a ocupação militar do Iraque pelos Estados Unidos e a destituição do dirigente que, bom ou mau, deveria ter sua sorte decidida pelos próprios iraquianos e não por invasores estrangeiros, deveram-se a denúncia falsa, proveniente de uma única fonte (!!!).

O próprio ex-presidente estadunidense George W. Bush admitiu ter decidido violentar o princípio de autodeterminação dos povos em função do depoimento do dissidente Rafid Ahmed Alwan al Janabi, um engenheiro químico iraquiano.

Pois bem, o tal Janabi acaba de confessar ao jornal britânico Guardian que mentiu aos serviços secretos dos EUA (e também da Alemanha), ao impingir-lhes invencionices sobre a existência de armas biológicas móveis transportadas por meio de caminhões, bem como de fábricas secretas.

Foi este -- produção secreta de armas de destruição em massa -- o motivo alegado por Bush para derrubar Saddam Hussein em 2003.

Palavras de Janabi:
"Eu tinha problemas com Saddam. Queria me livrar dele e tive a chance. Eles me deram essa chance. Eu tive a chance de fabricar algo para depor o governo. Eu e meus filhos temos orgulho disso e de que somos a razão de haver democracia ao Iraque".
A entrevista de Janabi ao Guardian veio na esteira do lançamento do livro de memórias do ex-secretário de Defesa estadunidense, no qual Donald Rumsfeld reiterou o que todos já sabíamos, admitindo a inexistência das tais armas biológicas.

Mas, terão mesmo a CIA e Bush acreditado nessa lorota ou foi apenas o pretexto que lhes caiu no colo para fazerem o que sempre pretenderam fazer?

No mundo da espionagem, como no do jornalismo, informação nova que é trazida por uma só fonte entra sempre como hipótese, não como verdade. Carece de confirmação.

Então, escolham: ou o Governo Bush foi pateticamente ingênuo, ou criminosamente manipulador.

Não esquecendo que nem a ONU, nem ninguém, autorizou os EUA a assumirem o papel de policiais do mundo.

Mesmo que as armas mirabolantes houvessem sido encontradas, não justificariam a covarde agressão a uma nação independente e sem a mínima possibilidade de resistir à principal potência militar do planeta.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

TESTE SEUS CONHECIMENTOS

A afirmação "são mobilizações subversivas, partidárias, contra minha pessoa e impulsionadas por uma esquerda que usa qualquer meio para tentar vencer" é de:
a)  Emílio Garrastazu Médici
b)  Augusto Pinochet
c)  Francisco Franco
d)  Benito Mussolini
e)  Calígula
f)   nenhum deles

Opção correta: "f".

O autor da frase, contudo, é discípulo aplicado das cinco personalidades citadas, principalmente das duas últimas.

DEPOIS DA HILLARY, O HILÁRIO

Recebi a seguinte mensagem do Cleuber Cristiano, autor da ótima charge acima sobre a Igreja e a pedofilia:
"Meu blog de quadrinhos (Traço de Guerrilha) está sendo atualizado todos os dias depois das 10h.

São quadrinhos militantes, que retratam a voz da massa, a voz do povo.

O tipo de quadrinho que faço não tem espaço no PIG, então, para alcançar um publico maior, conto muito com seu apoio nesta divulgação".
O apoio está dado, Cleuber, porque você merece. E as lutas continuam.

POR QUE NÃO TE CALAS?!

A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, faria melhor uso de sua boca se desse ao marido as satisfações que ele é obrigado a procurar alhures.

Suas declarações a respeito dos confrontos entre manifestantes e policiais em Teerã foram as mais inoportunas possíveis, acarretando antipatia e suspeitas para  aqueles a quem tenta ajudar:
"Queremos para a oposição e o povo heroico nas ruas e nas cidades de todo o Irã as mesmas oportunidades que alcançaram seus homólogos egípcios na semana passada".
Com amigas como esta, os oposicionistas do Egito e do Irã não precisam de inimigos.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

E AGORA, RONALDO? A FESTA ACABOU, A LUZ APAGOU, O POVO SUMIU...

Ronaldo Nazário deixa os gramados melancolicamente, como tantos deuses do esporte que não souberam a hora exata de parar.

Embora haja visto muitos futebolistas nesta condição, o drama que mais me impressionou foi o de um pugilista: Muhammad Ali.

Depois de haver revolucionado o boxe peso-pesado com sua técnica admirável de dançarino, de ter sido despojado do título por honrar suas convicções e de o recuperar na maior luta de todos os tempos, insistiu em se manter no ringue quando o corpo já não conseguia mais executar o script desenhado na sua mente.

Acabou, vitimado pelo mal de Parkinson, tornando-se uma sombra do seu antigo esplendor.

Para Ronaldo, igualmente, não caiu a ficha de que seu canto do cisne tinha sido a marcante contribuição dada para o Corinthians conquistar o Campeonato Paulista e a Copa do Brasil de 2009, com direito a um gol de placa contra o Santos.

Ressuscitara para o futebol mais uma vez, como já havia ocorrido depois das graves contusões que sofreu e na Copa do Mundo de 2002, quando a todos surpreendeu voltando à plenitude no momento em que a Seleção Brasileira mais necessitava dos seus gols.

No entanto, desde o malfadado Mundial de 1998, esses momentos mágicos vinham durando pouco, no máximo alguns meses.

Então, deveria ter agradecido aos céus a oportunidade para deixar como última imagem seu magnífico desempenho nos meses de abril e maio de 2009.

Com a mesma ingenuidade evidenciada em sua vida particular e amorosa, ele acreditou que a boa fase fosse finalmente durar, que ajudaria o Corinthians a conquistar a Libertadores e o Mundial Interclubes, que Dunga o convocaria para a Copa de 2010...

Nada deu certo. E ele acabou se curvando à evidência dos fatos, depois de ser apontado pela torcida como um dos culpados pelo vexame na pré-Libertadores.

Mas, merece nosso reconhecimento e nosso carinho por um sem-número de lances inesquecíveis e por ter sido para a Seleção Brasileira, em 2002, o que Garrincha foi em 1962 e Romário em 1994: o craque decisivo.

Conquistamos dois títulos mundiais (1958 e 1970) graças ao brilho conjugado de várias estrelas e outros três devido, principalmente, à intensa luminosidade de uma estrela maior.

E não deveremos jamais esquecer o quanto Ronaldo  Fenômeno  sofreu e se esforçou para ressurgir das cinzas, após cada armadilha do destino.

Como em 1998, quando uma infiltração de xilocaína mal aplicada fez dele o pivô de uma derrota cuja culpa, na verdade, foi toda do cartola Ricardo Teixeira (que impôs a escalação de um atleta sem condições de jogo) e do técnico Zagallo (servil cumpridor de ordens aberrantes).

Ter-se sacrificado tanto para nos dar uma Copa de presente, em substiuição àquela que não foi ele quem perdeu, mostra uma firmeza de caráter rara em futebolistas.

Como bem disse o genial Paulo Vanzolini, "ali onde eu chorei, qualquer um chorava/ dar a volta por cima que eu dei, quero ver quem dava".

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