domingo, 28 de novembro de 2010

VALE A PENA LER DE NOVO: "A BARBÁRIE NOS RONDA"

Há quase quatro anos -- precisamente no dia 22 de fevereiro de 2007 -- escrevi o artigo abaixo, que, com ligeiros retoques, serve perfeitamente para os dias de hoje, quando os soldados do Estado e do tráfico travam mais uma batalha com muitas baixas, muitos inocentes atingidos, muitos danos e transtornos, mas que não será solução definitiva, apenas paliativo.

Já assistimos a este filme antes e o assistiremos de novo daqui a alguns anos, se não formos à raiz do problema, atacando apenas seus efeitos -- ainda que com truculência extrema.

E o problema se chama capitalismo -- o qual, ele sim, tem de ser extirpado. Não as vidas das vítimas de suas contradições e de sua lógica perversa (até os traficantes o são, embora, em sua maioria, já não possam ser redimidos).
A BARBÁRIE NOS RONDA

"Cada vez que acontece um episódio policial mais chocante ou que uma organização criminosa coloca as autoridades em xeque, a coletividade passa alguns dias discutindo quais medidas poderiam ser adotadas para um combate mais eficiente à criminalidade.

É sempre uma espécie de catarse, que dura apenas até uma nova ocorrência qualquer dominar o noticiário. E pouquíssima coisa se aproveita das propostas apresentadas com tamanho estardalhaço e debatidas com tanto furor retórico.

O que fazer, afinal, contra os cães danados que dilaceram crianças e contra as máfias que colocam grandes cidades em polvorosa?

Muitos cidadãos gostariam de ver aplicadas aqui as punições drásticas dos países muçulmanos: que se cortassem as mãos dos ladrões, o pênis dos estupradores e a vida dos assassinos. Olho por olho, dente por dente.

Outros pedem mais policiais nas ruas, de preferência atirando primeiro e perguntando depois... nos bairros pobres ou quando os suspeitos são negros, pardos ou malvestidos, é claro.

E há os que defendem a maioridade penal a partir dos 14 ou 16 anos, o que somente fará os bandidos diminuírem proporcionalmente a idade do recrutamento de seus serviçais, até que tenhamos crianças empunhando fuzis e metralhadoras. O velho chavão moralista mudará de “hoje mocinho, amanhã bandido” para “hoje bandido, amanhã defunto”.

No fundo, tudo isso são paliativos. Inexiste forma ideal de se lidar com aqueles que já se tornaram bestas-feras, nocivos para si próprios e para a sociedade. Pode-se, quanto muito, controlá-los – e a um custo dos mais elevados para um país de tantas e tão dramáticas carências.
Exterminá-los, jamais! Isso levaria a violência a patamares apocalípticos, pois os bandidos não teriam mais nada a perder. Nós, sim, perderíamos, ao abrirmos mão da civilização arduamente construída nos milênios que nos separam da horda primitiva, voltando à estaca zero.

O xis do problema, no entanto, nunca é discutido: o fato de que a criminalidade é intrínseca ao capitalismo e subsistirá enquanto não substituirmos o primado da ganância e da competição pelo da solidariedade e da cooperação.

Vivemos numa sociedade que desperdiça o potencial já existente para se proporcionar uma existência digna a cada habitante do planeta; que faz as pessoas trabalharem muito mais do que seria necessário para a produção do necessário e útil; que condena parcela substancial da população economicamente ativa ao desemprego, à informalidade e à mendicância; que estimula ao máximo a compulsão consumista sem dar à maioria a condição de adquirir seus objetos de desejo; que retirou do trabalho qualquer atrativo como realização individual, tornando-o apenas um meio para obtenção do vil metal (ou seja, uma nova forma de escravidão).

Então, os que ainda têm emprego e os empreendedores continuarão irrealizados, esforçando-se demais para nunca obterem as gratificações almejadas, pois a lógica do capitalismo é perpetuar a insatisfação e mitigá-la com o consumo (a cenoura colocada à frente do asno para que ele continue puxando a carroça). Um círculo vicioso perverso que faz a fortuna dos analistas, dos farsantes religiosos e dos picaretas da auto-ajuda.

Alguns excluídos continuarão vivendo das esmolas dos programas oficiais e vão ajudar a eleger aqueles a quem convém mantê-los em eterna dependência.

Outros tentarão obter pela força aquilo que jamais alcançarão pela competência. E servirão de espantalho para intimidar as classes superiores, fazendo-as crer que uma sociedade policial seria a solução.

É paradoxal que, em nossa época, formidáveis avanços científicos e tecnológicos coexistam com uma regressão ao ambiente medieval, com os nobres entrincheirados em condomínios de alto padrão, circulando em veículos brindados e só podendo levar vida social em shopping centers, não ousando mais exporem-se fora de suas fortalezas. No exterior desses espaços fortificados e vigiados, os bárbaros estão sempre à espreita, prontos para desferir seus golpes.

Uma previsão terrível de Friedrich Engels, um dos pais do marxismo: quando uma sociedade consegue aniquilar as forças progressistas que poderiam levá-la a um estágio superior de civilização, acaba sendo destruída pela barbárie. O paralelo é com Roma, que venceu os gladiadores de Spartacus mas sucumbiu aos povos atrasados, condenando o mundo a séculos de trevas.

Resta saber se, no século 21, a ameaça maior à civilização se corporifica nos criminosos cada vez mais abusados e no surto de populismo autoritário no 3º mundo, nos fanáticos religiosos que derrubam torres gêmeas ou na fúria com que a natureza começa a reagir às agressões sofridas.

POST SCRIPTUM: DETALHAMENTO DA MATÉRIA A PARTIR DAS DISCUSSÕES QUE SUSCITOU NO ORKUT
Na ótica marxista, o capitalismo representou um estágio superior de civilização em relação ao feudalismo. No entanto, às vezes o "sistema" que já esgotou sua contribuição positiva é bem-sucedido em bloquear as forças de mudança. Foi o caso de Roma e está sendo o do capitalismo hoje.
Quanto a Roma, o que "pegava" era a escravidão. O passo seguinte seria reestruturar o Império a partir do trabalho de homens livres. E era a isso que levaria uma eventual vitória de Spartacus e seus gladiadores. Quando Spartacus foi derrotado, Roma e a escravidão entraram em lenta decadência, até que os bárbaros derrotaram o Império e o retalharam.
Então, voltou-se a um modo de produção bem primitivo: uma economia de base rural, um patamar há muito superado. Só a partir do mercantilismo se alcançou o estágio de desenvolvimento que a urbana Roma atingira. E a História passou a caminhar de novo para a frente.
Tanto o escravagismo quanto o capitalismo foram pujantes durante seus primórdios, para depois esgotarem sua contribuição e passarem a travar o desenvolvimento das forças produtivas. E atualmente é o capitalismo que cumpre esse papel de deter o progresso.
P. ex., se hoje o aparato produtivo se voltasse para o atendimento das necessidades sociais, ganharia um impulso formidável. Já pensaram em tudo que teríamos de fazer para compatibilizar nossas atividades econômicas com o meio-ambiente? No direcionamento das pesquisas médicas para a cura das moléstias e a descoberta de vacinas eficazes, em vez de investir-se prioritariamente em medicamentos que apenas prolongam a vida dos pacientes e amenizam seu sofrimento? No monumental esforço de educação em massa que teria de ser empreendido para que todos os cidadãos, sem exceção, se tornassem realmente civilizados?
Bem vistas as coisas, a história da humanidade foi até agora a história da luta contra a necessidade. Só no século 20 passaram a existir condições científicas e tecnológicas de se produzir o suficiente para garantir uma sobrevivência digna a cada habitante do planeta. A possibilidade de atingirmos um estágio superior de civilização atualmente, é enorme. O problema deixou de ser a escassez, mas sim a adoção de prioridades erradas.
Ultrapassamos a barreira da necessidade e estamos prontos para ingressarmos no reino da liberdade. Só falta direcionarmos o potencial produtivo para o que é realmente necessário e útil: habitação, alimentação, vestuário, saúde, cultura, esporte, lazer.
Os homens poderiam trabalhar muito menos, viver muito bem e desenvolverem plenamente suas potencialidades. É tudo questão de mudarmos o foco. Para que precisamos de bancos, afinal? Das várias burocracias? Da propaganda que exacerba o consumo?
Escravidão e feudalismo não surgiram por mandamentos divinos. Resultaram de circunstâncias históricas e foram descartados quando as circunstâncias mudaram. O capitalismo também pode ser substituído por uma organização diferente da vida econômica e social.
É ultrajante que ainda exista tanta gente passando fome, tantos desempregados e subempregados. E que presidentes se elejam à custa dos currais eleitorais do assistencialismo mais retrógrado. Quanta sordidez e quanto sofrimento inútil!"

 "E no entanto é preciso cantar / Mais que nunca é preciso cantar / 
É preciso cantar e alegrar a cidade /// A tristeza que a gente 
tem / Qualquer dia vai se acabar / Todos vão sorrir / Voltou  a 
esperança / É o povo que dança / Contente da vida, feliz a cantar"

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