terça-feira, 21 de setembro de 2010

PARA A NOMENKLATURA CUBANA, A CULPA É DOS TRABALHADORES

Logo que foi noticiado o plano cubano de demitir 500 mil funcionários do setor estatal, equivalentes a quase 10% dos trabalhadores do país, eu já lamentei a sorte dos coitadezas que não têm "sequer um sindicato que os defenda da guilhotina, digo, do enxugamento de quadros".

Exatamente uma semana depois, a enviada especial da Folha de S. Paulo a Havana bate na mesmíssima tecla, qualificando de "fenômeno original" o papel assumido pela entidade sindical, a Central dos Trabalhadores de Cuba, de anunciar e administrar o passaralho: "em vez de defender a manutenção dos empregos, é quem apresenta as propostas de cortes".

Pior ainda é a realidade que a retórica dos dirigentes nos permite vislumbrar:
"Não é possível manter três motoristas por equipe, pagando salários que não têm respaldo na produção" (Salvador Valdés Mesa, secretário-geral da CTC).

"[a reestruturação visa coibir] a baixa produtividade, as indisciplinas, as violações do estabelecido, o roubo, a falta de ética e atuações ilícitas por falta de exigência e rigor" (jornal Trabalhadores).
Para Valdés Mesa, a degola é necessária para a defesa da Revolução. "E, defendendo a Revolução, defendemos os trabalhadores."

Primeiramente, o óbvio: é repulsivo estarem apresentando medidas de ordem macroeconômica como se fossem tão somente um castigo para os trabalhadores relapsos.

Já não basta atirá-los na rua da amargura? Ainda têm de expô-los à execração dos demais, ao trombetearem que a culpa é deles mesmos?

O certo é que, por diversos motivos, dentre os quais o embargo estadunidense, o modelo cubano não estava funcionando e se decidiu admitir que os investimentos privados tenham maior peso na atividade econômica (hoje, sua participação está na casa de 5%).

Era isto que deveria ser exposto, honestamente, ao povo cubano. A verdade é revolucionária, lembram?

Mas, este poderia concluir que, afinal, os dirigentes não são infalíveis, errando como qualquer humano erra.

Então, para que não pairasse dúvida acerca da divindade da  nomenklatura, o jeito foi vilificar os demitidos, erigindo-os em bodes expiatórios.

Que cada companheiro decida de que lado está, quando se chocam os trabalhadores e o Estado que deveria a eles pertencer. Eu me alinharei sempre com os trabalhadores.

De resto, fica mais uma vez evidenciado que eles não estão encarando o trabalho como sua contribuição para a sociedade. Têm a mesma má vontade e os mesmos desígnios individualistas de quem está submetido ao capitalismo.

Para não alongar esta discussão, constatarei que, se isto ocorre após cinco décadas de Revolução, só podemos depreender que:
  • ou os trabalhadores querem mesmo é melhora material, consumismo, lixando-se para a libertação da sociedade como um todo -- o que implicaria a inexistência de esperança para a humanidade;
  • ou o que  pegou  foi só a tentativa de se construir o socialismo num país isolado e atrasado.
Fico com Marx: nosso objetivo não é a igualdade na penúria, mas sim a distribuição equânime das riquezas.

As que já são geradas e as que o seriam caso o labor dos homens priorizasse o socialmente útil, descartando o suntuário e o parasitário (cujo peso é cada vez maior, à medida que se aprofunda a degenerescência do capitalismo).

A mudança de foco -- da ganância e da busca do privilégio para a solidariedade e o bem comum -- ou se dará em escala mundial, puxada pelos países de economia mais avançada, ou vai abortar, gerando modelos híbridos como o soviético, o chinês e o cubano, que fracassam e acabam reintroduzindo o capitalismo.

Estou sendo herético?

Não, estou apenas resgatando o Marx original, que pouca gente leu.

3 comentários:

Anônimo disse...

Celso,
creio que ainda é um pouco cedo para sabermos o que está acontecendo em Cuba.. os dirigentes cubanos não são idiotas e sabem que sem o apoio maciço da população, alicerçado nas conquistas sociais garantidas pela revolução o regime não sobreviverá. Cuba não é a China ou o Vietnã que contam com uma superpopulação que pode servir de atrativo ao capital estrangeiro. Parece que Cuba estimulará pequenos negócios ajudando inclusive no financiamento dos mesmos. Ninguém ficará na rua da amargura já que as libretas garantem a alimentação inclusive de quem está desempregado. Além é claro da saúde gratuita e da moradia altamente subsidiada (10% da renda familiar apenas). Não estamos falando de uma reengenharia a lá Thatcher ou FHC mas em cerca de 10% da população. Entupir o país de barnabés nunca foi o objetivo dos classicos do marxismo. Se não houvesse o bloqueio ou fosse uma sociedade mais tecnológica o ideal seria a supressão das horas de trabalho, o que no contexto atual não é possível por lá. Concordo contigo, que talvez a ausência de sindicatos menos atrelados ao Estado seja uma necessidade a ser conquistada.

AF Sturt Silva disse...

Vc está igual aos picaretas da mídia,está generalizando tudo.Calma as coisas não é assim também...

São apenas primeiras impresões...

Vamos agurdar mais um pouco,mas também não estou otimista em relação a essas novas medidas.

celsolungaretti disse...

Uma velha musiquinha da época dos grandes festivais de MPB dizia: "A realidade é a verdade/ e é o que mais custa crer".

Hoje em dia, é raro encontrarmos um capitalista tão tacanho a ponto de acusar publicamente seus funcionários de "baixa produtividade", "indisciplinas", "violações do estabelecido", "roubo", "falta de ética" e "atuações ilícitas".

É de estarrecer que tais acusações sejam feitas em Cuba, onde os trabalhadores é que deveriam estar no poder (não essa nomenklatura arrogante!).

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