KAFKA EXPLICA

Não existe país que cultue tanto a justiça e cometa tão crassas injustiças quanto os EUA.

Dois de seus linchamentos legalizados marcaram tanto o século passado que até hoje indignam os homens civilizados:

• o de Sacco e Vanzetti, anarquistas italianos condenados à morte apenas para intimidar os trabalhadores conscientes, já que a acusação era sabida e gritantemente falsa; e
• o do Casal Rosenberg, comunistas de passeata e meros tarefeiros da espionagem soviética, que serviram como bodes expiatórios para aplacar o inconformismo estadunidense quando a URSS conseguiu produzir também a bomba atômica. [Quem é mais culpado, o cientista que entrega seus segredos ou o mensageiro que os apanha e passa adiante?]

A tragédia não se repete sequer como farsa, mas como chanchada de mafuá.

O Departamento de Justiça dos EUA acaba de apresentar grotesca denúncia contra um casal de velhinhos (75 e 67 anos), apenas porque eles pretenderam -- mas não conseguiram -- repassar supostos segredos atômicos à Venezuela.

Ambos haviam trabalhado na área de segurança do Laboratório de Los Alamos.

Antes que pudessem cometer real delito, caíram numa arapuca policial: agente do FBI, fingindo ser funcionário do governo venezuelano, colheu deles o plano que alegavam ter para o desenvolvimento de armas nucleares e gostariam de fazer chegar a Chávez.

Tendo em vista sua idade e qualificação profissional, é quase certo que não passasse de caduquice sem valor nenhum.

Mas, novamente, o que se quer é dar exemplo, para desestimular outros, mais aptos, que pudessem sentir-se tentados a proceder da mesma maneira.

Nem que, para tanto, estejam cometendo um crime inominável contra inofensivos anciães.

Frase memorável de um filme de Jean-Luc Godard: "Que vontade de vomitar, desde que me arrasto por aqui!".

Sendo  aqui, claro, os EUA.