domingo, 5 de setembro de 2010

DEPOIS DA CAÇA AOS VOTOS

Sobre o intervalo entre a eleição presidencial e a posse da mais do que provável eleita,  a comentarista política Eliane Cantanhêde citou algumas caçapas cantadas  em Brasília, na sua coluna deste domingo:
"Os caças Rafale esquentam as turbinas nos hangares franceses, Cesare Battisti arruma as malas para sair da cadeia e se instalar de vez no Brasil, e não será surpresa se Lula aproveitar o fim do seu governo para dar as más notícias (como o ajuste fiscal), deixando Dilma mais livre para dar as boas".
Os brasileiros dotados de espírito de justiça e ciosos da dignidade nacional esperam que o segundo prognóstico (também feito pela analista Dora Kramer, de O Estado de S. Paulo) se confirme.

De resto, achei no baú das velharias um artigo que escrevi logo após a eleição de 2006. Será que continua atual? Leiam e avaliem:
"O período pós-eleitoral costuma ser tedioso e previsível. O atual não foge à regra. De um lado, o anúncio dos aumentos de tarifas e preços que os governos federal, estaduais e municipais haviam represado para evitar danos a seus candidatos – o que, claro, é também uma forma de estelionato eleitoral. Mas, quem liga para isso no Brasil?

"De outro, a encarniçada disputa por cargos e posições nos ministérios, secretariados, órgãos públicos e empresas estatais. Alianças políticas são despudoradamente costuradas em termos do naco de poder que caberá a cada partido. Bandeiras, plataformas, propostas para recolocar o País na trilha do crescimento econômico? Isso era só oratória para caçar votos. Dá vontade de vomitar.

"As investigações de escândalos e punição dos culpados também perdem subitamente qualquer interesse. Corruptores e corruptos que conseguiram sobreviver até a ressaca das eleições, agora são efusivamente inocentados por seus pares. Bons cristãos, estes acreditam que só pode atirar a primeira pedra quem nunca pecou. E, como sabemos, certos Poderes no Brasil são como os botecos de malandros: basta alguém gritar 'Polícia!' para todos saírem correndo...

"Last but not least, a imprensa descobre insuspeitadas virtudes nos governantes que antes atacava. Quem vai empunhar a caneta que libera verbas por mais quatro anos merece todos os afagos. Assis Chateaubriand fez escola.

"(...)Um livro que saiu de moda mas continua bem atual é 'Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo', de Lênin [foto acima], um verdadeiro libelo contra o parasitismo do sistema financeiro e o papel dominante que ele passou a exercer na economia mundial.

"Vide, p. ex., este trecho: 'O capital financeiro, concentrado em muito poucas mãos e gozando do monopólio efetivo, obtém um lucro enorme, que aumenta sem cessar com a constituição de sociedades, emissão de valores, empréstimos do Estado, etc., consolidando a dominação da oligarquia financeira e impondo a toda a sociedade um tributo em proveito dos monopolistas'.

"O que são as taxas astronômicas de juros praticadas em nosso país, se não um tributo imposto a toda a sociedade brasileira em proveito dos monopolistas?

"Lênin também foi profético ao escrever em 1916 que 'o monopólio [do sistema financeiro], uma vez que foi constituído e controla milhares de milhões, penetra de maneira absolutamente inevitável em todos os aspectos da vida social, independentemente do regime político e de qualquer outra particularidade' [grifo meu].

"Pois não é que penetrou até na política econômica do PT, um partido que chegou ao poder com a promessa de dar um  basta!  à sangria do povo brasileiro por parte de banqueiros e rentistas?!

"Por essas e outras é que a retórica das campanhas eleitorais, parafraseando Shakespeare, cada vez mais soa para nós como histórias contadas por idiotas, cheias de som e fúria, mas que nada significam..."
O destaque dado aos bancos no artigo se deveu a um fato que estava no noticiário: haviam sido eles os principais financiadores da campanha de reeleição do Lula, após terem sido os principais beneficiados pela política econômica do primeiro governo do Lula.

Alguém duvida que isto se repita? E que a política econômica favorável ao grande capital e aos sanguessugas do sistema financeiro seja mantida por outros quatro anos?

É o principal motivo pelo qual continuo encarando a eleição de Dilma Rousseff apenas como mal menor. As aves de mau agouro e os demoníacos conseguiram tornar a alternativa tão pior e execrável (um verdadeiro programa de índio!) que, por mais críticos que sejamos, não nos sobra opção: temos de votar no continuísmo.

Mas, sem ilusões, sabendo que, por aí, só se chegará a um capitalismo um tantinho menos desumano.

Quem tem como meta a substituição do capitalismo por uma forma de organização da sociedade que concretize a liberdade, a justiça social e a coexistência harmoniosa com o meio ambiente, não poderá ficar de braços cruzados: vai ter de continuar lutando - e muito!

Em primeiro lugar, organizando-se como força autônoma, independente de quaisquer governos e respectivas boquinhas.

Depois, tratando de empurrar o Governo Federal para a frente, ao cobrar-lhe iniciativas que aprofundem as conquistas populares, ao invés de ficar apenas aplaudindo as medidas adotadas e justificando-as mesmo quando tímidas e insatisfatórias.

Revolucionários não são claques, nunca!

4 comentários:

Ricardo disse...

Todos nós de esquerda temos que ter na consciência que realmente Dilma é apenas um mal menor e que temos que voltar às ruas e à sociedade para continuarmos os debates em favor de uma mudança real. Sinto que ainda há muita ambigüidade nos movimentos sociais. Se por um lado sabem que tem muito a ser feito, por outro, alguns ainda ligados ao PT não decidiram como agir sem arranhar o governo. Nos anos FHC, estava no movimento estudantil e lembro que com todas as nossas divisões, sabíamos que havia um adversário em comum: o governo neoliberal. Para acabar com qualquer dúvida,de como agir hoje, devemos voltar ao próprio Marx. O adversário a ser batido não é FHC, Serra ou Lula e sim o próprio capital, pois todos aqueles que fazem uma leitura atenta de sua obra percebem que é o capital quem determina as ações do Estado e não o contrário. É tarefa de todo o militante de esquerda enxergar através da ilusão das eleções burguesas. PT e PSDB são dois aspectos do capital. PT é um mal menor? Sim. Mas também é um aliado do capital e não do trabalho.
O mais irônico é ver uma colunista da Folha citando Lênin depois de todo o posicionamento reacionário do jornal. Será que para a |Folha até mesmo Lênin vale para criticar o PT?

celsolungaretti disse...

Companheiro,

talvez eu não tenha sido claro. A citação da Cantanhêde é só o 2º parágrafo do artigo.

Quanto ao longo trecho sobre o imperialismo, é de um artigo meu, de novembro/2006, intitulado "Lênin e a ressaca eleitoral".

Abs.

Ricardo disse...

Desculpe a minha falta de atenção, Celso. Foi erro meu.
Abraço e firme na luta, companheiro!

Haroldo Mourão Cunha / RJ. disse...

La voce dell'Uomo
Sergio Endrigo - 1974 )

Ho sentito la voce del mare,
di uccelli e sirene,
le voci del bosco e del fiume,
tamburi e chitarre di Spagna,
le orchestre profane
e l’organo in chiesa.

Ho sentito la voce dell’uomo
anche quando è bugiarda
e tradisce il fratello.
La voce dell’uomo,
quando parla,
gli rispondo.

Ho sentito l’urlo di belve
in gabbia e in catena,
e il passero in cerca di pane,
il silenzio della prigione
e il grido degli ospedali.
Chi nasce e chi muore!

Ho sentito la voce dell’uomo
che canta per fame,
per rabbia ed amore.
La voce dell’uomo,
quando canta,
io l’ascolto.

Ho sentito fanfare di guerra
e passi in cadenza
per le strade imbandierate,
le canzoni dei soldati
di trionfo di dolore.
Chi vince e chi perde!

Ho sentito la voce dell’uomo
anche quando è violenta
e uccide il fratello.
La voce dell’uomo,
quando parlo,
mi risponde.

È più forte della tortura
e dell’ingiustizia,
delle fabbriche e dei tribunali,
più forte del mare e del tuono,
più forte del terrore,
più forte del male.

È più forte la voce dell’uomo,
più forte del vento,
della vita e del tempo.
La voce dell’uomo,
quando chiama,
gli rispondo.

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