quinta-feira, 10 de junho de 2010

A REGRA, AS EXCEÇÕES E A PRAGA DO SECTARISMO

A grande imprensa se torna cada vez mais uma indústria cultural nos moldes previstos e criticados pela Escola de Frankfurt: atua para reforçar os valores capitalistas e moldar cidadãos acríticos.

Isto não impede que, aqui e ali, subsistam jornalistas que ainda cumprem sua missão de disponibilizar a verdade aos leitores.

Mas, sendo a regra da mídia burguesa a desinformação, muitos dos que a combatem partiram mecanicamente para sua condenação em bloco, desprezando as exceções.

É a mentalidade futebolística transposta para a política: se um comentarista político ousa não incensar os idolos de certos companheiros, eles logo o remetem inapelavelmente para o inferno do PIG.

Parecem querer que a monumental engrenagem de comunicações montada pelo capitalismo se torne mesmo monolítica, sem sequer as mínimas brechas e respiradouros que sobraram.

Até que disponhamos de poder de fogo equivalente (e nossa atuação na internet ainda está muito longe disso), é mil vezes preferível estimularmos do que desacreditarmos essas poucas vozes dissonantes. Afinal, estão plantando sementes de dúvidas em públicos imensamente maiores do que aqueles por nós atingidos.

E respeitarmos o fato de que nem sempre concordarão conosco em tudo. Mesmo porque, se assim o fizessem, provavelmente já não teriam espaço nos veículos da grande imprensa, como nós não temos.

O colunista Clóvis Rossi é um exemplo do que estou falando. Já vi os sectários e simplistas lhe aplicarem adjetivações as mais grosseiras. No entanto, bem vistas as coisas, em 90% dos textos ele tem avaliações afins das nossas.

E é capaz de produzir algumas peças antológicas como a desta 5ª feira, A ditadura do dinheiro, que reproduzo na íntegra (os grifos são meus)
"Saiu em um blogue do 'Wall Street Journal' a melhor definição para o encontro do G20 no fim de semana na Coreia: 'Compromissos do G20, música para os ouvidos dos banqueiros'.

"De fato, os ministros da Fazenda e presidentes de Bancos Centrais do clubão das maiores economias refugaram de novo impor regras para o funcionamento do sistema financeiro. Para quem não se lembra, foram os excessos dos corsários a causa para a crise que ainda continua no mundo rico.

"O pretexto é o de que mexer com os bancos prejudicaria a reativação econômica, porque levaria a menor apetite para investir.

"Mas, contraditoriamente, o G20 aplaudiu as medidas que países europeus vêm adotando para reequilibrar as contas públicas, o que, fatalmente, afetará a recuperação. Corte de gastos e aumento de impostos sempre reduzem a atividade econômica, como é óbvio.

"A contradição maior, no entanto, se dá pelo fato de que, na hora da crise, os países do G20 soltaram dinheiro a rodo para o setor privado, a custo quase sempre zero, para evitar o colapso. Agora, o setor financeiro cobra a juros de usura o equilíbrio das contas públicas, desequilibradas para impedir que a banca quebrasse.

"Ninguém fala em taxar pesadamente os lucros fenomenais dos que causaram a crise: a JP Morgan, por exemplo, lucrou, no primeiro trimestre, R$ 9 milhões por hora, o que significa que um trabalhador brasileiro de salário mínimo levaria cerca de 1.500 anos para receber o que um grupo como esse ganha em uma hora.

Ah, nós, jornalistas, estamos coonestando pelo silêncio essa aberração. Como escreveu para 'El País' Enrique Gil Calvo, professor de sociologia da Universidade Complutense de Madri, a mídia trata como 'natural um processo tão desequilibrado e injusto, fazendo-o parece lógico e necessário' ."
O que mais poderíamos exigir de quem escreve no jornal da ditabranda?

4 comentários:

Roberto SP disse...

Parabéns, Celso, por destacar ao menos este pequeno oásis de lucidez na mídia, assim como Jânio de Freitas da mesma FSP.

São jornalistas de outras épocas que ainda encarnam o sentido maior que havia nesta profissão antes que os jornais e demais meios de comunicação se tornassem apenas apêndices de grandes grupos e interesses financeiros.

Por isso que sempre se lê contra o tal "déficit da providência" que ampara os pobres e trabalhadores, mas nunca contra a sangria de 1/3 da renda pública que vai direto ao bolso dos novos nobres que vivem de renda e juros.

Pelo contrário até justificam sempre o aumento das taxas sem nem explicar que isto é transferir renda direto para banqueiro e milionário.

E fizeram a coisa tão bem feita que a população a eterna classe média apóia e defende como justas as tais medidas que no fundo os prejudicam.

celsolungaretti disse...

Já trabalhei em jornalões, Roberto.

Então, fico me lembrando das matérias excelentes que às vezes entregava e dos cortes que às vezes eram feitos em função de posicionamentos políticos da empresa jornalística.

No dia seguinte, o que estava publicado era um texto desfigurado, eventualmente com a minha assinatura.

Então, leitores simplistas poderiam até me acusar de ser péssimo profissional, por ter "ignorado" este ou aquele aspecto... sem saberem que isso constava, sim, da notícia, mas havia sido cortado.

É por isso que eu prezo quem, como o Clóvis Rossi, escreve um artigo como o de hoje e consegue que ele seja publicado num jornal diametralmente contrário a tal posicionamento.

Merece nosso respeito.

Jorge Nogueira Rebolla disse...

É interessante quando alguém critica o que a esquerda chama de mídia dizendo que ela deseja criar uma legião de acríticos.
A maior horda acrítica existente hoje no Brasil, desconsiderando os brasileiros deixados à margem do sistema educacional, é formada por lulistas. Sempre leio comentários em blogs. Geralmente nos ditos progressistas.
Nassif, Azenha e Eduardo Guimarães são os que geralmente merecem a minha visita.
Quando ocorreu a tentativa de deposição de sir ney da presidência do senado, os lulistas esqueceram o mais de meio século em que ele, seu clã e asseclas saquearam o Maranhão, mantendo-o até hoje como o mais pobre estado da federação. Lembraram-se apenas da sua aliança com o atual governo. Defenderam-no de todas as maneiras.
Pior do que isto, para as pessoas que assumem o rótulo de libertário e progressista, o que não é o meu caso, é a defesa intransigente do regime iraniano e do seu presidente títere dos aiatolás. Naquele país o governo age como o que vocês chamariam de uma ditadura de extrema-direita. No entanto, aqui entre os adeptos da estrela vermelha o apoio ao ahmadinejad é incondicional.
Para mim que estou muito mais perto dos azuis, dos verdes, dos pretos e dos marrons e bem distante dos vermelhos, resta apenas rir da total falta de coerência e incapacidade de análise desta massa.
A herança do lulismo será a quase total devastação da razão entre os seus adeptos. Coisa muito pior que toda a "mídia" capitalista conseguiu desde o seu início. Transformar sir ney, collor, calheiros, etc. internamente e ahmadinejad, mugabe, kim, etc. externamente, em "companheiros" diletos e contar com a aprovação dos seus adeptos, do rosa esmaecido ao encarnado, para estas alianças totalmente contrárias ao que diz acreditar e defender é a prova suprema do efeito pernicioso do marxismo sobre a capacidade de raciocínio do indivíduo. Estão cupinizando o Brasil!

celsolungaretti disse...

A crítica a que me referi é no sentido mais amplo, de avaliar se os recursos materiais hoje existentes poderiam ser melhor empregados com uma organização econômica, social e política diferente da que está aí (priorizando, p. ex., o bem estar e a felicidade dos homens, ao invés do lucro e da ganância).

A indústria cultural circunscreve tudo ao que é, eliminando a dimensão do que poderia ser.

Foi exatamente essa visão que transcende o imediato, em busca do melhor, que impulsionou os grandes avanços da humanidade, em sua caminhada da barbárie para a civilização.

Isso faz enorme falta hoje: as utopias e a disposição de torná-las realidade.

E isto se deve à faina incessante da indústria cultural, no sentido de fechar todos os espaços para alternativas, convencendo os homens a sempre se resignarem ao mal menor, pois o bem maior seria inatingível.

Quanto às pessoas, forças e posições que o leitor crítica, não há identidade entre elas e este blogueiro.

Então, melhor fará indo contestá-las nos próprios espaços delas. As discussões aqui são outras.

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