sexta-feira, 21 de maio de 2010

VIDA ARTIFICIAL OU MORTE ARTIFICIAL?

Tão genial como cientista quanto
trapalhão na política, Einstein
foi o pai da bomba atômica.


Dos grandes jornais brasileiros, só dois manchetearam a nova façanha científica: Folha de S.Paulo ("Ciência cria primeira célula sintética") e O Globo ("Criada vida artificial").

Provocadora como sempre, a
Folha fez constar em sua capa uma afirmação para melindrar os leitores mais devotos:
"Os estudos, feitos por 15 anos, provam que a vida não precisa de força especial para existir".
O próprio líder da equipe de pesquisadores, Craig Venter, insinuou ter desalojado Deus:
"Essa é a primeira criatura do planeta, uma espécie que pode se replicar, cujo pai é um computador".
Talvez a melhor explicação do que realmente houve seja a do jornalista Marcelo Leite, da Folha:
"Embora Craig Venter tenha anunciado a primeira 'célula sintética', na realidade seu grupo não criou um organismo a partir do zero. Ele provou que é capaz de recriar e fazer funcionar um organismo ultrassimples apagando seu software biológico e enxertando outro muito parecido".
O certo é que o tal organismo ultrassimples, engendrado pela combinação do que já existia com o toque do dedo do homem (no teclado do computador), passa a replicar-se por si próprio.

É como um robô que conseguíssemos programar para multiplicar-se em outros robôs idênticos, indefinidamente.

E, claro, doravante o processo será estendido a organismos cada vez menos simples.

Venter imagina que já em 2011 tenhamos vacinas de gripe feitas de células sintéticas.

Prevê-se também a criação, entre outras aplicações, de bactérias programadas para resolver problemas ambientais e energéticos; p. ex., que produzam combustíveis ou que sequestrem gás carbônico do ar.

Mas, os cientistas costumam ser tão brilhantes em suas especialidades quanto ingênuos em relação a todo o resto. Einstein que o diga: convenceu Roosevelt a iniciar o projeto atômico, pensando que serviria apenas para conter Hitler.

Basta lermos o noticiário com atenção para cair a ficha. Abriram-se as mais vastas e inquietantes perspectivas para o desenvolvimento de armas biológicas, que tendem agora a tornar-se ainda mais devastadoras do que as nucleares.

De imediato, preocupa a possibilidade de que alguma dessas criações experimentais, inacabadas, escape do laboratório e passe a atuar livremente, quando então se conheceriam os efeitos nocivos não previstos.

Como até os trash movies podem antecipar a vida, seria algo próximo daquela aranha turbinada para crescer que foge do laboratório no filme Tarântula (1955, dirigido por Jack Arnold) e vai atingindo proporções descomunais -- com a diferença de que gigantesca seria a profusão de aranhas microscópicas em contínua replicação. Algo muito mais letal do que uma única criatura monstruosa.

A ficção foi atualizada pelo novelista Stephen King em A Dança da Morte (1978), sobre uma arma biológica que sai do controle e extermina quase toda a humanidade.

Falta, talvez, um livro e/ou filme sobre uma arma biológica que seja utilizada premeditadamente contra determinada população e acabe atingindo universo bem mais amplo.

Foi a hipótese fantasiosa que andou circulando sobre a aids: a de que teria sido criação de algum Dr. Silvana imperialista, para exterminar africanos.

De qualquer forma, temos mais é de pôr as barbas de molho: a energia nuclear também foi anunciada como solução energética, mas veio primeiro a utilização bélica e ela virou, isto sim, um enorme problema.

Tanto que a espécie humana esteve a um passo da extinção em 1962, quando da crise dos mísseis cubanos.


5 comentários:

Ralf R só-a-consciência-no-ato-salva! disse...

Não sejamos incompreensivos com o pobre Einstein, meu caro!... Consta que foi entre grandes angústias que ele decidiu enviar ao governo estadunidense o apelo pela construção da bomba atômica - e isso apenas porque estava seguro de que os alemães poderiam aparecer com ela a qualquer momento (por conhecer o estado em que havia deixado a ciência na Alemanha). E que, apesar dessa forte razão, nunca conseguiu se perdoar por tê-lo feito. A vida às vezes é de fato bem mais complexa que nossa capacidade de decidir...

celsolungaretti disse...

Ralf,

que eu saiba ele foi facilmente convencido pelo Szilárd e Fermi a interceder junto ao Roosevelt. Pediu que escrevessem uma carta para ele assinar e entregar.

A minha impressão é a de que você recebeu uma típica versão "doura-a-pílula".

Eu sou muito mais solidário aos coitados que morreram ou ficaram mutilados no Japão do que ao cientista inconsequente.

Pelo simples motivo de que, para mim, o papel dos cientistas é melhorar a nossa vida e não antecipar a nossa morte.

Não lhes cabe idealizar, propor ou contribuir para a fabricação de armas. Quem o faz, trai seu dever para com a humanidade.

Um abração!

Ralf R só-a-consciência-no-ato-salva! disse...

Também acho que não é a função do cientista construir armas, nem contribuir para isso.

Ainda assim, responsabilizar Einstein pela bomba é uma espécie de dourar pílula no negativo, é forçar a barra. É verdade que ele fez o apelo. Mas por outro lado, o conceito da bomba não teria sido possível sem os desenvolvimentos teóricos gerais realizados por Einstein na física décadas antes, não pensados para fins bélicos, e aos quais devemos nao só a bomba mas praticamente toda cosmologia, física e tecnologias de hoje. O computador e a internet não estariam aqui sem os mesmos conceitos que foram aplicados por outros, não por Einstein, também na feitura da bomba. Não houve nenhuma construção científica dele nova e específica para a bomba, não.

E definitivamente não é justo tratar Einstein como um homem raso. A vida interior é complexa. A decisão entre certo e errado, e muitas vezes entre errado e um pouco menos errado como única opção, está longe de ser óbvia. Você mesmo teve um momento em que considerou legítimo pegar em armas - que alguém obviamente tinha que idealizar e fabricar - e naquele momento você julgava estar tomando a opção mais correta e nobre pela humanidade. E sabe também muito bem, pelo lado interno do drama, que todo julgamento emitido com facilidade por aí tem toda chance de estar errado, ou no mínimo de não fazer jus à complexidade da realidade...

Costumo sentir uma consonância natural não com todas, mas com a maior parte das suas posições... mas aqui não tem jeito: meu sensor não desiste de atribuir a essa questão mais complexidade, sutileza e drama do que estou vendo você atribuir.

Grande abraço mesmo assim!

celsolungaretti disse...

Companheiro,

o que eu coloquei é, a meu ver, irrefutável: cientistas são ingênuos na política, como o caso do Einstein prova.

Ele, mais do que ninguém, sabia o que uma bomba atômica significava em termos de potencial destrutivo.

Mesmo assim, considerou que políticos eram confiáveis para deter tal poder. Pessoas muito menos inteligentes do que ele facilmente deduziriam que era a última coisa sensata a se fazer.

O resultado foram dois genocídios horrorosos.

Sua única atenuante? A de não ter perspicácia nenhuma em relação às coisas mundanas.

Exatamente como eu disse.

Desculpe-me, mas sempre tive mais apreço pelos cidadãos comuns que são vitimas dessas bestialidades do que por grandes homens.

Os que morreram na explosão, pelo menos, não tiveram nem tempo de perceber o que acontecia.

Mas os que foram apodrecendo em vida por causa da radiação sofreram como cães. Ninguém merece isso. E eu nunca desculparei quem concorreu para isso.

Um abração!

Ralf R só-a-consciência-no-ato-salva! disse...

Me permita uma última intervenção, depois da qual calo o bico independente do que você responder, se responder - o que não significa que não levarei em consideração, apenas me coloco como princípio não ultrapassar as duas réplicas, pois isso deveria ser sempre suficiente para expor uma posição; mais já costuma ser tentativa de impor .

Antes de mais nada, não existe escolha entre 'ter compreensão por Einstein' e 'ter compaixão e respeito pela vítimas da bomba'. A apresentação de fatos não-dicotômicos como dicotomias é na verdade um dos procedimentos típicos da ideologia, no sentido negativo que é o único que Marx dá a essa palavra. Quem aprendeu a pensar dialeticamente - seja com Marx, Hegel, Lupasco, Goethe, Lao-Tse ou todos eles - não deveria cair na armadilha da dicotomização artificial.

Como fato, uma vez exposta a Teoria da Relatividade - uma teoria tão pouco direcionada à produção de armas quanto são o cálculo integtral ou a matemática inteira, que também são indispensáveis à produção da bomba - a participação ou não de Einstein faria e fez diferença zero na construção da bomba, tanto que os russos a construíram de modo independente. Pra quem está a procura de instrumentos de morte, a teoria deixa ver uma possibilidade. Mas responsabilizar Einstein pelas mortes de Hiroshima e Nagasaki é o mesmo que responsabilizar todos os matemáticos da história por isso.

Mais: equivale a responsabilizar o primeiro humano que atinou com a fundição do ferro por todas as mortes a espada e por desastre de automóvel que aconteceram desde então.

E se é verdade que a ingenuidade ou leviandade em questões de política é um mal freqüente entre cientistas, a freqüente ingenuidade ou leviandade dos ativistas políticos em questões de ciências e epistemologia também é um problema!

Abraços pluralmente radicais & radicalmente plurais,
Zé Ralf

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