sexta-feira, 4 de setembro de 2009

O CASO FALCO

Uma forte infecção me jogou na cama. Estou poupando as forças para me recuperar a tempo de comparecer à apreciação do Caso Battisti no STF, conforme pretendo e faço questão.

Recebi e repassei para toda minha rede de amigos virtuais uma exaustiva análise do Caso Battisti sob a ótica da defesa dos direitos humanos e das entidades internacionais que cuidam de sua proteção.

O autor, Carlos Alberto Lungarzo, é professor aposentado da Unicamp e membro da Anista Internacional dos EUA.

Aproveito para reproduzir um trecho interessantíssimo, sobre o caso mais semelhante ao de Cesare Battisti que o Supremo Tribunal Federal já apreciou. Recomendo a leitura.

O CASO FALCO

Em fevereiro de 1989, o jovem argentino Fernando Carlos Falco, membro do movimento de esquerda não violenta, denominado Todos pela Pátria, fugiu ao Brasil depois de ter caído numa cilada montada pelo Exército Argentino no quartel de um poderoso regimento localizado na cidade de La Tablada, perto de Buenos Aires.

O objetivo era atrair os membros do movimento, com o boato de que em esse quartel se gestava um golpe de estado, sabendo que os jovens, que estavam engajados em ações muito decididas em defesa da democracia, se dirigiam ao local para evitar a revolta militar. Depois de que o grupos de jovens chegou ao quartel, os militares abriram as portas, e receberam os ativistas com fogo de armas pesadas, granadas e bombas incendiárias, matando várias dúzias.

Uns 40 militantes foram torturados e mortos, outros foram capturados, mas Falco e uns poucos colegas conseguiram escapar. No Brasil, o jovem foi seqüestrado por um comando conjunto das polícias federais argentina e brasileira, mas a PF brasileira o entregou à Justiça.

Naquele momento, o governo democrático argentino (presidido por Raúl Alfonsín, tido na América Latina como um dos líderes da democracia do continente) tentou mantê-lo seqüestrado, mas não conseguiu e apresentou um pedido de extradição ao governo brasileiro.

Por razões que desconheço, seu caso não mereceu muita difusão, apesar de ser o mais parecido ao de Battisti. Ele foi julgado pelo tribunal pleno no dia 04/10/1989.

A seguinte é uma transcrição do acórdão do STF. Todos os trechos em destaque foram grifados por mim mesmo, e mostram a tendência do Tribunal que caracteriza sua visão dos crimes políticos como diferentes do terrorismo.
1. Pedido de extradição: dele se conhece, embora formulado por carta rogatória de autoridade judicial, se as circunstancias do caso evidenciam que o assumiu o governo do estado estrangeiro.
2. ASSOCIAÇÃO ILÍCITA QUALIFICADA e a REBELIÃO AGRAVADA, como definidas no vigente código penal argentino, são crimes políticos puros.
3. (a) - Fatos enquadráveis na lei penal comum e atribuídos aos rebeldes :
Roubo de veículo utilizado na invasão do quartel, e privações de liberdade, lesões corporais, homicídios e danos materiais, perpetrados em combate aberto, no contexto da rebelião, são absorvidos, no direito brasileiro, pelo atentado violento ao regime, tipo qualificado pela ocorrência de lesões graves e de mortes (...)
(b) - A imputação de dolo eventual quanto às mortes e lesões graves não afasta necessariamente a unidade do crime por ela qualificado.
4. Ditos fatos, por outro lado, ainda quando considerados crimes diversos, estariam contaminados pela natureza política do fato principal conexo, a rebelião armada, à qual se vincularam indissoluvelmente, de modo a constituírem delitos políticos relativos.
[O último parágrafo é uma peça jurídica de importância histórica, onde, pela primeira vez, um tribunal latino-americano separa violência política de terrorismo.]
5 - Não constitui terrorismo o ataque frontal a um estabelecimento militar, sem utilização de armas de perigo comum nem criação de riscos generalizados para a população civil.
O STF indeferiu o pedido de extradição argentino e garantiu a Falco a permanência no país. Ele ficou na condição de asilado/refugiado, o qual é mais uma prova de que ambos os conceitos não são fáceis de separar como pretendem alguns magistrados.

O asilo foi concedido pelo governo, que lhe forneceu documentos e estadia legal no país, e em condição de refugiado recebeu ajuda econômica do ACNUR durante os primeiros meses. Viveu normalmente no Brasil, onde formou uma família, até 2004, quando o novo governo argentino revogou as ordens de perseguição contra ele, e o convidou a voltar.

Deve observar-se que Falco e alguns de seus companheiros foram perseguidos e ameaçados pelo governo argentino, não durante a ditadura, mas durante o governo posterior a ela (1983-1989), que era considerado um modelo de democracia latino-americana. Este é pelo menos um dos numerosos contra-exemplos possíveis contra a ridícula falácia de que “nos governos democráticos não existem abusos judiciais”.

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