sábado, 15 de agosto de 2009

INSTITUIÇÕES EM FRANGALHOS

"Congresso Nacional, se gradear vira zoológico, se murar vira presídio, se cobrir com lona vira circo, se botar lanterna vermelha vira puteiro e se der a descarga não sobra ninguém".

A frase está na seção deste sábado do humorista José Simão, na Folha de S. Paulo.

Cautelosamente, ele a colocou entre aspas, antecedida de um "E olha a revolta das pessoas", dois pontos.

Pouco importa se a ouviu ou a criou. Num país sério, ela lhe acarretaria sérios problemas. Aqui, os parlamentares tornaram tão deplorável a imagem do Legislativo que qualquer punição seria descabida.

É o que o colunista Fernando Rodrigues explicou admiravelmente na mesma edição da Folha:
Embora o foco agora seja o Senado, não custa lembrar das estripulias na Câmara. Lá, já está tudo abafado. Usou-se até parecer jurídico pago com dinheiro público na absolvição do deputado que levou a namorada ao exterior.

Essa impunidade generalizada parece ter conexão com o momento pelo qual passa o país. A economia não foi para o buraco. Milhões de brasileiros recebem o Bolsa Família. A sensação de bem-estar produzida leva os cidadãos a pensar mais no próximo crediário nas Casas Bahia e menos em protestar contra a canalhice na política.

Num país miserável, não é surpresa a barriga vir na frente da ética e da moral quando se trata de escolher entre ganhar a vida e preocupar-se com políticos indecentes.
Faltou dizer que os políticos só se avacalharam dessa forma por se terem tornado supérfluos e decorativos.

Na verdade, os três Poderes da República foram esvaziados. No lugar deles, manda e desmanda o poder econômico.

No que realmente importa, o grande capital tem a seu serviço o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Para que o povo não perceba a nudez do rei, deixa-lhes alguma autonomia para decidirem o secundário e o irrelevante.

Então, não há motivo para espanto quando o Congresso é comparado a zoológico, presídio, circo, puteiro ou latrina.

Pior ainda é a situação da imprensa, antes referida como o quarto poder. Virou mera caixa de ressonância dos interesses burgueses.

Já deixou até de exigir qualificação dos seus profissionais. Qualquer cozinheiro hoje equivale a um jornalista, conforme a frase inesquecível de Gilmar Mendes (nós sempre a teremos em mente quando estivermos escrevendo sobre ele!).

Daí minha tese de que o sistema não tem mais salvação.

Quem busca poder dentro do stablishment para depois tentar voltá-lo contra ele (como, de maneiras diferentes, fizeram Lula e Chávez), ou é cooptado ou acaba enveredando pelo autoritarismo.

É claro que dará muito mais trabalho se nos propusermos a obter consenso na sociedade, fora do sistema e contra o sistema, para a realização das mudanças que se fazem cada dia mais necessárias -- e talvez sejam a única tábua de salvação face às ameaças que a ganância capitalista coloca para a própria sobrevivência da humanidade, começando pelas alterações climáticas.

Mas, se o caminho é longo, temos de começar a trilhá-lo o quanto antes, ao invés de desperdiçarmos nosso tempo insistindo em práticas cuja validade expirou no século passado, como o caudilhismo.

7 comentários:

Caetano disse...

Celso, você está confundido o Estado com o "stabilishment", ou que seja o Estado com "sistema" no sentido de "sistema de domínio do poder econômico sobre todo o resto".
Estamos em um Esado Democrático de Direito. Toda mudança necessária para a construção de uma Sociedade mais humana, justa, solidária e menos desigual se dará pelo Poder Público, portanto pelo Estado. Aliás, a formalização dessas metas está na Constituição Federal, a Lei Máxima de nosso Estado. Não adianta querer desmontar o Estado com o intuito de implantar um "sistema sem sistema", anarquista ou o que for.
Chávez não é nenhum salvador da América Latina. Ele erra, talvez erre bastante. Mas é muito infantil condena-lo por exercer autoridade, principalmente sendo essa autoridade dentro do Estado de Direito. Aliás, como esquerdista eu digo que o que há de mais chato na maioria dos esquerdistas é esse problema com autoridade, essa confusão entre autoridade e autoritarismo. O Nihilismo esquerdista, essa vontade de desmontar tudo, de apagar todas as bases do tal "sistema" porque não há mais salvação é idêntico ao nihilismo da neo-direita midiática dos jovens "conectados", ou seja, os papagaios de Marcelo Tas. "Não reeleja ninguém", "política é bandidagem pura", eles dizem se achando o máximo por esse dadaísmo ideológico de quinta, sempre se esquecendo de que não há nada de errado na política. O que há de errado são os políticos e a mídia para a qual os midiáticos do século XXI trabalha. Igualmente, a vontade de apagar a figura do SISTEMA (ô palavrinha que dói no coração da esquerda) e a negação do Estado em detrimento de um outro modelo de sociedade, ou seja lá o que for, é conveniente aos interesses dos grandes grupos economicamente poderosos, pois a falta de "sistema" é justamente a maior aspiração dos conglomerados "neobananeiros".
A imposição, pela autoridade estatal, das ferramentas estatais de distribuição de riquezas e de garantia das liberdades individuais e dos Direitos Humanos é o grande meio de se construir a sociedade idealizada na própria base do nosso Estado, ou seja, na Constituição Federal, principalmente nos seis primeiros artigos. Em um país como o Brasil, grande, rico, mas de uma herança colonial e sectária, a autoridade do atual Estado, que nasceu em Outubro de 1988 (deixo bem claro que o Estado anterior a esse era terrorista e ilegítimo), é a parte legítima para contrariar o poder dos latifundiários de vários ramos - mídia, agricultura, indústria, etc.

Unknown disse...

Curioso, Celso, um cara como você, que lutou contra a ditadura, citar como exemplar essa tentativa risível do Fernando Rodrigues de colocar a culpa pelo descalabro no Congresso no governo Lula.

Pois você, como poucos, sabe que o descalabro no Congresso sempre existiu, e que a única diferença do atual momento é que, por interesses políticos, ele está vindo à tona como, com o perdão do bordão, nunca antes neste país.

Outra diferença é que antes a situação do povo estava muito pior do que está agora - e não me refiro apenas às consequências do Bolsa-Família, embora estas não possam ser descartadas assim, sem mais nem menos,como os colunistas da Folha roteineiramente o fazem. Mas à cultura, educação, acesso à informação, etc..

QUe você faça restrições ao reformismo "por cima" de Lula é uma posição que eu compreendo e respeito. Agora, por conta dessa posição, corroborar essa tentativa infame de culpabilizar o atual governo por conta de uma situação estrutural, é algo que eu sinceramente não esperava ler em seu blog.

celsolungaretti disse...

Caetano,

continuo fiel à visão inicial de Marx sobre o Estado, que era quase igual a dos anarquistas: o Estado teria de ser suprimido junto com o capitalismo, com a "administração das pessoas" cedendo à "administração das coisas".

Essa visão foi retomada pelos neo-anarquistas de 1968, o último grande avanço da teoria revolucionária em nossa época. O sistema, ou stablishment, é apenas outro nome para o Estado burguês ("democrático de Direito", uma ova!
É muito mais oligárquico de direita...).

E é desse marco que, no meu entender, começará a nova maré revolucionária.

Quanto ao autoritarismo, condena-nos a só ser aceitos em países periféricos, ao contrário do que Marx acertadamente colocava: os países mais prósperos são aqueles que regem os destinos da humanidade. São esses que precisamos conquistar. E, nesses, os métodos caudilhescos de Chávez são recebidos com absoluto desprezo.

Abs.

celsolungaretti disse...

Maurício,

é exatamente por ter lutado contra a ditadura que repudio a colocação de um partido dito de esquerda a reboque dos interesses do grande capital.

A lição do governo Lula é de que um revolucionário não consegue mudar a sociedade por dentro da estrutura de poder burguês. Pelo contrário, acaba sendo mudado por ele.

Ou, em português claro, aburguesa-se, é cooptado.

O PT, infelizmente, repetiu a trajetória do PTB getulista, do PMDB e do PSDB: começou na esquerda e "endireitou" dia a dia. Já está no centro, enquanto o PSDB chegou à centro-direita e o PTB e o PMDB, à lata de lixo.

Abs.

Anônimo disse...

Celso,

Tendo a concordar com o Caetano e o Maurício.

Aliás, sua colocação sobre quem 'rege o destino da humanidade' me soa bastante problemática, como um complexo de inferioridade, de 'vira-lata'. Sem contar a aceitação de tipos como Berlusconi na 'próspera' Europa como contra-exemplo.

Um abraço,

Luis Henrique

Anônimo disse...

Um adendo, Celso:

Quanto ao Estado 'democrático de Direito' ser na verdade 'plutocrático da direita, concordo inteiramente contigo.

Mas o niilismo à la Marcelo Tas é de fato perigoso, disso ao neo-fascismo é um passo. Você mesmo disse anteriormente, o combate à corrupção é bandeira da direita.

Um abraço,

Luis Henrique

celsolungaretti disse...

Marcelo Tas? Quem é?

Quanto à colocação do Marx, era de que os países que mais desenvolveram suas forças produtivas acabam por sempre liderar os retardatários.

Então, p. ex., os EUA derrotaram a URSS ao darem um novo salto cientifico-tecnológico, com a informática, a biotecnologia, novos materiais, novos processos, etc., na década de 1980.

Até então, a União Soviética ainda conseguia equilibrar um pouco a correlação de poder mundial. A nova arrrancada dos EUA fez a diferença.

Desde as jornadas do final dos anos 60 e início dos 70, não temos mais uma proposta revolucionária atrativa para os países-líderes da economia mundial.

Pelo contrário, deixamos que a revolução ficasse identificada com o autoritarismo e o atraso, facilitando o serviço para os propagandistas do sistema.

Temos de virar esse jogo. Por enquanto, estamos perdendo de goleada.

Abs.

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