segunda-feira, 31 de agosto de 2009

BOMBA! SEGUNDO EX-DIRETOR DO DOPS, O CABO ANSELMO JÁ ERA AGENTE DUPLO EM 64

Mal o cabo Anselmo acabava de finalmente mostrar a cara num longo Canal Livre da rede Bandeirantes, o bumerangue a atingiu em cheio: a Folha de S. Paulo divulga na edição desta segunda-feira (31) que Cecil Borer, diretor do Dops carioca à época da quartelada de 1964, revelou que o tinha então a seu serviço.

O jornal afirma dispor da gravação de tal entrevista, na qual Borer (1913-2003) relata a colaboração de Anselmo não apenas com o Deops, mas também com o Cenimar e a CIA.

Conforme venho esclarecendo desde que foi noticiada a pretensão de José Anselmo dos Santos a uma reparação federal (ver aqui, aqui e aqui), as regras da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça a obrigam a concordar com o pedido se ficar estabelecido que o ex-marinheiro (o apelido de cabo era equivocado) foi mesmo um militante de esquerda até 1971 e só trocou de lado em tal ano, passando a facilitar a prisão e/ou morte dos companheiros.

A única situação em que a Comissão de Anistia pode recusar o pedido de Anselmo, eu sempre disse, é a de que Anselmo já fosse agente duplo em 1964. Havia vários indícios neste sentido, mas nenhuma prova cabal.

A entrevista da Folha pode ser a evidência sonhada pelos que tentam evitar a concessão, a um auxiliar dos carrascos, de um benefício criado para suas vítimas.

A gravação, mais os inúmeros episódios flagrantemente suspeitos da vida de Anselmo, já serão suficientes para provocar muita discussão quando o colegiado for apreciar este processo. A decisão, em tais circunstâncias, seria impossível de se prever.

E se aparecer mais um - um só! - elemento de prova com o mesmo peso das palavras do ex-diretor do Dops, arrisco o prognóstico de que o pedido de Anselmo será unanimemente recusado.

Talvez seja a isto que o ministro da Justiça Tarso Genro estivesse aludindo há algumas semanas, quando aventou a possibilidade de que Anselmo já atuasse como "agente infiltrado dos golpistas" em 1964. Afinal, deu uma declaração enfática demais para quem não tivesse curinga na manga:
"Não cabe a aplicação da Lei da Anistia a pessoas que deliberadamente atuaram como agente do Estado, seja para desestabilizar um regime legal, como era o governo João Goulart, seja depois, numa estrutura paralela".
Então, é bom o Anselmo ir desde já considerando a hipótese de seguir o conselho que Genro então lhe endereçou, de entrar com ação ordinária contra a União, requerendo indenização por haver atuado na repressão política sem reconhecimento do Estado "pela prestação desse regime".

Pois, no próprio ato de recusar-lhe a reparação, a Comissão de Anistia estará reconhecendo sua condição de agente dos serviços de informação do Estado durante décadas. Nada mais justo do que ele ser indenizado por todos esses anos em que trabalhou sem registro em carteira. E sua profissão correta poderá até constar da nova documentação que requereu...

ANTES ELOGIAVA FLEURY. AGORA
DIZ QUE ELE O AMEAÇOU DE MORTE

De resto, a minha impressão é de que sua aparição na TV deve ter causado ao telespectador comum o mesmo asco que provocou em nós, conhecedores dos fatos esmiuçados no Canal Livre de 30/08/2009.

Tentando conciliar as mentiras atuais com as que contou aos jornalistas-escritores Octávio Ribeiro (Pena Branca) em 1984 e a Percival de Souza em 1999, Anselmo enredou-se em inúmeras contradições e não foi crível ao afirmar que a repressão lhe prometera poupar Soledad Barret Viedma, a militante uruguaia cuja morte propiciou a despeito de estar gerando uma criança dele.

Anselmo anteriormente afirmou ter apenas apelado à repressão para que a poupasse. Ao contar o conto de novo, aumentou um ponto. Só que a cascata pegou mal, já que as bestas-feras da ditadura não eram dadas a fazer promessas desse tipo. Então, ele perdeu outro tanto de credibilidade, se é que ainda tinha alguma.

Foi penoso acompanharmos as fanfarronices e as justificativas tortuosas de Anselmo ao longo de aproximadamente hora e meia de programa.

De um lado, repetiu os mais surrados clichês da propaganda anticomunista. E soaram extremamente inverossímeis suas declarações de que traiu os movimentos de resistência para evitar uma guerra civil, embora noutros momentos admitisse o despreparo e a inferioridade de força dos grupos guerrilheiros face à ditadura.

De outro, tentou angariar alguma simpatia para sua cruzada atual ao falar sobre torturas e coações que teria sofrido. Só que levou um xeque-mate quando disse ter sido ameaçado de morte pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury e lhe foram atirados na cara os elogios rasgados que fez outrora ao sinistro personagem.

ANSELMO FOI PRESO POR ENGANO
EM 64. DEPOIS, ENCENARAM SUA FUGA

Quanto á notícia da Folha, Ação de Anselmo é pré-64, diz policial (assinantes do jornal ou do UOL podem acessar aqui), causa estranheza a entrevista do ex-diretor do Dops só estar sendo divulgada hoje, oito anos depois de concedida e seis anos depois da morte de quem a concedeu. A grande imprensa tem razões que a própria razão desconhece.

Eis os principais trechos:

"Diretor do Dops carioca à época do golpe de Estado de 1964, o policial Cecil Borer (1913-2003) afirmou dois anos antes de morrer que o marinheiro de primeira classe José Anselmo dos Santos, mais célebre agente duplo a serviço da ditadura militar, já era informante da Marinha e da polícia política antes da deposição do presidente João Goulart.

"As entrevistas de Borer ao repórter da Folha foram concedidas em 2001 na apuração para um livro e uma reportagem. Ele autorizou a gravação.

"O policial, denunciado como torturador de presos durante três décadas, teve atuação destacada nas prisões após o golpe de 1964. Aposentou-se em 65.

"Ao ser entrevistado pela Folha, ele tinha 87 anos. Narrou 'pressões' físicas contra presos, negou a condição de torturador e falou de agentes infiltrados na esquerda.

"No começo de 1964, Anselmo presidia a AMFNB (Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil). Borer contou que ele já era informante do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) da Guanabara, do Cenimar (Centro de Informações da Marinha) e dos "americanos" - a CIA (Agência Central de Inteligência).

"Foi categórico: '[Antes de abril de 1964, Anselmo] trabalhava, trabalhava'. Para quem? 'Para todo mundo.' Detalhou: 'Ele trabalhava para a Marinha, ele trabalhava para mim, trabalhava para americano'. Não esclareceu a data em que o militar teria aderido.

"Conforme Borer, Anselmo não foi um infiltrado escalado para se misturar aos marinheiros. O ex-diretor disse que ele foi recrutado pelo Cenimar quando já atuava na associação.

"O policial afirmou que as informações transmitidas por Anselmo eram compartilhadas por Cenimar e Dops com classificação 'A', exclusiva de fonte de alta confiança. Os organismos tratavam-no por nome em código. 'Não havia segredo entre Dops e Marinha. (...) Esse trabalho, essa informação veio do Anselmo, então é classe A'.

"Dias após a queda de Goulart, Anselmo se asilou na Embaixada do México no Rio. Em pouco tempo abandonou o local e se abrigou em um apartamento na zona sul. No dia seguinte, foi detido e levado para o Dops.

"Ele disse que o esconderijo foi identificado por agentes seus infiltrados entre exilados no Uruguai. Informaram o endereço a um policial que ignorava a dupla militância de Anselmo, que acabou preso.

"Sua condição de informante, diz Borer, era de conhecimento restrito, mesmo no Dops e no Cenimar: 'Então Anselmo veio, tá preso, você não vai soltar, que não vai queimar'.

"Anselmo retomou a liberdade somente em 1966, quando Borer já estava aposentado, ao ir embora de uma delegacia no bairro do Alto da Boa Vista onde estava preso. Lá, ele circulava quase sem restrições.

"A fuga foi uma farsa, disse Borer. O objetivo do que descreve como encenação de colegas seus foi infiltrar o agente na esquerda clandestina. Anselmo foi para o Uruguai, onde entrou no MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário), grupo dirigido por Leonel Brizola.

"A seguir, treinou guerrilha em Cuba. De volta ao Brasil, aderiu à VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), organização armada depois dizimada por suas delações.

"Em entrevista ao repórter Octávio Ribeiro, em 1984, Anselmo disse que se entregou por iniciativa própria ao Deops por volta de 1971 e nunca foi torturado. Em 1999, assegurou ao repórter Percival de Souza que foi surpreendido e preso pelo Deops e que o torturaram antes da mudança de lado."

domingo, 30 de agosto de 2009

VERDE QUE TE QUIERO VERDE

Marina Silva ingressa hoje no Partido Verde, em ato que é o ponto de partida de sua campanha presidencial.

O sempre maquiavélico Zé Dirceu lhe prestou as maiores homenagens, colocando, entretanto, sob total suspeição o PV, por ele acusado de aliar-se a forças conservadoras e reacionárias, conforme as conveniências eleitorais em cada Estado e município.

Ou seja, mirou um possível calcanhar-de-aquiles de Marina, pois sabia que um ataque frontal a ela dificilmente surtiria efeito.

Evitou atrair antipatias e plantou uma dúvida na cabeça dos admiradores de Marina. Brilhante, na sua forma de fazer política (que não é e nunca será a minha...).

Mantenho-me fora do tiroteio da política oficial, pois não a considero capaz de abrir caminho para nossa revolução. Só serve para manter o status quo, então só interessa para os que têm objetivos a atingir dentro do status quo. Eu não tenho nenhum.

À Praça dos Três Poderes prefiro aquela outra praça que é do povo, como o céu é do condor, imortalizada por Castro Alves.

Também não possuo informações suficientes para fazer uma avaliação mais consistente sobre o partido.

No entanto, vale a pena contar o motivo da minha saída do PV. Pode servir como um subsídio a mais para as análises que estarão sendo feitas a partir do fato político de hoje.

Quando estava prestes a encerrar-se o prazo para eleitores filiarem-se a partidos, visando adquirirem condições legais para serem candidatos nas eleições de 2006, Jorge Marum, meu amigo e companheiro de lutas em defesa dos direitos humanos, aconselhou-me a entrar no PV, para alguma eventualidade.

Eu não cogitava candidatura nenhuma pra valer, mas até toparia ser anticandidato (ou seja, entrar na disputa apenas para defender idéias, sem nenhuma ilusão quanto a chance de vitória).

Sempre estou atrás de tribunas, de brechas para furar o bloqueio da imprensa burguesa. Mas, a última coisa do mundo que desejo é um mandato.

Aceitei o conselho do Jorge... e esqueci do PV. Não participei de quaisquer iniciativas do partido. E acabei tomando a sábia decisão de me manter a anos-luz de distância das eleições de 2006.

No entanto, postava meus artigos na comunidade do PV no Orkut. E um deles provocou polêmica: aquele enorme em que eu faço um balanço do golpe de 1964 e do período ditatorial. Costumo divulgá-lo, com pequenas mudanças e atualizações, às vésperas de cada aniversário do malfadado 1º de abril.

Naquele março/2007, entretanto, uma fundadora e dirigente do PV em São Paulo, Rose Losacco, implicou com a defesa que fiz do direito de resistência à tirania. Disse que os antigos guerrilheiros estavam todos fazendo autocrítica. Dei-lhe a resposta cabível:
"Eu participei da luta armada e considero nossa opção plenamente justificada nas circunstâncias da época, já que o fechamento de todos os caminhos da luta política, a partir do AI-5, só nos deixava a alternativa de desistirmos da resistência à ditadura ou pegarmos em armas".
Ela contrapôs:
"...isso abre precedente prá que numa situação crítica, novamente o fim justifique os meios. A menos que eu esteja completamente equivocada, o PV defende o pacifismo. (...) Penso que, quando vc se filiou ao PV, deve ter lido o programa e os 12 valores do PV".
Fez questão de colar no post o valor referente ao pacifismo: "O desarmamento planetário e local, a busca da paz e o compromisso com a não violência e a defesa da vida".

Respondi que não, não lera. Mas, tendo ela colocado as coisas nesses termos, só me restava sair tanto do PV quanto da comunidade do partido no Orkut. Foi o que fiz, imediatamente.

Mesmo porque, naquela fase, um partido não me faria tanta falta quanto minha principal linha de argumentação nos frequentes arranca-rabos virtuais com a extrema-direita.

E, francamente, Gandhi só obteve êxito porque enfrentava o relativamente civilizado Império Britânico, que cometia lá suas violências mas relutava em assassinar um adversário de tal estatura moral. Duvido que as bestas-feras da ditadura brasileira fossem tolhidas por tais escrúpulos.

Estou até hoje sem partido, mas com convicções. E mantendo-me intransigentemente fiel a elas.

sábado, 29 de agosto de 2009

O RESCALDO DO APAGÃO JUDICIÁRIO

"O relator deste caso é -- logo quem! -- Gilmar Mendes (...). Se precedentes significam algo, vem aí uma decisão tão aberrante quanto a tomada no julgamento do diploma de jornalista, que teve Mendes como relator. Os rumores em Brasília são de que, utilizando filigranas jurídicas, o STF absolverá Palocci." (prognóstico certeiro deste blogue, três dias antes da decisão aberrante)

"Se você perguntar a qualquer um do povo se ele acha que Palocci mandou quebrar o sigilo, verá que a sensação é de que ele tinha interesse nisso. Ele é o único beneficiado. Isso é de uma clareza solar. A corda acabou estourando do lado mais fraco, como sempre." (Marco Aurélio Mello, ministro do STF)

"No recebimento de uma denúncia, exige-se que a autoria e a materialidade do crime estejam presentes. Depois, no curso do processo, discute-se se há provas suficientes. O Supremo, porém, discutiu se o ministro sabia ou não da quebra. Olha, tanto o Palocci sabia que, na época, ele perdeu o cargo! O que o STF fez foi uma 'absolvição sumária'." (Luiza Cristina Frischeisen, procuradora regional da República)

"O Ministério Público tinha indícios contundentes para abrir um processo contra Palocci. A decisão do Supremo, mais uma vez, é contrária à sociedade." (Janice Ascari, procuradora regional da República)

"O que significa, afinal, um episódio de violação de sigilo bancário, promovida em retaliação a um serviçal doméstico, diante do excelente trânsito de Palocci nos setores que contam para o governo, seus sustentáculos na área empresarial e financeira?" (Folha de S. Paulo, editorial)

"Essa foi a lição ministrada pelo STF a caseiros, mordomos, secretárias e motoristas de poderosos: tomem cuidado. Suas palavras não valem nada. Terão efeito nulo se desejarem relatar alguma impostura. Todos vocês correm o risco de terem suas vidas devassadas." (Fernando Rodrigues, colunista)

"Tem gosto pra tudo. Pra elogiar Mussolini, Hitler, Pinochet, Átila, Gengis Khan, Vlad Dracul, a ditadura militar... e até as abomináveis manipulações da Justiça em proveito dos poderosos que marcam a trajetória do Robin Hood às avessas responsável pelo apagão judiciário de anteontem." (resposta que dei a um comentário no CMI)

"Eu, brasileiro, confesso/ Minha culpa, meu degredo/ Pão seco de cada dia/ Tropical melancolia/ Negra solidão/ (...) Aqui, meu pânico e glória/ Aqui, meu laço e cadeia/ Conheço bem minha história/ Começa na lua cheia/ E termina antes do fim/ Aqui é o fim do mundo/ Aqui é o fim do mundo/ Aqui é o fim do mundo" (Marginália II, canção que foi composta por Gilberto Gil e Torquato Neto há quatro décadas, mas cuja atualidade ficou comprovada anteontem)

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O ESPÍRITO DE JUSTIÇA E A NUDEZ DOS REIS

Ontem fiz duas palestras sobre ditadura x direitos humanos, na Faculdade de Direito de Sorocaba, interior paulista.

Fui lá a convite do Centro Acadêmico. E percebi o de sempre: cidadão que pegou em armas contra o regime militar continua sendo encarado com desconfiança (para não dizer hostilidade contida) por alguns pilares da comunidade.

Mas, os jovens não têm tais prevenções. Alguns até haviam escutado as falácias das viúvas da ditadura a respeito dos resistentes. Só que não lhes dão crédito absoluto: vêm me perguntar se são ou não expressão da verdade. E tiram suas conclusões.

Voltei para casa de táxi, cortesia dos organizadores do evento. E o motorista, nordestino e falante, veio discorrendo com muita propriedade sobre religiões.

Lá pelas tantas, ele me disse que toda pessoa, no íntimo, sabe o que é certo e o que é errado.

Comentei que Platão, há milênios, constatou o mesmo, ao se referir ao espírito de justiça que nos é inerente. Ele ignorava a frase célebre.

Fiquei matutando sobre isso. Como o homem comum, na era da internet, passou a confiar mais no resultado de suas reflexões, em vez de acatar bovinamente a posição das autoridades e otoridades.

Este vem sendo meu grande trunfo nas batalhas de opinião pública dos anos recentes: a que travei por minha anistia de ex-preso político e a que estou travando pela liberdade de Cesare Battisti.

Sempre que consegui tornar a verdade acessível e compreensível para quaisquer cidadãos, obtive retorno.

É até uma reação previsível, face à terrível desmoralização das nossas instituições.

Gilmar Mendes disse que, para tomar suas decisões jurídicas, jamais levará em conta a opinião do homem da esquina.

Ele se considera o sacerdote que detém o monopólio da interpretação da palavra divina, então está se lixando para o que qualquer zé mané pense.

Não lhe caiu ainda a ficha de que o zé mané também está se lixando para a pretensão de infalibilidade dos doutos. Já não engole que os estudados e os togados estejam sempre certos. Quer que lhe apresentem argumentos, não diplomas, títulos e cargos.

Então, o zé mané sabe que Sarney era, sim, culpado das acusações que lhe foram feitas. E deveria, sim, ter sido expelido da presidência do Senado.

Erro crasso do PT é privilegiar o placar oficial e esquecer o moral. Salvou Sarney por meio a zero. Moralmente, o placar foi de 10 x 0... contra. As consequências virão, com o tempo.

Ontem, Gilmar Mendes, como relator, conduziu o Supremo Tribunal Federal à decisão que interessava ao Poder: isentar Antonio Palocci de uma culpa que salta aos olhos e clama aos céus.

Linguajar pomposo à parte, o que ele alegou foi:
  1. o então ministro da Fazenda Palocci sofreu acusação vexatória do caseiro Francenildo;
  2. Palocci era a pessoa mais interessada, no Brasil inteiro, em desacreditar Francenildo;
  3. Palocci detinha autoridade de fato sobre o então presidente da Caixa Econômica Federal;
  4. o presidente da CEF não tinha motivo real nenhum (o que declarou foi risível) para interessar-se pessoalmente pela movimentação bancária de Francenildo, dentre os milhões de correntistas da instituição;
  5. o presidente da CEF requisitou os dados e os levou até a casa de Palocci;
  6. por uma feliz coincidência, lá estava também um assessor de imprensa;
  7. Palocci leu;
  8. o assessor distribuiu à imprensa;
  9. mas, não há como provar que foi Palocci quem pediu que os dados lhe fossem mostrados, nem que ele tivesse ordenado ao assessor para divulgá-los, já que os outros dois não admitiram isso;
  10. então, o único que cometeu um delito foi o ex-presidente da CEF.
Para quem passou da idade de acreditar em Papai Noel, fada dos dentes e saci-pererê, essa insólita reunião na casa de Palocci foi obviamente tramada para produzir o resultado que produziu. E a ligação entre os personagens secundários só aconteceu porque foram convocados pelo personagem principal.

Ademais, mesmo ao zé mané mais crédulo ocorreria a pergunta que não quer calar: se dar conhecimento a terceiros de dados sigilosos que se detém em função do cargo ocupado é crime, como um ministro de Estado pôde testemunhar o crime cometido pelo presidente da CEF sem tomar providência nenhuma contra seu autor?

Outra: se Palocci, não sendo um zé mané, estava ciente de que o presidente da CEF não tinha o direito de lhe revelar a movimentação bancária de Francenildo, por que não procedeu como um homem honrado faria, recusando-se a ler o que lhe era ilicitamente oferecido?

Enfim, com malabarismos e interpretações tortuosas pode-se criar a ilusão de que a conduta de Palocci não feriu a letra da Lei, só o alfabeto completo da ética. Mas, o espírito de Justiça continuará levando cada zé mané a concluir, corretamente, que tanto o mandante quanto o segundo pau mandado também eram culpados.

É por essas e outras que, explicando as coisas direitinho às pessoas, evitando que sejam enroladas pela linguagem cifrada dos doutos, conseguimos resultados surpreendentes.

Como o de, a partir da internet, equilibrarmos a batalha de opinião em torno do destino de Cesare Battisti, apesar da extrema tendenciosidade da imprensa burguesa.

Temos o espírito de justiça ao nosso lado. E, cada vez mais, a conquista dos corações e mentes é que determinará o desfecho dos episódios.

Pois até o homem da esquina está enxergando a nudez dos reis, nesta fase deplorável de nossa história republicana.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

O QUE PODEMOS ESPERAR DO JULGAMENTO DE BATTISTI NO STF?

O Supremo Tribunal Federal marcou para o próximo dia 9 o julgamento do caso do escritor e perseguido político Cesare Battisti, 54 anos, cuja extradição é requerida pelo governo italiano para o cumprimento de uma pena de prisão perpétua com privação de luz solar.

Battisti foi detido no Brasil em março de 2007 e, desde então, está preso preventivamente por determinação do STF.

Este longo período de detenção por crimes que lhe são atribuídos alhures passou a ser ainda mais questionável quando o governo brasileiro, por decisão do ministro da Justiça Tarso Genro, concedeu o refúgio humanitário a Battisti, em janeiro de 2009.

Pela Lei brasileira e pela jurisprudência estabelecida por decisões anteriores do próprio STF, a decisão de Genro deveria determinar a libertação de Battisti.

O Supremo optou, entretanto, por mantê-lo preso até apreciar o caso. Sucessivos pedidos dos seus advogados foram negados, embora o comezinho bom senso indicasse que deveria, pelo menos, ter passado para o regime de liberdade vigiada.

Desde fevereiro, o presidente do STF Gilmar Mendes vinha prometendo marcar o julgamento do caso, sem cumprir.

Em julho, recebi e divulguei a mensagem angustiada que Battisti me enviou da penitenciária de Papuda (DF):
"Ao fim do recesso do STF, fará oito meses que eu continuo detido após [ter-me sido concedido] o refúgio. O abuso do STF está passando de todos os limites, e isso não é só responsabilidade do STF, mas também de todas as instituições brasileiras, que contrariam o que está estabelecido nas leis e nos tratados internacionais, mantendo preso um refugiado político!"
Três jornalistas lançamos artigos protestando energicamente contra essa situação kafkiana, de um indivíduo estar encarcerado tão-somente porque autoridades não cumprem com seu dever: Rui Martins, Antonio Aggio Jr. e eu.

Quando o coro foi engrossado por ninguém menos do que o maior jurista brasileiro vivo, Dalmo de Abreu Dallari, a coisa mudou de figura.

Em seu espaço semanal no Jornal do Brasil, Dallari não só acusou Gilmar Mendes de ser "pessoal e diretamente responsável por um caso escandaloso de prisão mantida ilegalmente", como atribuiu sua conduta a uma espécie de pirraça:
- Defendendo abertamente a extradição, e contrariado por não poder concedê-la, o presidente do Supremo Tribunal vem retardando o julgamento do pedido de extradição, criando-se um surrealismo jurídico: mantém-se o refugiado preso, como castigo pela impossibilidade legal de extraditá-lo.
Mendes sentiu o golpe e, três dias depois, anunciou a data do julgamento.

CONFLITO DE PODERES

Uma questão preliminar que os ministros do STF avaliarão é, exatamente, se a decisão do governo brasileiro torna obrigatório o arquivamento do processo de extradição, conforme determina o artigo 33 da Lei nº 9.474, de 22/07/1997 (a chamada Lei do Refúgio), segundo o qual "o reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio".

Antes de assumir a presidência do STF, Mendes fez em 2007 uma tentativa de derrubar esse artigo, o que descaracterizaria a Lei do Refúgio como um todo. Foi no julgamento do caso de Olivério Medina, ex-integrante da guerrilha colombiana.

Em seu relatório, Mendes propôs que o Supremo avocasse a definição sobre se eram políticos ou comuns os crimes imputados a Medina. Na ocasião, os demais ministros votaram contra sua pretensão e a favor do acatamento pleno da Lei do Refúgio.

Talvez seja a humilhação que então sofreu, como relator cujo parecer não foi seguido por nenhum dos colegas, um motivo para a conduta extremamente parcial de Mendes na condução do Caso Battisti.

Sua tendenciosidade saltou aos olhos quando um jornalão publicou uma daquelas informações de bastidores que nunca se sabe se são verdadeiras ou manipuladas: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria mandado ao STF o recado de que, caso a palavra final ficasse com ele, não concederia a extradição. Compreensivelmente, Lula poderia estar querendo evitar comparações com Getúlio Vargas, que entregou Olga Benário para a morte nos cárceres nazistas.

Logo em seguida, sabatinado pela Folha de S. Paulo, Mendes fez questão de tranquilizar Lula, afirmando que, "se for confirmada a extradição, ela será compulsória e o governo deverá extraditá-lo".

Em termos jurídicos, o que ele afirmou foi uma monstruosidade, pois implicaria suprimir-se, com uma só penada do STF, vários direitos dos pleiteantes de refúgio humanitário: o de apelarem uma segunda vez ao Comitê Nacional para Refugiados Políticos (Conare), apresentando novos argumentos; o de recorrerem uma segunda vez ao ministro de Justiça; e o de apelarem à clemência do presidente da República, a quem cabe autorizar ou não o governo estrangeiro a retirar o extraditando do País.

É chocante Mendes ter manifestado a intenção de usurpar tantas prerrogativas do Executivo e ainda dar como favas contadas que os demais ministros do STF, como vaquinhas de presépio, o acompanharão nessa aventura, que acabaria colocando Poderes em conflito (mesmo que o Executivo se omitisse, a defesa de Battisti certamente provocaria a discussão legal dessa decisão extremamente questionável).

Por conta da tortuosidade jurídica dos caminhos que levam à extradição, o mais provável é que os ministros do STF acatem o parecer do procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza, que recomendou a extinção do processo sem julgamento de mérito, com a consequente libertação de Battisti.

Souza não só se baseou no que a Lei do Refúgio estabelece, como lembrou ser a concessão ou não de status de refugiado político uma questão da competência do Poder Executivo, condutor das relações internacionais do País.

No mesmo sentido, o presidente do Comitê Nacional para Refugiados, Luiz Paulo Barreto, advertiu que seria um erro o STF substituir o Ministério da Justiça como última instância nos processos de refúgio humanitário, pois não é a instituição mais apta para cumprir tal função:
- Nem sempre o Judiciário tem condições de avaliar todos os detalhes de um processo de refúgio. P. ex., no caso do Sudão, da Eritreia, da República Democrática do Congo, o Supremo tem condições de saber que neste momento e nesses países há perseguição? Talvez não, porque o Supremo não é órgão especializado para dar refúgio.
TORTURAS E ABERRAÇÕES JURÍDICAS

Uma segunda questão preliminar seria a prescrição da pena a que Battisti foi condenado na Itália, já que os crimes a ele imputados ocorreram há mais de 30 anos.

Se passar por cima de tudo isso, o STF provavelmente desconsiderará também os argumentos de ordem histórica, no sentido de que a Itália dos anos de chumbo extrapolou os limites de uma democracia ao combater os grupos de ultra-esquerda, seja com a prática generalizada da tortura, seja implantando leis de exceção com aplicação retroativa e que admitiam prisões preventivas com mais de dez anos de duração, entre outros absurdos jurídicos.

Idem, os referentes aos trâmites anômalos dos processos de Battisti, que, condenado em 1979 por subversão, teve o processo reaberto a partir das acusações de um delator premiado, às quais vieram logo somar-se suspeitas corroborações de outros aspirantes a favores da Justiça italiana.

O segundo julgamento, de 1987, se deu à revelia, pois Battisti estava foragido no México. Ademais, foi representado por advogado hostil (havia conflito de interesses) que usou procuração adulterada para substituir os advogados inicialmente incumbidos do caso, depois que estes também foram presos.

Embora o falseamento da procuração tenha sido comprovada por perita altamente qualificada, os tribunais italianos negaram a Battisti um novo julgamento, no qual pudesse exercer realmente seu direito de defesa.

E houve até recentes declarações ameaçadoras de agentes penitenciários italianos, inspirando justificado temor de que Battisti venha a sofrer retaliações, já que lhe atribuem participação no assassinato de um carcereiro que maltratava presos políticos.

Tudo isso é mais do que suficiente para justificar a confirmação do refúgio de Battisti, mesmo porque se trata de um instituto de ordem humanitária.

Para Gilmar Mendes, os crimes pelos quais Battisti foi condenado seriam comuns, apesar da sentença italiana os qualificar como políticos e de haverem sido enquadrados em legislação instituída especificamente para o combate à subversão.

Então, contraditoriamente, os defensores da extradição alegam que não cabe a nós, brasileiros, discutirmos a lisura dos processos italianos, mas o presidente do STF pretende classificar como comuns os crimes que os tribunais da Itália consideraram políticos.

E a exageradíssima reação italiana à decisão de Tarso Genro é o melhor argumento no sentido de que Battisti tem mesmo motivos para temer arbitrariedades em sua terra natal.

Começando pelo fato de que foi personagem dos mais secundários quando militante, mas depois a Itália de Berlusconi fez dele um símbolo, com motivações flagrantemente políticas.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

ABAIXO-ASSINADO INTERNACIONAL EM DEFESA DA LIBERDADE DE CESARE BATTISTI

O escritor e perseguido político Cesare Battisti ainda está preso no Brasil, ao arrepio da Lei e da jurisprudência, embora já em janeiro/2009 devesse ter sido libertado em função do reconhecimento de sua condição de refugiado político por parte do governo brasileiro. E a Italia continua movendo céus e terras para impor sua extradição, numa campanha que mobiliza recursos astronômicos e utiliza pressões as mais descabidas para vergar as autoridades brasileiras a seus desígnios.

Pedimos aos cidadãos com espírito de justiça, no Brasil e no mundo, que divulguem este abaixo-assinado para a libertação de Cesare Battisti. E, também, que façam chegar sua tomada de posição aos seguintes endereços:
sg@planalto.gov.br;
tarso@portoweb.com.br;
mgilmar@stf.gov.br;
mmarco@stf.gov.br;
alexandrew@stf.gov.br;
gabinete-ewandowski@stf.gov.br;
gabcarlosbritto@stf.gov.br;
clarocha@stf.gov.br;
mcelso@stf.gov.br;
macpeluso@stf.gov.br;
ellengracie@stf.gov.br;
egrau@stf.gov.br;
gabminjoaquim@stf.gov.br

LIBERDADE PARA BATTISTI
Sr. Presidente da República Federativa do Brasil,
Sr. Presidente do Supremo Tribunal,
Sr. Ministro da Justiça,

nós, abaixo-assinados, pedimos-lhes solenemente que não extraditem Cesare Battisti, que lhe ofereçam o refúgio político humanitário e que lhe permitam viver no seu país, como ele disse desejar.

A decisão tomada pelo ministro da Justiça em 23/01/2009, de atribuir-lhe o refúgio político humanitário, honra o seu país e o povo brasileiro. Honra todo o Brasil, não somente pelo seu alcance individual, mas, sobretudo, pelo seu alcance universal -- até porque, como sublinhou a ONU, existe um real perigo de que se esvazie a instituição do refúgio.

Apesar desta decisão soberana, a Itália continua fazer pressão sobre o vosso governo para exigir a extradição de Cesare Battisti. Frente a essa pressão reiterada, sem considerar o conjunto do processo agora conhecido, desejamos retomar alguns elementos que devem permitir compreender-se que, além do caso Cesare Battisti (que não é unico), é da defesa das liberdades democráticas que se trata.

Não é o caso de discutir o carácter democrático ou não da Itália. É indispensável recordar que este país foi objeto de numerosas denúncias por parte do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e de organizações reconhecidas em nível internacional, relativas à tortura, bem como à implicação dos diferentes serviços policiais e judiciais em casos de suspensão e desrespeito das regras do Direito internacional em matéria de direitos humanos.

Desde 1979, os relatórios da Anistia International referem alegações de tortura ou de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, tanto nas detenções como em prisão preventiva, além da prestação de cuidados médicos insuficientes aos detidos.

Até hoje, no seu último relatório de 2009, a Anistia Internacional destaca: as autoridades italianas ainda não inscreveram a tortura entre os crimes sancionados pelo Código Penal. Também não instauraram mecanismo eficaz que assegure que a polícia preste conta dos seus atos.

Os anos de chumbo, na Itália, inscrevem-se num contexto internacional em que, do México à França, passando pela Checoslováquia, milhões de pessoas manifestam contra o autoritarismo e procuram construir um mundo ideal de liberdade e de justiça.

A América Latina pagará muito caro esta sede de liberdade. Os sucessivos golpes de estado fomentados pelos Estados Unidos para extirpar os movimentos que prejudicavam os seus interesses seriam apoiados pelos países da Otan, e a França. Estratégia do terror, tortura, desaparecimentos e eliminação sistemática dos oponentes foram então erigidos em método de governo. A Europa não escapou a este processo; e a Itália, sem dúvida, menos ainda que os outros países.

Aí está porque é necessário recordarmos que, precisamente, estas estratégias de tensão e terror, bem como os riscos de golpe de estado fascista, tomaram corpo naquele país, como testemunham os atentados e massacres perpetrados pelo grupo Loja P2, os circulos fascistas e os serviços de informação italianos.

Piazza Fontana (1969 - 17 mortos, 88 feridos), Brescia (1974 - 8 mortos, 94 feridos), Bolonha (1980 - 85 mortos, 200 feridos) são os atentados mais notáveis desse período, mas estão longe de ser os únicos.

No decreto de novembro de 1995, O tribunal supremo italiano revelou a existencia de uma vasta associacão subversiva composta, de uma parte por elementos provenientes de movimentos neo-facistas dissolvidos, como Paolo Signorelli, Massimiliano Fachini, Stefano Delle Chiaie, Adriano Tilgher, Maurizio Giorgi e Marco Ballan; e, por outra parte, Licio Gelli (chefe do grupo Loja P2), Francesco Pazienza, o colaborador do diretor geral do serviço de informação militar SISMI, e dois outros oficiais do serviço a saber, o general Pietro Musumeci e o coronel Giuseppe Belmont.

É nesse contexto que mais de 400 organizacões estruturaram-se para lutar contra o fascismo; e que dezenas de milhares de italianos foram às ruas e atacaram tais milícias. Milhares de opositores do fascismo foram condenados a seculos de prisão.

Sustentar-se hoje que estas condenações não se inscreveram num contexto político e que foram decretadas apenas contra qualquer malfeitor sem fé nem lei, revela simplesmente uma negação da realidade. Ou, mais precisamente, um disfarce da História, que serve para ocultar as razões pelas quais, ainda hoje, o risco fascista persiste na Itália.

A recaída no fascismo ameaça a Europa democrática desde a primeira eleição de Silvio Berlusconi em 1994. Este aliou-se a um partido abertamente xenófobo e federalista, a Liga do Norte; e, na Aliança Nacional , retomou o chefe do MSI Giorgio Almirante (chefe de gabinete de ministro da Cultura popular de Mussolini e membro da guarda nacional da República de Salò). A página mussolineana está longe de ser página virada .

As últimas leis votadas pela Itália são também objeto de preocupações crescentes entre os organismos internacionais de defesa dos direitos humanos, devido ao seu carácter racista e xenófobo, bem como ao descumprimento de suas obrigações internacionais (vide o relatório da Anistia Internacional de 2009 e os comunicados de imprensa de 07.05.09 e 03.07.09, dentre outros).

Numerosas são as acusações de maus tratos, tortura e violação da dignidade humana que continuam a pesar sobre o sistema carcerario italiano. Ainda em julho de 2009 a Itália voltou a ser condenada pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos pelas condições de detenção julgadas degradantes.

Nessas condições, é evidente que a extradição de Cesare Battisti e sua condução às prisões italianas colocariam em efetivo perigo a sua integridade física e psicológica.

Os fatos pelos quais Cesare Battisti foi condenado situam-se claramente num contexto político e a obstinação vingativa da qual é objeto revela-se igualmente politica. É por isso que, seguindo a decisão do Ministro da justiça, rogamos-lhe liberar Cesare Battisti e garantir-lhe o refúgio político humanitário político que lhe foi outorgado em janeiro de 2009.

O seu país faz, doravante, parte de um continente no qual a esperança renasce. São nações que, afirmando a sua independência, libertaram-se das tutelas estrangeiras.

Estamos convencidos que vocês não voltarão ao passado, extraditando Cesare Battisti, o que seria uma reincidência na terrível decisão do governo que entregou Olga Benario, companheira de Luiz Carlos Prestes, à Alemanha nazista.

Estamos certos que reafirmarão a independência do seu país e sua adesão aos ideais de liberdade e de justiça.

Cremos que colocarão Cesare Battisti em liberdade.

Em: agosto/2009

Comitê de Solidariedade a Cesare Battistibattistilibre@yahoo.fr

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

A MORAL DELES E A NOSSA

Leio na imprensa burguesa que o Supremo Tribunal Federal estaria propenso a absolver na próxima 5ª feira (27) o hoje deputado federal Antonio Palocci do crime de haver ordenado a quebra do sigilo bancário de Francenildo Costa, na esperança de obter provas de que fora subornado por seus inimigos políticos.

É que Francenildo fornecera à CPI dos Bingos detalhes sobre a participação do então ministro da Fazenda num esquema mafioso/promíscuo: caseiro da chamada "casa do lobby" de Brasília, na qual se tramavam negociatas e se faziam festas com garotas de programa, ele relatou que Palocci era frequentador assíduo do local.

Apostando em que a movimentação bancária de Francenildo registraria algum depósito vultoso nos dias que antecederam o depoimento do caseiro, Palocci ordenou ao então presidente da Caixa Econômica Federal que lhe trouxesse o extrato da conta. Isto configura violação de sigilo funcional.

E mais, Palocci foi mandante de um crime como etapa preliminar de outro crime: a campanha de difamação de Francenildo. Algo assim como bandidos que roubam um carro para, em seguida, utilizarem-no num assalto.

O relator deste caso é -- logo quem! -- Gilmar Mendes, cuja condição de presidente do STF lhe permitiria delegar a função para outro ministro. Mas, fez questão de incumbir-se pessoalmente do relatório.

Se precedentes significam algo, vem aí uma decisão tão aberrante quanto a tomada no julgamento do diploma de jornalista, que teve Mendes como relator. Os rumores em Brasília são de que, utilizando filigranas jurídicas, o STF absolverá Palocci.

Quem conhece algo sobre os tribunais, sabe que doutos juristas elaboram doutos pareceres para se justificar seja lá o que for. Até que a Terra é quadrada, se isto convier aos poderosos.

E que, nos casos de maior importância, a decisão acaba sendo sempre política, embora ornamentada com blablablá jurídico.

Muitos acusam Mendes de ter chegado aonde chegou graças a um forte empenho tucano em seu favor. Então, por que remover este obstáculo do caminho de Palocci, tido como possível candidato petista à Presidência da República se a candidatura de Dilma Rousseff não emplacar?

Minha impressão é de que, neste caso, um valor mais alto se alevanta: a pressão dos banqueiros.

Politicamente, Palocci era ninguém até 2002, tão desimportante no petismo quanto o fora no longínquo envolvimento com o trotskismo (se leu A Moral Deles e a Nossa, há muito deve tê-lo esquecido...).

Tudo mudou de figura quando ele foi escolhido por Lula para zelar pelos interesses do grande capital em seu Ministério

Como todos sabem, o preço do sinal verde dado pelo poder econômico para que Lula enfim chegasse à Presidência foi implementar obedientemente uma política econômica neoliberal. Um pacto que deve ter sido firmado com sangue, como o diabo costuma exigir dos que lhe vendem a alma.

Tão bem se desincumbiu Palocci da missão que virou xodó dos banqueiros. Que achado, o PT ter encontrado um militante ao mesmo tempo esquerdista no passado (para não despertar suspeitas) e tãorealista no presente!

Tanto que, mesmo sendo um dos mais emporcalhados no mar de lama do mensalão, Palocci continuou com prestígio intacto na imprensa burguesa, quase sempre citado reverentemente. Daí a facilidade com que conquistou uma cadeira na Câmara Federal.

E banqueiros, mais do que ninguém, detestam correr riscos. Então, embora demonstrem claramente preferir uma vitória do demo/tucano José Serra em 2010, devem ter vislumbrado uma possibilidade de ganhar ou ganhar, como mais lhes apraz.

Se Palocci for isentado de sua flagrante culpa pelo STF, bastará os banqueiros investirem mais um pouco para detonar Dilma e pronto: a eleição ficará polarizada entre um ex-presidente da UNE brigando com seu passado e um petista tão domesticado quanto os micos de circo.

Mas, perguntarão os leitores mais perspicazes, por que me dou ao trabalho de revelar as motivações ocultas neste caso?

Não estou fazendo lobby para o STF condenar Palocci, pois só me interessam as decisões dos podres poderes em circunstâncias extremas, como a de evitar a ignomínia que seria a extradição de Cesare Battisti.

Empenho-me, isto sim, em fazer com que a militância idealista do PT (supondo que ainda exista...) perceba o quanto de traição aos princípios do partido haveria numa escolha de Palocci como candidato presidencial. Em termos de moral revolucionária, equivaleria ao conluio Lula-Collor-Calheiros para salvar Sarney.

Por que é sempre a moral revolucionária que inspira meus posicionamentos, não a moral burguesa. As diferenças são significativas.

A moral burguesa, p. ex., valoriza ao extremo o fato de alguém ganhar seu sustento com trabalho honesto.

A moral revolucionária só considera dignificante o trabalho que serve ao bem comum e dá oportunidade ao ser humano para concretizar seu potencial criativo.

Um bancário ganha honestamente o sustento, mas sua faina, em última análise, só serve para enriquecer agiotas.

E o trabalhador de uma linha de montagem em nada se identifica com o produto final de seus esforços. Só apelando para malabarismos de imaginação ele reconhecerá como obra sua o automóvel do qual apertou um ou outro parafuso.

Uma das acusações mais graves que Marx lançou à burguesia foi a de ter aviltado o trabalho humano a tal ponto que, ao invés de propiciar a realização dos indivíduos, tornou-se o instrumento de sua escravidão.

Noves fora, as principais trangressões à moral revolucionária cometidas pelos mensaleiros foram três:
  • o desvio de dinheiro dos contribuintes, trabalhadores em sua maioria;
  • o recebimento de subornos do grande capital para facilitarem falcatruas;
  • a apropriação individual de parte dessa dinheirama ilícita (utilizarem meios escusos para o financiamento de projetos políticos já seria inadmissível, mas deles beneficiarem-se pessoalmente os igualou aos mais sórdidos políticos burgueses!).
O que Palocci fez foi além de uma transgressão moral: ele atentou contra a própria razão-de-ser dos revolucionários, que é a de ajudar os fracos a lutarem contra os poderosos.

Mobilizando o poder do Estado para achatar e violentar um caseiro, ele repetiu exatamente a postura daqueles a quem combatemos.

Então, de todos os réus do mensalão, é quem mais fundo atingiu os valores revolucionários. Pois agiu exatamente como qualquer coronelão fazia nos velhos tempos, usando e abusando dos podres poderes para colocar a bugrada no seu lugar.

Noutro dia, avaliei a bóia lançada pelo PT a Sarney como a segunda morte do partido (o mensalão foi a primeira).

Ter como candidato presidencial um Palocci seria, indiscutivelmente, a terceira. Aí, o alinhamento com os humilhados e ofendidos iria também para o ralo, como já o foi a moral revolucionária.

E, se a militância consentir com mais esta transição negativa, nada, absolutamente nada mais restará dos ideais que nortearam a fundação do partido em 1979.

domingo, 23 de agosto de 2009

DEVEMOS REVOLVER O PASSADO OU CONSTRUIR O FUTURO?

O transcurso do 30º aniversário da Lei da Anistia é marcado por intermináveis discussões sobre a punição dos torturadores.

Mas, as evoluções nesse assunto quase nada acrescentaram ao que já escrevi noutras oportunidades.

De novo, só houve a organização de uma busca farsesca dos restos mortais dos guerrilheiros chacinados no Araguaia, para cumprir determinação judicial. Como nada querem os militares encontrar, nada estão encontrando.

Talvez não tenha mesmo sobrado nada para alguém encontrar. Pode ser que a limpeza do cenário tenha sido efetuada com eficiência, nas décadas transcorridas desde que as Forças Armadas impuseram a solução final aos militantes do PCdoB, tal qual os nazistas fizeram com os judeus.

falharam ao não copiarem dos mestres a utilização de fornos crematórios para a eliminação dos vestígios de seus crimes. Isso lhes causou algumas dores de cabeça, mas o ministro da Defesa Nelson Jobim está aí para garantir que o trem não saia dos trilhos.

O que havia para ser dito, eu já disse quando o Governo Lula optou por considerar definitiva a anistia de 1979, promulgada em plena ditadura e que igualou os carrascos a suas vítimas.

Fê-lo quando os ministros Tarso Genro (Justiça) e Paulo Vannuchi (Secretaria Especial de Direitos Humanos) promoveram uma audiência pública para discutir a punição dos torturadores, no final de julho de 2008.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por meio de Jobim , desautorizou qualquer iniciativa do Executivo no sentido da revogação da Lei da Anistia,

Genro tentou maquilar a derrota como vitória, propondo que fossem abertas na Justiça ações contra os ex-torturadores, acusando-os de terem cometido crimes comuns. Segundo ele, as atrocidades não se tipificavam como crimes políticos e, portanto, ficavam de fora do guarda-chuva protetor da Lei da Anistia.

De imediato, eu adverti que:
  • a tortura nunca fora um excesso cometido por meia-dúzia de aloprados nos porões, mas sim uma política de Estado que, embora não assumida formalmente, nem por isso deixara de ser menos efetiva, tendo sido implementada com a concordância ou a omissão de toda a cadeia de comando;
  • que o atalho proposto por Genro impediria a responsabilização dos mandantes, permitindo apenas o enquadramento dos executantes;
  • que daria aos acusados uma forte arma de defesa, pois eles argumentariam exatamente que estavam apenas cumprindo ordens;
  • que não representaria a verdadeira justiça, ficando-se longe de passar o período realmente a limpo;
  • que o caminho judicial seria tão longo e os recursos protelatórios à disposição dos réus, tantos, que poucos deles (ou nenhum) acabariam recebendo a sentença definitiva em vida;
  • e que as tentativas de contornar-se a Lei da Anistia teriam como adversária a União, pois esta oficializara sua posição de endosso à impunidade dos carrascos.
Como alternativa, propus um pacote alternativo para desatar-se o nó onde ele deve ser desatado, ou seja, no Executivo e no Legislativo:
  • revogação da anistia de 1979;
  • promulgação de uma nova Lei de Anistia, decidida em regime de liberdade, que fixasse a responsabilidade dos usurpadores do poder por todas as violações dos direitos constitucionais dos cidadãos brasileiros ocorridos durante a ditadura de 1964/85;
  • que os mandantes do arbítrio e seus agentes fossem declarados culpados de genocídios e atrocidades, sendo em seguida anistiados por motivos de ordem humanitária (idade avançada) e política (a inaceitável omissão do Estado, que deveria ter passado a limpo o período a partir do momento em que o País foi redemocratizado, em 1985);
  • e que também ficasse definitivamente estabelecido que os atos praticados por cidadãos brasileiros no legítimo exercício do direito de resistência à tirania não constituíram crimes, devendo ser desconsiderados para todos os fins, inclusive morais, os Inquéritos Policiais-Militares da ditadura e as sentenças emanadas de auditorias militares.
Para a esquerda, seria trocar uma guerrilha jurídica interminável, cujos resultados acabarão sendo inócuos, por uma vitória moral indiscutível.

À direita restaria o prêmio de consolação de não ver seus carrascos na cadeia, pois tem sido esta a tônica de suas ruidosas tomadas de posição - algumas das quais configuraram visivelmente uma quebra de hierarquia, sendo, mesmo assim, engolidas pelo Governo Federal.

E se evitaria que indivíduos sórdidos se apresentassem à opinião pública como vítimas, utilizando suas doenças e idade provecta para fazerem chantagem emocional. A imagem final seria a de lhes haver sido concedida a graça de morrerem fora do cárcere em que mereciam definhar.

Ou seja, todas as arestas seriam aparadas: não haveria punições, esvaziando-se os focos que estão gerando conflitos no presente; mas, fixar-se-iam parâmetros legais importantíssimos para desestimular reincidências futuras no arbítrio.

A sensatez, infelizmente, anda longe da política oficial, até por desmontar os palcos em que muitos personagens têm a oportunidade de fulgurar sob os holofotes da mídia.

Num debate em setembro/2008, o professor de filosofia Paulo Arantes avaliou que a insistência da esquerda em revolver as abominações do passado denota a inexistência, na atualidade, de um horizonte de transformação radical da sociedade:
"É uma confissão de que o futuro passou para o segundo plano. De que ele só virá depois desse rodeio pelo passado. É uma confissão tácita de que o horizonte de transformação foi posto de quarentena".
Concordo plenamente. O que precisamos é de uma solução política para que esse período negro da nossa História tenha um desfecho honroso para nós. Pois os desafios que realmente precisamos enfrentar são os do presente, para começarmos a construir o futuro sonhado pelos que pegamos em armas contra a ditadura.

O melhor tributo que pode ser prestado aos que morreram e aos que sofreram é a construção de um Brasil com verdadeira liberdade e verdadeira justiça social. E estamos longe, muito longe disso.

sábado, 22 de agosto de 2009

DALLARI ACUSA GILMAR MENDES DE CASTIGAR BATTISTI COM PRISÃO ILEGAL


O jurista Dalmo de Abreu Dallari acusou o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, de ser "pessoal e diretamente responsável por um caso escandaloso de prisão mantida ilegalmente": o do escritor italiano Cesare Battisti.

Em artigo publicado nesta sexta-feira, 21, no Jornal do Brasil (Prisão ilegal, suprema violência - acessar aqui), o professor emérito da Faculdade de Direito da USP avaliou como uma retaliação de Gilmar Mendes sua decisão de não libertar Battisti depois que o refúgio humanitário lhe foi concedido pelo ministro da Justiça Tarso Genro:
"Defendendo abertamente a extradição, e contrariado por não poder concedê-la, o presidente do Supremo Tribunal vem retardando o julgamento do pedido de extradição, criando-se um surrealismo jurídico: mantém-se o refugiado preso, como castigo pela impossibilidade legal de extraditá-lo."
Dallari explica que, do ponto de vista legal, só caberia ao STF arquivar o pedido de extradição, como sempre acontece quando o refúgio é deferido:
"Preso preventivamente por determinação do ministro Gilmar Mendes, à espera de uma decisão do pedido de extradição formulado pelo governo italiano, em janeiro de 2009 Cesare Batistti obteve, por via absolutamente legal e por decisão da autoridade competente, o status de refugiado, o que, segundo as leis brasileiras, impede que ele seja extraditado".
Então, resume o professor catedrático da Unesco, o ministro Gilmar Mendes está certo em sua exortação "para que as autoridades responsáveis cumpram o seu dever legal e concedam a liberdade aos que se acham ilegalmente presos", embora tenha exagerado ao usar "de linguagem agressiva e desrespeitosa, fazendo duras acusações a juízes e membros do Ministério Público"; e, no caso de Cesare Battisti, deveria ele próprio acolher "essa mesma exortação (...), em respeito à Constituição e à dignidade da pessoa humana".

Mesmo porque, enfatiza Dallari, manter uma pessoa presa ilegalmente é "ato de extrema violência". Suas palavras são candentes:
"Além da ofensa ao direito de locomoção, reconhecido e proclamado como um dos direitos fundamentais da pessoa humana, praticamente todos os demais direitos fundamentais são agredidos em decorrência da prisão ilegal. Basta lembrar, entre outros, o direito à intimidade, o direito à liberdade de expressão e os direitos inerentes à vida social e familiar, todos consagrados e garantidos pela Constituição brasileira e cujo respeito é absolutamente necessário para preservação da dignidade humana".
A OPINIÃO DOS "COZINHEIROS"

È alentador constatarmos que a avaliação do maior jurista brasileiro vivo veio ao encontro da que haviam manifestado três jornalistas -- aqueles cujas aptidões, no entender de Gilmar Mendes, são equivalentes às dos cozinheiros.

Parece que os membros da profissão extinta por Mendes têm mais acurácia para enveredar pelos assuntos legais do que ele para teorizar sobre o trabalho da imprensa.

Diretamente de Berna, um mês atrás, Rui Martins expressou sua indignação com o comportamento descabido das autoridades brasileiras, tão chocante para quem está acostumado à Justiça do 1º mundo (acessar aqui):
"...enquanto o STF contesta a decisão de um ministro, no limite de uma crise institucional, um homem continua preso. Entretanto, essa privação de liberdade de um homem por decisão do presidente do STF, quando seu alvará de soltura deveria ter sido concedido no dia seguinte à decisão do ministro Genro, já ultrapassou as medidas do tolerável por um Estado de direito.

"A prisão de Cesare Battisti ao arrepio dos direitos humanos é hoje uma vergonha internacional. É toda estrutura de nossa justiça que é posta em cheque e vivemos, neste momento, uma situação digna de uma ditadura, de um país sem respeito às suas próprias leis, e que ignora as garantias individuais baseadas em preceitos internacionais."
O veterano Antônio Aggio Jr. não foi menos incisivo, em seu artigo lançado logo em seguida e apropriadamente intitulado Estado de Direito ou insanidade ditatorial? (acessar aqui):
"Quando se intenta interpretar um texto de maneira contrária ao que nele está expresso, ocorrem aberrações. E, no caso de Battisti, o julgador parece colocar-se acima da letra da Constituição e da lei. A coisa toda está malcheirosa! Ou Battisti é um asilado político ou um reles homicida estrangeiro. Quanto a sua primeira situação, não resta dúvida, como também com relação ao fato de que, em tal condição, ninguém jamais deveria permanecer encarcerado nem por um dia, enquanto um grupinho de iluminados pelos holofotes da mídia fatura a torto e a direito sobre a sua desgraça. A quem interessa isso? À Nação? Ao povo brasileiro?"
E eu escrevi, também há um mês (acessar aqui):
"Só há um termo aplicável à situação de Battisti: kafkiana.

"Está preso há dois anos e meio sem condenação no Brasil.

"Já conquistou a liberdade e o direito de aqui residir, mas, incompreensivelmente, inaceitavelmente, absurdamente, o STF insiste em invadir a esfera de competência de outro Poder, parecendo disposto a tudo para fazer prevalecer a vontade estrangeira sobre uma decisão soberana do governo brasileiro.

"E tão ciente está da vulnerabilidade jurídica de sua posição que prefere ganhar tempo, nem soltando Battisti, nem o julgando.

"Sabe muito bem que, uma vez tomada sua decisão, o caso seguirá adiante e a defesa vai poder adotar novas medidas, que garantam a Cesare o que ele, repito, já conquistou e não poderá ser-lhe indefinidamente escamoteado.

"Enfim, Battisti cumpre pena de prisão no Brasil sem ter sido condenado, apenas e tão-somente porque a mais alta corte do País se arroga o direito de desrespeitar a Lei [do Refúgio], a lógica e o senso comum."

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

A SEGUNDA MORTE DO PT

Um dos melhores livros que li na vida foi A Segunda Morte de Ramon Mercader, de Jorge Semprún, ele também um desencantado com a esquerda que perdeu o rumo - no caso, o Partido Comunista Espanhol, satelizado por Stalin.

Quanto ao nosso Partido dos Trabalhadores, ele teve mais do que duas mortes. Podemos lembrar de muitos momentos traumáticos, como o expurgo das tendências de esquerda e a expulsão de Paulo de Tarso Venceslau por denunciar os primeiros desvios éticos mais sérios do partido nos anos 80, a opção pelo agronegócio face à greve de fome do bispo do São Francisco ou mesmo os compromissos firmados com o grande capital e a Rede Globo para que o sistema admitisse a chegada de Lula à Presidência da República e dos quais resultaram a adoção da política econômica neoliberal até hoje mantida.

Os mais emblemáticos foram, entretanto, os do mensalão e o do socorro ao Sarney, daí os dois registros que alinhavo abaixo:

"O PT, como força transformadora, foi engolido pelo atraso... [suas políticas não] são políticas de ajustamento, não são políticas sociais transformadoras - elas se ajustam à realidade. O Bolsa Família é uma política de ajuste, uma política conformista. E isso reflete essa situação um tanto ambígua de uma classe que não é classe, desse enorme exército informal que representa mais de 50% da força de trabalho. Então, o PT foi engolido pelo atraso. A modernização das políticas sociais é uma regressão da classe para a pobreza, enquanto o movimento histórico vai da pobreza para a classe." (Francisco de Oliveira, sociólogo e professor aposentado da USP, um dos grandes teóricos do PT de melhores dias, expressando seu desencanto pelo mensalão e, em termos mais amplos, a completa descaracterização que o partido sofreu ao conquistar o poder)

"O fato mais significativo da política brasileira no último período foi a absorção do PT pelo establishment político. (...) O que nós percebemos nesses últimos anos é que o PT e o Lula não lutavam para mudar o Brasil, lutavam para entrar no condomínio de poder. (...) Os militares fecharam o Congresso fisicamente. Lula fechou o Congresso de outra maneira, de um lado, inundando o Congresso com medidas provisórias que trancam a pauta e, de outro lado, generalizando o fisiologismo de uma forma que o Congresso deixou de existir como tal. (...) Minha maior crítica ao presidente Lula não é nem à política econômica, mas é seu papel profundamente deseducativo e desmobilizador. É equívoco dizer que Lula é obrigado a fazer concessões. Quando ele entrega o sistema elétrico a Sarney - hoje uma capitania de Sarney-, ele não se sente fazendo concessão, ele se sente fazendo política". (Cesar Benjamin, editor da revista Contraponto, que participou da luta armada e foi um dos fundadores do PT, expressando seu desencanto com a vitória de Lula-Sarney-Calheiros-Collor e consequente manutenção de Sarney como presidente do Senado)

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O ATO: CONY SEPULTOU OS IDEAIS. O FATO: AGORA APÓIA ATÉ CENSURA!


Pete Townshend, o guitarrista e compositor das músicas do The Who, produziu em 1965 uma canção-manifesto, "My Generation", que trazia um verso fortíssimo: "Prefiro morrer antes de envelhecer".

Só que ele não morreu, envelheceu. E se tornou o oposto dos jovens rebeldes de outrora, capaz de proferir verdadeiras catilinárias contra os downloads gratuitos do MP3 e até de rasgar seda para o então presidente George W. Bush: "Bush se esforça para dar uma vida digna ao povo dos Estados Unidos, e não tenho o direito de dizer como ele deve dirigir o país".
Daí o sarcástico cala-boca que levou de Kurt Cobain, do Nirvana: "Prefiro morrer antes de virar Pete Townshend".

Como tenho duas filhas, de um e sete anos, que amo demais e quero ver crescerem, não irei ao ponto de afirmar que prefiro morrer antes de virar Carlos Heitor Cony. Não se brinca com essas coisas.

Mas, a minha decepção com Cony deve equivaler à de Cobain com Townshend.

Antes mesmo de aderir ao marxismo, eu já o admirava. Tive uma fase existencialista, lá pelos 14 anos, e o Cony era o escritor que, no Brasil, seguia os passos de meus ídolos Jean-Paul Sartre e Albert Camus.

Li muita coisa da sua fase despolitizada e gostei, principalmente, de Antes, o Verão e Informação ao Crucificado.

Mas, ele mudou de postura a partir do golpe de 1964.

Até então sua matéria-prima era a impossibilidade de realização plena dos indivíduos de classe média na sociedade burguesa, focada no plano pessoal.

A partir daí ele tomou lugar na trincheira dos que lutavam diretamente contra a burguesia e seus cães de guarda, os militares.

Mas, não foi uma opção tão ideológica assim, pelo menos segundo sua própria versão.

Disse que, como benjamim de uma extraordinária redação do Correio da Manhã (RJ), na qual pontificavam grandes jornalistas de esquerda como Otto Maria Carpeaux, Paulo Francis, Antonio Callado, Jânio de Freitas, Sérgio Augusto, Márcio Moreira Alves e Hermano Alves, sentia-se desobrigado de abordar temas políticos, pois havia quem o fizesse melhor do que ele.

Com a quartelada, entretanto, essas figurinhas carimbadas não puderam dar sequência ao seu trabalho costumeiro, pois se tornaram alvos prioritários de prisões, intimidações e todo tipo de cerceamento.

Cony teria entrado nesse vácuo, substituindo-as na missão de denunciar a nudez do rei. Como tinha prestígio literário (seu livro de estréia, O Ventre, foi sucesso de crítica e de vendas) e reputação de apolítico, os milicos acabaram engolindo seus arroubos de indignação. Devem ter pensado que a fase seria passageira.

OPÇÃO PELA LUTA ARMADA

Mas Cony perseverou. Depois desses artigos combativos que escreveu no pós-golpe e reuniu no livro O Ato e o Fato, faria a opção pela luta armada.

Cheguei a vê-lo discursar numa manifestação estudantil aqui em São Paulo, em meados de 1968, quando afirmou que a vitória contra o arbítrio não seria conquistada nas cidades. Apontava-nos, implicitamente, o caminho da guerrilha rural.

Esta guinada foi expressa em seu livro de 1967, Pessach, a Travessia. O personagem principal é uma óbvia projeção dele mesmo: um escritor de meia idade, em crise existencial, que envolve-se casualmente com um grupo guerrilheiro.

O que ele quer mesmo é sair dessa fria. Mas, no final, mortos os combatentes, ele tem a chance de transpor a fronteira e pôr-se a salvo. Prefere empunhar a arma de um deles e dar sequência à sua luta.

A travessia pessoal do Cony, infelizmente, não foi tão altaneira. Algumas prisões (sem maus tratos, claro, pois era vip) e o desemprego quebraram sua espinha.

Ainda fez um último grande romance, o melhor de sua carreira: Pilatos (escrito em 1972 e publicado dois anos depois). Mostra, com jeitão de pesadelo, um Brasil desumanizado, em que as pessoas são movidas apenas por apetites e ambições, sem nenhum sentimento nobre.

Era, claro, o Brasil do milagre econômico.

CURVANDO-SE À EVIDÊNCIA DOS FATOS

E Cony deixou evidenciados seus sentimentos ao derivar o título destes versos do "Samba Erudito", de Paulo Vanzolini: "Aí me curvei/ Ante a força dos fatos/ Lavei minhas mãos/ Como Pôncio Pilatos".

Ou seja, se é nessa pocilga que vocês optaram por viver, voltando as costas a quem combatia por um Brasil melhor, então chafurdem à vontade. Não tenho nada a ver com isso.

O desencanto com o País e as mágoas por não encontrar companheiros de esquerda que o socorressem quando ficou na rua da amargura tiveram, como resultado, uma nova travessia, desta vez negativa, de Cony. Tornou-se, ele próprio, um homem sem ideais.

Pediu emprego a Adolfo Bloch que, talvez em nome da ascendência judaica comum, o acolheu muito bem em sua editora.

Mas, o diabo sempre exige algo de quem lhe vende a alma: além de cuidar de uma revista, Cony era obrigado a redigir, como ghost writer, os editoriais arquirreacionários de Bloch, fazendo apologia da ditadura. Seus colegas de redação, pelas costas, referiam-se a ele como Cony-vente.

No ano 2000 ingressou na Academia Brasileira de Letras, que decerto lhe provocaria náuseas em 1958, quando iniciou a carreira.

Em 2004, embora seja profissional muito bem pago como jornalista e escritor, fez questão de obter reparação de ex-preso político.

Pior: foi duplamente favorecido, passando à frente de quem estava mofando há anos na fila e recebendo uma pensão mensal (e respectiva indenização retroativa) extremamente exagerada, segundo os próprios critérios do programa. Tratamento vip, de novo!

"CERTOS SETORES DA IMPRENSA"

E chegamos aos dias de hoje, quando não só defende fervorosamente seu colega de Academia, José Sarney, do clamor público pela justa punição dos delitos em que foi flagrado, como chega a apoiar a censura de jornais!

Isto mesmo, está na sua coluna desta 5ª feira na Folha de S. Paulo:
"Acho exagerado o fervor de certos setores da imprensa em reclamar de processos ou de sentenças da Justiça, considerando violação de uma liberdade a qual todos têm direito, desde que não fira direito de terceiros.

"Afinal, a imprensa não é uma vestal inatacável, acima de qualquer valor da sociedade. Ela está sujeita ao Estado de Direito, que dá liberdade a qualquer cidadão, jornalista ou não. O fato de um juiz aceitar um processo não é uma violação."
Ou seja, um juiz ligado a José Sarney proíbe um jornal de noticiar um inquérito envolvendo falcatruas da família Sarney e a única coisa que Cony encontrou para criticar é... a solidariedade que O Estado de S. Paulo está recebendo de "certos setores da imprensa"!

Pensando bem, eu não preciso mesmo dizer que preferiria morrer antes de virar Carlos Heitor Cony. Por um motivo simples: nem que viva 100 anos decairei tanto.

ANISTIA INTERNACIONAL DENUNCIA AGRESSÕES E MORTES EM HONDURAS

A Anistia Internacional acaba de divulgar relatório com as conclusões de uma delegação que enviou a Honduras três semanas atrás (acessar aqui).

Os representantes da AI entrevistaram muitas das 75 pessoas detidas na Chefatura Metropolitana nº 3 de Tegucigalpa depois que a polícia, com apoio do Exército, dissolveu uma manifestação pacífica no dia 30 de julho.

A maioria dos detidos exibia lesões resultantes dos golpes que a Polícia lhes aplicou com porretes, bem como das pedras e outros objetos que foram atirados contra eles.

A ONG manifestou sua preocupação com a violência e intimidação de que são alvo os defensores dos direitos humanos, o cerceamento da liberdade de expressão (incluindo o fechamento de veículos de imprensa e o confisco de equipamentos) e as agressões físicas a jornalistas e operadores de câmaras.

Segundo o relatório, desde o golpe de estado que depôs o presidente Manuel Zelaya no dia 28 de junho "têm havido distúrbios generalizados no país, com frequentes enfrentamentos entre a polícia, o Exército e manifestantes civis".

A AI informa que "pelo menos duas pessoas foram mortas por disparos durante os protestos". Já para outras organizações de direitos humanos atuantes em Honduras, o número de vítimas é, no mínimo, de quatro.

Quanto às perspectivas de recondução de Zelaya ao poder, continuam esbarrando na pouca vontade que os membros da OEA mostram de intervir para fazerem cumprir sua resolução pomposa.

Como ervas daninhas que são, os golpes de estado têm de ser erradicados imediatamente, caso contrário fortalecem-se e vão consolidando a nova ordem.

Infelizmente, ficou confirmado o acerto de minha avaliação quando Zelaya armou uma caravana para a retomada do poder, chegou até a transpor a fronteira hondurenha, mas refugou e bateu em retirada.

Opinei que ele deveria ter seguido em frente. Aí, ou derrotaria os golpistas ou seria preso por eles, caso em que a OEA não poderia mais ficar de braços cruzados. Noblesse oblige, teria de tomar uma atitude mais firme.

Evidentemente, Zelaya correria o risco de que o matassem. Mas, quem disse que defensores das causas populares estão isentos de perigos? Os que assumem grandes responsabilidades têm de estar preparado para grandes sacrifícios. Vargas e Allende que o digam.

O certo é que um eventual sucesso dos golpistas abrirá um péssimo precedente, ressuscitando uma prática que parecia ter sido varrida da América Latina com o fim da guerra fria.

Talvez os dirigentes das nações mais influentes, começando por Lula e pela Kirchner, ainda venham a arrepender-se amargamente da tibieza demonstrada neste episódio.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

LULA AGORA CRITICA O "DENUNCISMO" QUE DERRUBOU COLLOR EM 1992!

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem o péssimo hábito de falar pelos cotovelos, de improviso, deixando evidenciada a falta de requisitos básicos para o cargo que ocupa, como a isenção, o equilíbrio e o conhecimento de episódios marcantes de nossa História.

Deveria exercer o papel de árbitro, pairando acima das contendas políticas. Prefere nelas intervir da forma mais estabanada, tornando-se parte do tiroteio.

Não cabe, p. ex., a um presidente bater boca com uma ex-funcionária da Receita Federal. No entanto, isto só não aconteceu porque ela esquivou-se de responder ao seu desafio infeliz. Dos dois, foi Lina Vieira quem manteve a compostura.

Nesta terça-feira, Lula pisou pela enésima vez na bola, ao esforçar-se por defender quem a opinião pública acertadamente já condenou.

Na condição de presidente do Senado, José Sarney não só deixou que fosse cometido um sem-número de delitos e favorecimentos ilícitos, como também deles se beneficiou. Isto já era mais do que suficiente para que deixasse de presidir a Casa.

Veio o excelente trabalho jornalístico de O Estado de S. Paulo no último fim de semana e comprovou irrefutavelmente a existência de relações promíscuas entre Sarney e as empreiteiras. Desde então, já não há mais nada a se discutir. Ou Sarney cai ou é a imagem do Senado que despenca, aos olhos de todo cidadão consciente deste país.

Aí vem Lula e tenta negar, perdoem-me o trocadilho, o óbvio ululante. Deram um flagra no Sarney que, fosse este um país sério, o faria não só perder a presidência do Senado e o próprio mandato, como também a liberdade para delinquir.

Senador que é remunerado com apartamentos para, usando seu poder e influência, prestar serviços escusos a empreiteiras, seria engaiolado por qualquer Operação Mãos Limpas que aqui houvesse.

Só que dificilmente haverá alguma, caso contrário se teria de convocar novas eleições, tantas seriam as cadeiras vagas no Legislativo.

Desqualificar tudo isso como "oba-oba do denuncismo" foi uma das frases mais infelizes da interminável coleção de Lula.

Idem, repetir o absurdo de que defender Sarney "é menos do que apoiar um homem, é apoiar a instituição". Pelo contrário, Sr. Presidente, nada há de mais nocivo para as instituições do que a impunidade dos que as enlameiam.

E Lula acabou sua peroração com um verdadeiro samba do crioulo doido:
"Getúlio Vargas foi levado ao suicídio porque era chamado de ladrão e corrupto todo dia. Juscelino Kubitschek era chamado de ladrão todo dia pelos denuncistas da época, a UDN moralizadora - a direita está cheia de ética para vender. Jânio Quadros renunciou por causa de forças ocultas, João Goulart caiu algum tempo depois, depois foi o Collor".
Getúlio Vargas foi levado ao suicídio porque um aloprado da sua guarda pessoal cometeu um atentado contra o opositor Carlos Lacerda, ferindo-o no pé e matando o major da Aeronáutica que o acompanhava. As meras denúncias não teriam sido suficientes para apeá-lo do poder.

Face à lambança de Gregório Fortunato e as evidências de que fora açulado por Benjamim Vargas, irmão de Getúlio, nada mais havia a fazer: ou sair pela porta do fundo, como um cão chutado, ou pela porta da frente, num caixão. Optou pela saída digna e, com sua carta-testamento, frustrou as maquinações da UDN.

Todo homem público está sujeito a denúncias, algumas justificadas, outras não. Mas ninguém pegou JK com a boca na botija, da maneira como agora foi apanhado Sarney, então o presidente bossa-nova terminou seu mandato normalmente.

Jânio Quadros pateticamente alegou ter sido derrubado por forças ocultas, quando o que houve foi uma tentativa bisonha de dar um golpe de estado e estabelecer uma ditadura pessoal que lhe permitisse submeter o Congresso a seus desígnios. Com sua trapalhada, criou condições para o golpe de 1964.

As denúncias de corrupção foram mesmo um dos motes propagandísticos que os golpistas usaram contra João Goulart, mas não o principal. O espantalho nº 1 era a pretensa "entrega do Brasil aos comunistas". Se há algum ponto de contato entre as situações de Goulart, esquerdista moderado, e Sarney, coronelão de direita, a mim me escapa.

Só num ponto Lula está 100% certo: os delitos que determinaram o afastamento de Collor em 1992 são equivalentes aos que tornam imprescindível o afastamento de Sarney em 2009.

Lamentavelmente, não é mais ao lado dos caras-pintadas que Lula se posiciona.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

O CASO BATTISTI E O ESPÍRITO DE JUSTIÇA

Os leitores mais assíduos de meus textos sabem que, na semana passada, travei rápida polêmica com o juiz aposentado e colunista da CartaCapital Wálter Fanganiello Maierovitch, no site Conversa Afiada, de Paulo Henrique Amorim.

Com menos adrenalina e o distanciamento crítico possível para quem participou de uma batalha, tentarei aprofundar o que aconteceu.

Comecemos pelo passo a passo:
  1. PH Amorim teve acesso, em primeira mão, ao parecer elaborado por um dos luminares do Direito no Brasil que, a soldo do governo italiano, tentou descobrir uma filigrana jurídica qualquer que desse aparência de legalidade a uma eventual decisão do Supremo Tribunal Federal de extraditar o escritor e perseguido político italiano Cesare Battisti;
  2. raciocinando como jornalista, ele publicou (ver aqui) a informação nova que alguma mão misteriosa depositou no seu colo;
  3. para dimensionar o que o tal parecer acrescenta ao processo, Amorim recorreu a Maierovitch, que, obviamente, o saudou como se fosse a tábua dos 10 mandamentos, pois se comporta no Caso Battisti com a isenção de um membro de torcida organizada no jogo de seu time;
  4. enviei uma contestação (ver aqui) da matéria como um todo e Amorim, jornalista que respeita as boas práticas jornalísticas, a acolheu, publicando-a;
  5. também publicou contestações (ver aqui) de Maierovitch, a mim e a leitores que comentaram o assunto;
  6. e também publicou minha resposta (ver aqui), desta vez específica, ao Maierovitch.
O debate ficou por aí.

Não cometerei a tolice de afirmar que dei xeque-mate em juiz num assunto jurídico. Na verdade, Maierovitch me respondeu tão sucintamente quanto possível, com perceptível repugnância.

Trata-se da reação habitual dos medalhões do sistema, ao se defontarem com cidadãos por eles tidos como desqualificados para discutir os elevados assuntos de sua área de atuação. Onde já se viu a plebe ignara invadir a praia dos PhD?

Então, com seus parágrafos curtos, ele escreveu apenas para reiterar sua posição e manter seu prestígio junto aos outros sacerdotes do Direito que porventura o lessem, tipo "aqui está a palavra final para os expertos e pouco me importa o que pensem os leigos". Nem sequer tentou ser convincente, já que despreza aqueles a quem poderia convencer.

Abdicou, portanto, de tentar levar vantagem sobre mim na disputa pelos corações e mentes dos leigos, do público habitual do site, cujos comentários acabaram sendo favoráveis a Battisti por ampla maioria.

Não sou advogado e jamais estudei Direito. Mas, lutando contra injustiças que sofri e algumas que outros sofreram, sendo solidário com colegas de serviço, defendendo o que é certo num país em que prevalecem interesses, acabei indo aos tribunais muito mais vezes do que gostaria. Aos 19 anos já respondia a quatro processos em auditorias militares, por haver travado o bom combate contra a ditadura.

Os conhecimentos adquiridos na estrada da vida foram fundamentais para que eu saísse vencedor nas duas batalhas de opinião mais dramáticas que já travei: como porta-voz da greve de fome dos quatro de Salvador, em 1986; e por minha própria anistia de ex-preso político, em 2004/5.

Então, consigo compreender razoavelmente a argumentação jurídica propriamente dita, não me deixando intimidar pelo linguajar cifrado e imponente dos doutos.

Mas, não é a exegese de textículos que privilegio em minhas batalhas, e sim o espírito de justiça que Platão dizia ser inerente a todo ser humano.

Pois, numa sociedade de classes, raríssimo é o idealista que conseguirá competir com profissionais debruçados a vida inteira sobre as minúcias legais, procurando os expedientes mais engenhosos para alcançar vitórias, seja quando defendem o que é justo, seja quando lhes pagam para absolver culpados e fazer prevalecer interesses espúrios.

O outro lado terá sempre mais recursos do que nós e sempre vai arregimentar os melhores juristas -- salvo uns poucos capazes de abrir mão de honorários em nome do espírito de justiça, como o grande Dalmo de Abreu Dallari.

As cartas nunca deixarão de estar marcadas contra nós. Invariavelmente nos defrontaremos com a perícia do inimigo no manuseio interesseiro dos textos legais e com a tendenciosidade da grande imprensa, que oscila (é óbvio!) na órbita dos interesses burgueses.

Ainda assim, não devemos desprezar a possibilidade de que o espírito de justiça faça os homens de boa vontade perceberem com quem está a verdade.

P. ex., nada do que Maierovitch ou o luminar contratado pelo governo estrangeiro argumentem será capaz de convencer pessoas sensatas de que os processos italianos dos anos de chumbo não tenham sido contaminados pela prática hedionda da tortura.

E não apenas em função dos depoimentos posteriores dos ultras, das admoestações que a Anistia Internacional fez na época às autoridades italianas ou das avaliações insuspeitas de um Norberto Bobbio, dentre tantos outros.

Mas por ser o que lhes é ditado pelo bom senso e pelo saldo coincidente de outros episódios de repressão aos que tomaram em armas para contestar o poder burguês: os países inevitavelmente respondem a tal desafio, ou aderindo ostensivamente ao terrorismo de estado (caso do Brasil de Médici), ou pisoteando veladamente os direitos humanos.

Na segunda hipótese, por mais que tentem esconder as torturas praticadas nos porões, mais cedo ou mais tarde elas acabam vindo à tona -- como os suplícios infligidos pela CIA a cidadãos muçulmanos na esteira do 11 de setembro.

Então, brasileiros não engolem esse blablablá oficialesco dos Minos e Maierovitchs sobre a democracia italiana nos anos de chumbo. Estão carecas de saber que governos colocam as razões de Estado à frente dos direitos fundamentais do homem.

E é por terem ocorrido excessos de parte a parte que não cabem mais punições, três décadas depois desses terríveis eventos.

Ainda mais num caso como o de Cesare Battisti, em que salta aos olhos a má fé dos que tentam erigi-lo em bode expiatório, obcecados em fazer deste episódio um tríplice exemplo: de fragelação da esquerda revolucionária, do poder implacável do Estado e da imposição da vontade dos países centrais sobre os periféricos.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE MARINA SILVA

Marina Silva é colunista da Folha de S. Paulo. Mas, ao contrário de José Sarney, cujos artigos oscilam entre a vacuidade ornamental (quase todos) e o jus sperniandi de quem foi merecidamente condenado no tribunal da opinião pública (quando defende sua indefensável atuação parlamentar), Marina Silva tem o que dizer.

O de hoje, Conversa circular (acessar aqui), dá conta de que as iniciativas internacionais contra o aquecimento global continuam tímidas. Ela constata "o ritmo lento desses avanços, insuficiente para o tamanho e a urgência do problema".

Marina quer que o mundo chegue a 2020 com a emissão dos gases poluentes 25% a 40% menor do que a registrada em 1990. E parece considerar que bastará isso para que a temperatura média global não suba mais que dois graus acima da que existia anteriormente à revolução industrial.

Diz Marina que, ultrapassada a barreira dos 2ºC, o Brasil teria sérios problemas com o equilíbrio do sistema hídrico, comprometendo "nossa matriz energética limpa".

A mim me parece que, ultrapassada a barreira dos 2ºC, o Brasil e o mundo teriam sérios problemas com catastrófes em escala nunca vista, aniquilando enormes contingentes humanos e condenando outros ao desabrigo e à fome.

No fundo, o que vemos é um monumental chutômetro dos ditos especialistas e das ditas autoridades, em escala global. Ninguém mostra firmeza quanto ao terreno em que está pisando, mesmo porque se trata de um desafio totalmente novo.

O bom senso nos aconselha a tomarmos as piores projeções como as mais prováveis e agirmos em função delas. Por um motivo simples: se as superestimarmos, teremos apenas feito mais rapidamente que o necessário aquilo que deveria mesmo ser feito; se as subestimarmos, colocaremos a espécie humana em risco de extinção. É simples assim.

Mas, contrapõem os advogados do diabo, digo, do capitalismo, a concentração de esforços e recursos na área ambiental se dará em detrimento das iniciativas contra a miséria, então 3 bilhões de miseráveis morrerão.

O comezinho bom senso nos socorre de novo. Faltam ao mundo recursos para, simultaneamente, erradicar-se a pobreza e reduzirem-se drasticamente as emissões de gases poluentes? Ou isto só é impossível mantida a escala de valores capitalista, segundo a qual a obtenção do lucro conta mais do que a satisfação das necessidades humanas (e, em última análise, até do que a sobrevivência da humanidade)?

O certo é que, priorizando o bem comum e a coexistência harmoniosa com o planeta, temos, sim, potencial produtivo suficiente para proporcionar a cada ser humano uma existência digna e segura. Mas, mantidas as prioridades atuais, talvez não haja século 22.

Ter colocado o mundo à beira do precipício é um dos motivos mais gritantes pelos quais o capitalismo deve ceder lugar a um sistema econômico coletivista. Daí a insistência de certos analistas em negarem ou minimizarem o perigo com que nos defrontamos. São as sereias que, insensivelmente, tentam nos atrair para a morte.

Quanto a Marina, parece-me um pouco ingênua quando, p. ex., contrasta a atitude dos senhores do mundo, de empurrarem com a barriga as decisões relativas às questões ambientais, com a premência demonstrada na atual crise global do capitalismo, quando têm disponibilizado rios de dinheiro para evitar que a recessão vire depressão.

Até agora a ficha não parece ter caído para ela: é assim que agirão até o fim. Ou tomamos o destino da humanidade nas mãos, ou eles o continuarão comprometendo até o ponto de não-retorno. Se ficarmos esperando que ouçam a voz da razão, ai de nossos descendentes!

Quanto às pretensões políticas de Marina, discordo daqueles que tentam desqualificá-la como samba de uma nota só. Infelizmente, essa nota só (os desequilíbrios ambientais) se tornou um problema maior do que todos os priorizados pela vã politicalha desses detratores.

Mas, não vejo a Presidência da República como a melhor trincheira para ela nas lutas a serem travada daqui para a frente. É uma função esvaziada, figurativa, que hoje se submete às decisões do poder econômico no fundamental e só tem autonomia para administrar as miudezas do dia a dia.

Tanto quanto Heloísa Helena, não terá papel de protagonista nas encenações da política oficial enquanto se mantiver coerente com seus ideais. E, se abrir mão deles para virar estrela, deixará de representar uma esperança em dias melhores.

Esqueça os palcos do poder e venha para as ruas conosco, Marina! É aqui que você pode fazer a diferença. E é aqui, e só aqui, que podemos construir uma História diferente para nosso sofrido povo.
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