sexta-feira, 19 de junho de 2009

GENOÍNO DETONA CASUÍSMO DO 3º MANDATO

Na década de 1960, havia no centro de São Paulo pelo menos três grandes livrarias especializadas em literatura revolucionária: a Brasiliense, na rua Barão de Itapetininga, além de duas outras cujo nome não recordo, localizadas na praça da República e na rua Aurora.

E, nas demais livrarias, as prateleiras de livros marxistas e revolucionários nunca deixavam de ser imponentes e destacadas.

Nelas, encontrávamos todas as posições pertencentes ao campo da esquerda. Lado a lado nas prateleiras, trotskistas e stalinistas, guevaristas e gramscianos, maoistas e marxistas católicos, etc.

Os lançamentos eram constantes, dezenas por mês, de editoras como a própria Brasiliense, a Paz e Terra, a Civilização Brasileira, etc.

Nos bares com mesas na calçada, como o famoso Redondo, esses livros teóricos eram discutidos exaustivamente, bem como os romances, filmes, peças e músicas com viés revolucionário.

As argumentações esgrimidas nessas frequentes polêmicas, travadas igualmente nas faculdades ligadas ao ensino de humanidades, eram buscadas em longos e brilhantes artigos analíticos, publicados, p. ex., na Revista da Civilização Brasileira e na Artes (além dos textos de publicações ecléticas mas abertas aos enfoques alternativos, como a nascente Realidade).

Ainda estão vivas na minha memória as verdadeiras maratonas de discussões deflagradas pela estréia de filmes como Terra em Transe, de Glauber Rocha, e A Chinesa, de Jean-Luc Godard.

O certo é que a minha geração conseguia captar a realidade em todas as suas cores e nuances, depois das quatro décadas (entre a de 20 e a de 50) de prevalência do rude preto-e-branco stalinista, o monolitismo do quem não é a nosso favor, é contra nós.

Para a maioria dos progressistas dos anos 60, o marxismo se identificava com o avanço da sociedade a um estágio superior de civilização, conforme a formulação original de Marx.

Não nos colocávamos automaticamente ao lado de qualquer tiranete obscurantista que porventura estivesse em confronto com os interesses dos EUA ou de Israel, nem endossávamos automaticamente casuísmos que pudessem nos beneficiar no curto prazo.

Então, é com desalento que eu vejo hoje parte da esquerda alinhada com figuras políticas que Marx decerto repudiaria como representantes do atraso e até da barbárie -- ele que sempre combateu o capitalismo do ponto-de-vista do socialismo que o substituiria, mas sempre apoiou as revoluções burguesas quando se tratava de substituir o feudalismo.

Ao invés de tratar os direitos humanos como perfumarias, o velho barbudo escrevia páginas as mais candentes sobre a sociedade dos seus sonhos, em que cada homem poderia desenvolver plenamente suas potencialidades, livre dos grilhões da necessidade; em que cada proletário teria as condições e os meios para se tornar um novo Goethe ou Beethoven.

Esta reflexão melancólica me foi inspirada por muitos episódios e posturas de passado recente -- tantos que nem vale a pena citar.

E por uma notícia desta 6ª feira: a de que o deputado José Genoíno, como relator da proposta de emenda constitucional que permitiria um 3º mandato para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, recomendou seu arquivamento, tanto por se chocar com cláusulas explícitas da Constituição, quanto porque "agride o senso comum de Justiça e razoabilidade ao pretender aplicar-se aos atuais detentores de mandato eletivo, alterando regras do jogo político em andamento no intuito de favorecer determinados resultados".

Houve um tempo em que nem sequer passaria pela cabeça de esquerdistas a hipótese de uma virada de mesa para conservarem um governo, ao preço de oferecerem aos inimigos a incontestável superioridade moral e um magnífico trunfo propagandístico. A conquista dos corações e mentes era o que vinha em primeiro lugar, não a posse dos aparelhos do poder.

Agora, no entanto, existem companheiros que, parafraseando a frase célebre do futebolista Gerson, querem mais é levar vantagem, certo?

Felizmente, Lula e os dirigentes do PT não se deixaram tentar pelo canto das sereias.

Caso contrário, eles e nós correríamos o risco de afogarmo-nos ou sermos devorados, que eram os destinos reservados aos marinheiros imprudentes: a direita não brinca em serviço e aproveitaria muito bem a chance para, a pretexto de evitar a presidência eterna do Lula, articular uma nova quartelada.

2 comentários:

Anônimo disse...

Estou cada vez mais preocupado com 2010... alguns comentários a favor da repressão policial na USP, que elevam a tônica fascista - veja http://algodao.algumlugar.net/2009/06/o-comentario-excluido/ por exemplo - são de arrepiar. Se isto refletir a vontade 'indizível' (pois anti-democrática) da classe média/alta, vai ser um páreo duro.

Luis Henrique

celsolungaretti disse...

Luís Henrique,

eu também percebi que há um ovo da serpente sendo incubado. Daí minha insistência em que não devemos dar à direita, de mão beijada, pretextos para uma nova quartelada.

Getúlio elegeu Dutra e ficou tudo bem (pelo menos naquele momento, a radicalização só ocorreria quando de sua volta ao poder).

O Lula pode eleger Dilma e ficará tudo bem.

Por que abusarmos da sorte, seguindo os passos de Chávez e Uribe?

Um forte abraço!

Related Posts with Thumbnails