sexta-feira, 22 de maio de 2009

COM CESARE NA "PAPUDA"


Foi emocionante o encontro com Cesare Battisti, que relato no longo texto hoje (22) colocado no ar pelo site Congresso em Foco http://congressoemfoco.ig.com.br/noticia.asp?cod_canal=1&cod_publicacao=28263

Como ele dissera, numa mensagem a mim repassada pelos companheiros do comitê, mesmo havendo um oceano de distância e a diferença de uma década, nossas experiências tinham sido muito parecidas: "Alegrias e misérias, sonhos quebrados, decepções, mas o coração aguenta e os sentimentos se fortalecem, são mais claros".

Pessoalmente, Battisti é um sujeito afável e, sem sombra de dúvida, inofensivo. Conheci os homens de ferro da esquerda e deu para perceber claramente que nosso companheiro italiano não é um deles.

Nem eu. Se fosse sincero comigo mesmo, teria reconhecido que a luta armada não era para mim no exato instante em que, participando da equipe precursora para a instalação de uma escola de guerrilhas no Vale do Ribeira (SP), coloquei um animalzinho na minha mira e, vendo-o tão gracioso e inconsciente do perigo, não tive forças para apertar o gatilho.

"Nós sabemos: / o ódio contra a baixeza / também endurece os rostos! / A cólera contra a injustiça / faz a voz ficar rouca!", disse o grande Brecht. Mas, não é bem assim. Os humanistas estão predispostos a sofrerem como vítimas, mas não a matarem como os guerreiros.

Num filme recente sobre Nelson Mandella, atribui-se a ele uma resposta exemplar, a um interlocutor que lhe pergunta se seria capaz de matar por seus ideais: "Eu seria capaz de morrer por esses ideais".

Da mesma forma, Battisti e eu somos do tipo dos que morrem por suas causas. Demo-nos mal por iludirmos a nós mesmos, querendo acreditar que fôssemos também capazes de matar. Pagamos um preço bem alto por isso.

De resto, foi emocionante escrever novamente uma matéria jornalística tão complicada, depois de dois anos. A última havia sido aquela em que narrei minha visita à reitoria da USP ocupada pelos estudantes.

A orientação do Congresso em Foco foi de fazer não uma entrevista, mas relatar o encontro de dois personagens com trajetórias de vida similares. Fácil de falar, difícil de fazer.

Mais ainda tendo de levar em conta a rede de difamação da extrema-direita, que certamente me acusará de cabotinismo (o que já faz, aliás, tentando desqualificar minha atuação como porta-voz do Comitê de Solidariedade a Cesare Battisti).

Então, tinha de colocar meus sentimentos na matéria, mas não a ponto de ofuscar o personagem principal.

Teria ficado mais apropriado, jornalisticamente, se um terceiro descrevesse o nosso encontro, mas não havia como viabilizar isso.

Pensei até em narrar tudo na terceira pessoa, referindo-me a mim mesmo como "Celso", mas conclui que soaria artificial.

Enfim, fiz o possível para sair-me bem da empreitada, tentando conciliar os três papéis que estava desempenhando simultaneamente: o de revolucionário solidário ao Cesare, o de porta-voz do Cesare Livre e o de jornalista.

Não dava para posar de repórter imparcial: eu já tomei partido há muito tempo. Então, só me restava deixar bem claro para os leitores (boa parte dos quais já deveria saber disto, aliás) que se tratava do relato de alguém engajado, não de um observador neutro.

Aliás, não existem observadores neutros. O que existem são jornalistas simulando uma isenção que verdadeiramente não têm.

Eu sempre preferi o jogo franco.

7 comentários:

Humberto Carvalho Jr. disse...

Celso,

Concordo com você. O mito da neutralidade é um dos mais nefastos vícios da profissão de jornalista. O jornalista que se atenta ao seu dever social não demora a perceber a impossibilidade de relatar um fato com isenção e imparcialidade.

O jornalismo existe com base no "Direito à Informação", garantido tanto pela Constutição brasileira como pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. E se cumprisse ao menos este dever, os jornalistas saberiam que esta profissão tem um lado a defender, não se diriam apartidários, isentos, neutros.

Parabéns!

Anônimo disse...

Fiquei feliz em saber da sua visita com Cesare; Se você puder ainda comunicar esse dato para ele acho que ele ficaria feliz. Companheiros dele e de um caro amigo que faleceu o ano passado estao querendo fechar um livro em homenagem a ese amigo; Queriam colocar tambèm ultimas informaçoes sobre Cesare e se como você falou sua possivel libertaçao. Se você tiver noticia para enviar para o editor seria muito legal conseguir incluir uma nota, feliz, no livro.
Obrigada,
manda saudaçoes para Cesare
Amparo

celsolungaretti disse...

Amparo,

não entendi o que você quer, exatamente, de mim. Farei o possível para te atender.

É melhor você me escrever ( naufrago-da-utopia@uol.com.br ) e explicar-se com mais clareza.

Um abração!

leonardo abel disse...

Caro Celso, muito embora não tenho a honra de conhecê-lo pessoalmente, é para mim um prazer ler suas reveladoras matérias. Eu o parabenizo por vossa intelectualidade, que não faz senão elevar o patamar cultural brasileiro. Poucas vezes se encontram os leitores com um analista tão altamente qualificado. Em minha opinião, presente o preceito contido no art. 33 da Lei 9.474/97, o escritor Cesare Battisti deveria estar livre há muito tempo. É mais, consoante o art. 34 do citado diploma legal e os precedentes do STF, a ele já deveria ter sido concedida pelo menos a prisão domiciliar, considerada a suspensão do processo extradicional (como já foi concedida ao general Lino Oviedo ou ao colombiano Padre Camilo). Todavia, como se natural fosse, em ofensa aos mais basilares preceitos constitucionais que informam ser o Brasil um Estado Democrático de Direito, ficando como refém das idéias neofascistas e da local imprensa amarela, Battisti permanece sine die preso, a esta altura há mais de 27 meses.

leonardo abel disse...

Destaco que, em situação asemelhada e graças á prepotência da ultradireita e a manipulação dos juízes federais durante o Governo de Carlos Menem na Argentina e ainda ante a insensibilidade maior do CONARE - a meu sentir, até hoje, majoritariamente integrado por burocratas sem a menor preparação técnica nem humanística -, em retaliação á difusão de meus trabalhos comprovando tecnicamente a existência de uma fraude eleitoral informática em grande escala nas Eleições Gerais de 1995 - que permitiram a re-eleição de Carlos Menem, estendendo seu mandato por mais 4 anos -, em que pese á desaparição de familiares e á perseguição política e a meu anterior exilio na França, eu passei 54 meses de minha vida preso em condições degradantes e desumanas (isolado do mundo numa cela escura de 3 metros quadrados, trancado 24 horas por dia durante os sete dias da semana, somente com direito a 30 minutos de saída e visita semanal, tratado como se terrorista fosse pelo DPF!) aguardando o desfecho de um pedido extradicional por pretensos delitos fúteis pelos que depois acabei sendo inocentado.

leonardo abel disse...

Entretanto, policiais federais que anos após foram exonerados da força por seu vínculo junto ao crime organizado nas rumorosas Operações “Faxina” e “Furação” aproveitaram a teratológica situação em que me encontrava para roubar todos meus bens, apenas sobrando para mim - colocada até hoje num belo quadro em meu escritório – a decisão do Supremo Tribunal Federal de 13/11/2006 que determinou a restituição de todos meus bens; comando judicial, por sinal, jamais cumprido pela falida Polícia Federal do Estado de Rio de Janeiro. Não bastasse, depois do calvário sofrido conjuntamente com minha esposa e filhos brasileiros em face ao pleito extradicional, a luta pelo cumprimento de uma ordem judicial da Suprema Corte e a restituição dos bens familiares - o que comportava a responsabilização para os ex-policiais federais -, desaguou numa brutal campanha difamatória e em represálias consubstanciadas na abertura de processos por desacato e falsidade documental (este último trancado pelo STJ, por falta de justa causa), em coordenada e coorporativa ação entre a PF e o MPF, nos levando, ante a sensação de insegurança jurídica, á necessidade de ter que abandonar o Brasil, para assegurar nossa vida e a liberdade, obrigando-nos, inclusive, a acionar a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

leonardo abel disse...

Eu não consigo mais entender o por quê dessas tamanhas contradições. De uma banda, o arcabouço normativo as leis de regência e as decisões administrativas (como no caso de Battisti) ou judiciais (como no meu caso) favoráveis á parte afetada. De outro lado, a brutalidade e a recalcitrância daqueles aos quais sem deliberação incumbiria a estrita aplicação ou o cumprimento das mesmas (?). No Governo Lula, por uma parte, Ministros preclaros e valentes como é o caso do Dr. Tarso Genro. De outro lado, nefastos elementos ligados ás elites mais conservadoras, como são os caso do oportunista Ministro Nelson Jobim (cujo caráter e qualidade pessoal - favorecendo amigos e votando sempre contra os interesses da população brasileira - estão patenteadas em seus pronunciamentos quando era Ministro e Presidente do Supremo Tribunal Federal) ou de certos “operadores” como o Senador Renan Calheiros, que, por exemplo, no meu processo extradicional, como Ministro da Justiça do Governo FHC, encaminhou impunemente um documento ideologicamente falso que inicialmente agravou meu quadro no STF, que determinou minha prisão preventiva por evento pelo qual sequer havia postulação do Governo de Carlos Menem. Isso é lamentável e penso que já está na hora de se colocar um basta e esse tipo de situações absurdas! Mais uma vez, parabéns. Obrigado pelo espaço para manifestar-me. Leonardo Abel Sinópoli (sudesmed@bol.com.br).

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