domingo, 15 de março de 2009

O FACTÓIDE DA EXCOMUNHÃO E O INFERNO PAMONHA

O capitalismo e sua indústria cultural nos condenam a viver num inferno pamonha, dizia Paulo Francis. Além de todas as injustiças e mezelas capitalistas, temos de suportar a desinformação programada, que passa como um rolo compressor sobre o espírito crítico.

Vide o Caso Battisti, em que os dois lados têm lá sua racionália e, no plano dos argumentos, OS DEFENSORES DO REFÚGIO HUMANITÁRIO CONSEGUEM, NO MÍNIMO, EQUILIBRAR A DISPUTA, SE É QUE NÃO A GANHAM.

No entanto, no plano da exposição das argumentações nos veículos da indústria cultural, a desigualdade tem sido tamanha, os humanistas dispõem de espaços tão ínfimos, que a demonização de Battisti levada a cabo pelos reacionários vingou, pelo menos em relação à parcela da opinião pública sem grande interesse no assunto.

O cidadão comum acaba vendo mesmo Battisti como responsável por quatro assassinatos, como a imprensa burguesa martela dia e noite, omitindo até que a Justiça italiana voltou atrás de uma dessas falsas acusações feitas pelo delator premiado Mutti, depois que se revelou fisicamente impossível ele haver apertado o gatilho em dois episódios ocorridos no mesmo dia em cidades muito distantes entre si.

O açodamento com que o Estado italiano acusou Battisti, para depois remendar canhestramente o erro atribuindo-lhe autoria intelectual do segundo crime, já diz tudo sobre o caráter farsesco desses julgamentos, que a grande imprensa brasileira esconde sob o tapete.

Ou seja, quem se informa superficialmente, tende a acreditar na história oficial, por mais furadas que sejam suas versões (e a tentativa de fazer-nos crer que o macartismo italiano da década de 1980 fosse uma democracia plena tem tantos furos quanto uma peneira).

Mas o meu tema de hoje é outra distorção do inferno pamonha, a supervalorização de acontecimentos ínfimos do cotidiano, mantendo grande parte da opinião pública mesmerizada pelas novelas baratas da vida real.

Factóides e mais factóides dominam as discussões, graças ao empenho da indústria cultural em desviar a atenção dos cidadãos daquilo que realmente importa -- como, neste momento, as consequências terríveis que se abatem sobre o homem comum em razão da delinquência intrínseca do capitalismo.

O que havia de tão transcedental numas excomunhões de chanchada, se ninguém mais leva excomunhão a sério? Em que isso iria realmente afetar a vida dos injustamente excomungados? Por que tal tempestade em copo d'água, quando há tantos assuntos sérios requerendo (e não obtendo) nossa atenção?

Conclusão da opereta: o Vaticano impugnou o procedimento de um arcebispo que ainda não saiu das trevas medievais, tudo não passando de uma comédia de erros.

Assim, o presidente da o presidente da Academia Pontifícia para a Vida, monsenhor Rino Fisichella, afirma que os médicos responsáveis pelo aborto na menina de 9 anos, grávida de gêmeos após ter sido estuprada pelo padrasto, não mereciam a excomunhão.

"São outros que merecem a excomunhão e nosso perdão, não os que lhe permitiram viver e a ajudarão a recuperar a esperança e a confiança, apesar da presença do mal e da maldade de muitos", escreveu Fisichella, um dos mais próximos colaboradores do papa Bento 16 e maior autoridade do Vaticano em bioética.

Quem errou foi mesmo o arcebispo José Cardoso sobrinho, diz o homem do Vaticano:

-- O caso ganhou as páginas dos jornais somente porque o arcebispo de Olinda e Recife se apressou em declarar a excomunhão para os médicos que a ajudaram a interromper a gravidez. Uma história de violência que, infelizmente, teria passado despercebida se não fosse pelo alvoroço e pelas reações provocadas pelo gesto do bispo. Era mais urgente salvaguardar a vida inocente e trazê-la para um nível de humanidade, coisa em que nós, homens de igreja, devemos ser mestres. Assim não foi, e infelizmente a credibilidade de nosso ensinamento está em risco, pois parece insensível e sem misericórdia.

A palavra serena da Santa Sé põe fim a um factóide. Mas, logo haverá outro, outro e mais outro, desviando a atenção da coletividade daquilo que realmente rege sua vida e seu destino.

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