terça-feira, 24 de março de 2009

A EXCEÇÃO E A REGRA

O veterano e sempre perspicaz Clovis Rossi, em sua coluna de hoje na Folha de S. Paulo, comenta a indignação causada nos EUA pelas práticas delinquentes da principal seguradora do país, a American International Group -- que, além de dar contribuição significativa para o deflagramento da crise global do capitalismo, ainda contemplou seus executivos com bônus milionários pouco antes do castelo de cartas começar a ruir.

Houve até quem, pejorativamente, atribuísse à sigla AIG o significado de arrogância, incompetência e avareza ("greed", em inglês). E Rossi completou:
- É uma evidência gritante de quanto a cobiça de executivos de conglomerados financeiros está causando revolta mesmo em um público que tradicionalmente cortejava esse mundo. Não deveriam, em todo o caso, espantar-se tanto. Cobiça é um ingrediente inerente ao capitalismo desde que foi inventado. (...) O problema é que a cobiça da 'pátria financeira' ultrapassou nos últimos muitos anos todos os limites da decência e da ética, do interesse coletivo, do bem público - e 'otras cositas más', que às vezes dá até vergonha de escrever de tão ultrapassadas que ficaram nessa maré montante de individualismo.

Ao discorrer sobre a ganância capitalista, ele veio ao encontro de um raciocínio constante em meus artigos: o de que os cidadãos mesmerizados pela indústria cultural já não conseguem mais perceber o quanto há de predador, abusivo, desumano e irracional nas práticas costumeiras do capitalismo, só se revoltando quando essas práticas intrinsecamente criminosas são levadas às últimas consequências, como se deu no caso da AIG.

O que é uma seguradora, afinal? Trata-se de uma companhia que cumpre função parasitária e inútil, praticamente não correndo riscos, salvo em grandes tragédias (que não poupam empresa nenhuma).

Assim, com base nas estatísticas de roubos, colisões, incêndios, mortes, etc., calculam quanto devem cobrar do universo de segurados para, pagando os prêmios daqueles que forem vítimas desses infortúnios, ainda assim conservarem a parte do leão.

É claro que, se os segurados optassem por poupar mensalmente tal quantia, mantendo-a guardada para emergências, na média sairiam ganhando -- e muito.

Ocorre que, por um lado, são incapazes de resistirem à compulsão consumista: o que têm nos bolsos, gastam.

Além disto, mantêm uma relação tão neurótica com seus bens (até sua coisificada existência equivale, em seus distorcidos raciocínios, a uma propriedade) que não admitem perdê-los de maneira nenhuma. Querem, no mínimo, compensação, para si ou para os herdeiros. E caem nas garras das seguradoras.

O capitalismo não só nos explora, como nos infantiliza. Faz-nos arcar com grandes prejuízos ao induzir-nos a adotar uma atitude covarde e pusilâmine diante da vida: a de preferirmos ser ordenhados como vacas, ao invés de corrermos o risco de ser donos dos próprios narizes.

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